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O Patusco (Daniel) Medina, Seus Fajutos Asseclas & os Descaminhos da Academia Cabo-verdiana de Letras  [Ou o Diabo Volta à Arena para Novo Round de um Combate já Antigo] ]
Cultura

O Patusco (Daniel) Medina, Seus Fajutos Asseclas & os Descaminhos da Academia Cabo-verdiana de Letras [Ou o Diabo Volta à Arena para Novo Round de um Combate já Antigo] ]

Perante a despudorada desfaçatez usurpatória desses landgrávios de baixa estirpe, cuja única lei por eles conhecida é a do alpinismo ou do trepanço, seja social, político ou cultural (se tal fosse possível, até decretariam a usucapião para permanecerem eternamente sentados nos plintos da Academia. Aliás, para os devidos efeitos, dever-se-ia considerar a ACL sem direção, uma espécie de vacatio administrativus, não podendo a atual praticar nenhum ato relevante em seu nome), há que convocar eleições no mais curto espaço de tempo, a fim de se livrar a Academia desses contumazes toscos literários e abcessos culturais. A nossa ideia primeira é infinitamente mais radical e mais salutar: a própria ACL decretar a sua autodissolução, e, no mesmo passo, constituir-se uma comissão legatária que se encarregaria de promover a criação duma nova Academia, com outros apertadíssimos critérios, baseados sobretudo na relevância da obra, e no estabelecimento de um número máximo de membros, em nenhum caso superior a vinte. Embora sendo a melhor ideia, ninguém nos acompanharia. Por isso, voltamos a propor para a Presidência da direção da ACL a confrade Dina Salústio, a nossa mais notável prosadora viva, e que é preciso ter em relevante conta quando se pensar na atribuição do Prémio Camões a um escritor cabo-verdiano.

Talento é sorte. O que importa mesmo é a coragem.

                                                                                                                      Woody Allen

 

Não começarei este texto declarando que um espetro ronda a Academia Cabo-verdiana de Letras [ACL] (mesmo se um pestilento fedor emana há muito das suas entranhas), porquanto os tempos não vão bons para marxismos, nem o acontecimento é da ordem do espetral (notavelmente escalpelizado por Jacques Derrida em «Os Espetros de Marx»), mas sim da natureza do deletério.

É na diminuta esperança de devolver alguns bons ares à instituição ACL que hoje dedico de novo (a última vez que o fizemos foi em março de 2017, era então presidente da direção a sempre impante e marinhante, benza-a deus, Vera Duarte) públicas palavras aos mandarins de turno, depois de esgotadas as vias internas, na convicção, porém, de que, hoje como então, serão raros ou nenhuns os que nos aplaudirão, mas  sempre imensos aqueles que resmonearão pelos cantos, impotentes, ou tentarão atacar covarde e anonimamente, porquanto não o poderão fazer com nome e rosto, porque sabem que o troco será devastador.

Nestes tempos de derrota do pensamento, em que ao sadio sentido agonístico do enfrentamento ético se contrapõe o trollismo cibernético e o cancelamento, de feição fascistoide, mesmo quando militante e de justas causas, a lucidez obriga-nos a esta triste constatação. Mas a determinação que não esmorece também ao aviso, pois cada um nasce para o que nasce, ou, como é o caso, escolhe para o que nasceu. Não é uma antecipada defesa, apenas a clara consciência da selvajaria (ainda que pusilânime) dos tempos, mesmo se, como intuiu Walter Benjamin, em todos os tempos o homem e as sociedades sempre acharam que viviam tempos crepusculares.

Não sou desses que «simulam um malditismo embevecido consigo próprio», remetendo-se quase à clandestinidade social (coisa outra é a clandestinidade criadora), mas embora não nos deixando seduzir pelos sempre vácuos olimpos mediáticos, saímos, contudo, do nosso refúgio criador quando algumas formas particulares de organização do nosso comum viver exigem o nosso mais veemente e aguerrido enfrentamento. Não é precisa a luz do futuro para desmascarar esses toscos propositores de amenidades bolorentas e vácuas banalidades como padrão, com aquele sorriso sonso de musas há muito decaídas; basta não se estar enredado nessas formas esterilizadas de cultura, que já nem conseguem carregar um genuíno impulso de morte.

Eu não quis nem quero esta responsabilidade para mim. Mas lá onde quase todos se calam é necessário que, pelo menos, um levante a voz. No presente caso, não um, mas dois se têm levantado. Daí ser de elementar justiça salientar os persistentes, e bastas vezes coincidentes, emails enviados pelo confrade José Luís Hopffer Almada (JLHA), poeta e ensaísta de mérito, aos órgãos sociais da ACL contendo inúmeras propostas de reforma da nossa Academia, uns altaneiramente ignorados, outros conveniente e manhosamente reciclados e reaproