
LXXVIII CENA
Punoi já tem 11 anos de idade e Paulito preso há 8 anos. Punoi é um temido delinquente. Bebe, fuma, droga-se e faz assalto a mão armada indiscriminadamente. De pistola em punho, num beco, ele ataca um velhote e pede a carteira.
PUNOI – Passe cá a carteira… rapidinho.
VELHO (com voz muito debilitada) – O que é isso, menino?
PUNOI – Cale a boca e passe pra aqui a carteira.
VELHO – Mas quem são teus pais, menino?
PUNOI (Agarra-se a ele e tira-lhe a carteira. Só encontra 80$00. Uma moeda de 50, uma de 20 e outra de 10$00. Não fica satisfeito) – Filho da put… só isto? Um velho não sabe que deve andar com dinheiro na carteira?
VELHO – Eu sou coitado, meu filho. Esses oitenta escudos, fui buscá-los ao meu neto para ir comprar medicamento.
PUNOI – Comprar medicamento?! Você está doente? Ou é para ir comprar viagra?
VELHO (a chorar) – Sim. Tenho diabetes e tensão muito alta.
PUNOI – Você tem tensão alta?! E o tesão? Então esse aí deve estar muito baixo? (Dá-lhe as moedas) Vá, engula essas moedas!
VELHO – Nãaaao, não consigo.
PUNOI (dá-lhe um tabefe) – Eu sei que você não consegue. Por isso que lhe estou a mandar. Engula-as rápido.
VELHO (tenta até conseguir engolir a de 10$00. Tenta com a de 20, engasga várias vezes, tosse e saem-lhe peitos) – Por amor de Deus, menino. Não consigo.
PUNOI – Consegue, sim senhor.
VELHO – Não consigo.
PUNOI (dá-lhe um pontapé no rabo) – Depressa, pá! Assim você aprende que um homem sem dinheiro é um homem morto. Fez-me trabalhar a toa! Tanto trabalho para ganhar 80 paus! Não tem é respeito pelo meu esforço.
O Velho consegue engolir a moeda de 20$00, engasgando-se várias vezes, levando taponas e pontapés no traseiro. Surge um carro de patrulha da Polícia e Punoi foge.
LXXIX CENA
Denxo Barba apresenta-se aos pais de Maria como seu noivo. Estão todos sentados na sala, um compartimento tosco e exíguo, com mobílias rudimentares: uma arca em cima de um tambor, 4 mochos, uma mesa toda desconjuntada, um banco comprido e uma tropeça (tronco de árvore).
NHAXUNDA (sentada em cima de um mocho) – O rapaz-novo então quer casar com a nossa filha?
DENXO – Se Deus quiser, e vocês aceitarem…!
BERNARDINO (sentado sobre a tropeça) – Se Deus assim o quiser, quem somos nós para o contrariar?
NHAXUNDA (enquanto remenda uma saia velha) – E para quando é que estão a pensar no casamento?
DENXO – Por mim já estaríamos já casados.
BERNARDINO – O rapaz parece-me sério, Xunda.
NHAXUNDA – Tu és de que família? Quem são os teus pais?
DENXO (mentindo) – Sou da família Barbosa Mendes.
BERNARDINO (muito entusiástico) – Sérgio Barbosa Mendes? Família Serbam?
DENXO (muito calmamente) – Eu sou neto de Serbam.
NHAXUNDA – E porque não vieram eles falar connosco?
BERNARDINO – Eles não devem ter tempo, Xunda. Tu sabes que gente rica anda sempre ocupada… sobretudo a controlar criados para não lhes roubarem.
DENXO – D. Xunda tem razão, Sr. Bernardino. Mas eu explico.
NHAXUNDA – Casamento é uma coisa muito séria. Pelo menos uma pessoa da família podia se disponibilizar para vir falar connosco.
BERNARDINO – Ainda está cedo, mulher! Depois eles vêm… ou nós vamos.
DENXO – O meu pai… tenho a certeza que viria se lhe tivesse dito.
NHAXUNDA – Não disseste ao teu pai, porquê?
DENXO – Não lhe disse porque ele é um homem fino, ficaria envergonhado se vocês não aceitassem que a vossa filha casass comigo.
BERNARDINO – É um homem muito fino, de facto.
NHAXUNDA – Mas vocês sabem que a nossa tradição manda os grandes pedirem noiva para os filhos. E tua mãe, ou tua madrinha… não podiam vir?
DENXO – Eu e a minha mãe estamos zangados.
NHAXUNDA – Estás zangado com a tua mãe?!
DENXO – Perdão… ela é que zangou-se comigo… com o meu pai.
NHAXUNDA – Contigo e com o teu pai?!… Explica isso melhor.
DENXO – O meu pai deixou-a grávida de mim e foi casar-se com outra mulher. Então ela sentiu-se humilhada, e odeia-o até hoje.
BERNARDINO – O teu pai deixou a tua mãe contigo na barriga e foi casar-se com outra mulher?
DENXO – A minha mãe não tinha escola e a mulher com quem o meu pai casou era professora.
BERNARDINO – Mas ele te registou!
DENXO – Quando eu nasci, a minha mãe não queria que ele me registasse. Mas quando cresci, soube que ele era meu pai e ele quis reconhecer-me… aceitei a perfilhação.
BERNARDINO – Fizeste muito bem. Não tens agora um pai rico?!
DENXO – Mas a minha mãe não gostou. Achou que eu não devia ter aceite… zangou-se comigo.
NHAXUNDA – Ela queria ficar com um filho sem pai?
BERNARDINO – E um pai desses! Barbosa Mendes!
NHAXUNDA – Bom, quanto ao casamento com a nossa filha, da nossa parte não há problema. Agora falta ela decidir.
BERNARDINO – Eu, da minha parte, já amanhã vocês podem começar a tratar das papeladas. (Para a Maria) E tu Maria, também queres, não é verdade? (Maria tapa a mão na cara e meneia positivamente a cabeça. Bernardino volta para Denxo) A noiva já é tua, cavalheiro.
DENXO (levanta e vai abraçar Nhaxunda) – Obrigado mamãe. (Vai também abraçar Bernardino) obrigado papai. (Abraça a Maria) quero-te muito, minha noiva.
LXXX CENA
Denxo Barba fica quase morado com eles. E sai todos os dias com a Maria para irem destratar os papéis. Nhaxunda fica desconfiada. Deitada a trás do Bernardino, vão conversando.
NHAXUNDA – Bernardino, essa saída todos os dias, da Maria com o seu noivo, não me está a agradar muito.
BERNARDINO – Eles estão a tratar da papelada, Xunda. E não te esqueças que eles têm reuniões na Capela.
NHAXUNDA – Nunca mais acabam de tratar a papelada? E as reuniões deles só se fazem de noite?
BERNARDINO – Já te esqueceste de que casamento tem muito bram-bram? De que exige muita preparação?
NHAXUNDA – Casamento exige muita preparação, sim senhor. Mas, acima de tudo, exige muito juízo na cabeça.
BERNARDINO – Se há coisa que não falta à nossa Maria é juízo na cabeça dela.
NHAXUNDA – Mas o juízo pode perder da cabeça de uma hora para outra.
BERNARDINO – Isso por acaso, é verdade. Mas noutra pessoa que não Maria.
NHAXUNDA – E digo-te uma coisa: tenho notado coisa nesse rapaz que eu não consigo entender.
BERNARDINO – Que coisa?
NHAXUNDA – Nós sabemos que quem mora com o marido é a mulher e não o noivo com a noiva, só por lhe ter pedido em casamento. Há mais de 3 meses que esse rapaz veio pedir a nossa Maria, come cá todos os dias, dorme cá às vezes… morado quase connosco. Só o banho é que nunca o notei a tomar aqui.
BERNARDINO – Deixa estar. Assim eles despacham a papelada mais depressa.
NHAXUNDA – Achas que é normal? É preciso que Deus entervenha para que não venhamos a ter surpresas.
BERNARDINO – Já estou a perceber onde tu queres chegar. Mas eu tenho confiança na minha filha. Maria é muito religiosa… ela não vai deixar o rapaz fazer-lhe nada que ela não quer.
NHAXUNDA – Falaste bem: «ela não vai deixar fazer o que ela não quer». E se ela quiser?
BERNARDINO – Já te disse que Maria é muito religiosa.
NHAXUNDA – Tu é que sabes. Não te esqueças que pólvora e fogo ka ta djase (não se coabitam, não se dão bem) e que nem Adão e Eva se resistiram.
BERNARDINO – Oh mulher, deixa-me dormir sossegado porque amanhã vou à horta cedo fazer regos.
Viram-se as costas e tapam a cabeça. Maria e Denxo param encostados à janela do quarto dos pais, ficam a conversar e a namorar.
DENXO – Maria, eu gosto muito de ti.
MARIA – Eu sei. Já me disseste isto uma data de vezes.
NHAXUNDA – Já ouviste? Estás a sentir? Eles estão a querer cair no pecado.
BERNARDINO – Calma, Xunda. A Maria não deixa.
NHAXUNDA – Espera e vais ver.
DENXO – Já é altura de me deixares mais à vontade contigo. De qualquer maneira vamo-nos casar!
MARIA – Quando nos casarmos ficaremos à vontade. Farás de mim o que quiseres. Mas antes do casamento, nem penses!
BERNARDINO – Estás a ouvir? Não te disse? Ela não deixa. Maria não é bosta.
DENXO – Dá-me um beijo… deixa-me mamar-te na língua!
MARIA – Podes me beijar e mama na língua à vontade. Isso faz parte do namoro. E o senhor padre disse que namorar não é pecado.
DENXO – Deixa-me apalpar-te os seios… quero acariciar os teus mamilos…
MARIA – Podes apalpar-me os seios e acariciar-me os mamilos. Correr a mão na mama não é nada.
DENXO – Oh, Maria! Deixa-me apertar mais um bocadinho.
MARIA – Podes apertar, mas por favor não deixes tua mão passar do meu umbigo para baixo.
BERNARDINO – Ouviste? De umbigo para baixo é proibido tocar com a mão.
NHAXUNDA – É proibido tocar com a mão, mas pode ser tocado com outra coisa que ainda é pior.
BERNARDINO – A Maria não é parva não, Xunda.
NHAXUNDA – Vai confiando. Grão a grão é que enche o papo a galinha.
DENXO – Por favor… deixa-me só tocar-te na luísa-pam… sinto o teu calor e acalmo-me.
NHAXUNDA – O quê?! Não estás a ouvir, Bernardino? Para lhe deixar tocar na luísa-pam?!
MARIA – Nem pensar. Se tens frio, vamos para dentro, vais pôr as mãos sobre a luz do candeeiro, e aqueces. Se estás nervoso, bebes uma caneca de água do moringo e refresca-te.
BERNARDINO – Percebeste? Ela com as respostas todas estudadas e na ponta da língua.
DENXO – Por amor de Deus, Maria. Deixa-me pôr em cima da Luísa-pam… só em cima da Luísa-pam… deixa-me por favoooor.
MARIA – Só em cima de luísa-pam!
BERNARDINO – Ela não o deixa ir mais longe. Tenho confiança. Por cima de luísa-pam é normal. Não tem perigo.
MARIA – Denxo Barba, estou a sentir-te a mexer-me pelo lado de luísa-pam.
BERNARDINO – Estás a ver? Ela já percebeu, todinha, a intenção dele. Ele não vai conseguir.
DENXO – Ui, Maria; deixa-me pôr só a cabeça.
MARIA – Nem tentes! Enquanto não nos casarmos?!
BERNARDINO – Veja como é que a minha filha está a poetisar!… Sem casamento, não há acasalamento.
NHAXUNDA – Levas tudo na brincadeira. Quando o pior acontecer, tu verás.
DENXO – Ui… ui… Ah, Maria, por favor. Doe-me os tomates, o pepino, sinto a bexiga pesada e toda a minha zona púbica está inchada. Por amor de Deus deixa só a cabecinha. (Maria fica quieta) Ui, ai, isso, que bom. Ui… ui… ui… isso… isso… assim mesmo.
NHAXUNDA – Bernardino, Bernardino, (Bernardino fica descontrolado) estás a ouvir? A Maria já calou. Denxo pediu-lhe para pôr só a cabeça… ela já calou.
BERNARDINO (limpa a garganta e bate na janela) – Lembra-te, minha filha, que ele tem cabeça mas que não tem ombro.
Os meninos assustam-se e separam um do outro.
LXXXI CENA
Duco está encostado e com um pé pousado a uma parede, numa rua pública a pedir esmola. Tem uma caneca e uma bengala de cegos na mão. Traz uns óculos escuros nos olhos e ouve a música “BOA”, de Legémia e Tony Fica, através de uns auscultadores. O Brasileiro, cheio de ciúme, passa por ele acompanhado da namorada, confunde-se que ele está a olhar para a namorada dele.
BRASILEIRO (para Duco com ironia) – Tá vendo o quê, palhaço? Se ela é bonita? (Duco meneia a cabeça enquanto ouve a música, e repete a palavra “BOA” que acaba de ouvir. O Brasileiro volta para Brasileira, irritado) Tás ouvindo, amô? Ele dizendo que tu é boa?
BRASILEIRA – Não ligue, amô!
BRASILEIRO – Porque é que não vou ligando, mulhê? Isso é atrevimento da parte dele. (Volta a olhar para Duco que, mais uma vez diz: “BOA”) Ele tá fazendo isso de abuso, minha mulhê.
BRASILEIRA – Vamos embora, amô. Não ligue.
BRASILEIRO – Se tu é boa, não é da conta dele. Tu é só minha.
BRASILEIRA – Claro, meu amô. Então eu não sei?
BRASILEIRO (Volta a olhar para Duco que continua a dizer “BOA”, longe de imaginar que o Brasileiro não estava a gostar) – Isso não pode ficá assim. Vou já mostrá-lhe que sou homem que ainda se escreve com “H” maiúscula.
O Brasileiro agride Duco com um valente murro na cara. No chão, Duco leva uns quantos pontapés. Chega Rabolina, juntam-se algumas pessoas e acusam o Brasileiro.
RABOLINA – Ah, meu Deus! O que foi que ele te fez? Ele não mexe com alguém!
BRASILEIRO – Mexe, mexe, sim senhora. Ele oiou pra minha mulhê, e com cara de pouca vergonha disse que ela é “boa”.
RABOLINA – Mas ele é cego, rapaz. Como é que pode ver a tua mulher e dizer que ela é boa?
BRASILEIRO – Não é cego não. Então ele anda a fingir… a enganá as pessoas. Perguntei-lhe por três vezes o que é que ele estava a ver na minha mulhê, ele falou que ela é “Boa”. (Volta para a Brasileira) Não foi, amô?
BRASILEIRA (para Rabolina) – Foi sim, senhora.
RABOLINA (desliga o auscultador do aparelho e a música “BOA” fica a tocar em voz alta) – Estás a ver? “BOA” que ele disse era a música que ele estava a cantar enquanto ouvia pelos microfones.
O Brasileiro fica envergonhado. Vem a ambulância e leva o Duco.
XVII CENA
NARRADOR – Por causa da agressão que Duco sofreu das mãos do Brasileiro, ele ficou paraplégico e anda de carrinho de rodas. Tudo o que faz agora tem de ser com ajuda de um terceiro.
Duco aparece numa carrinha de rodas empurrada pela Rabolina.
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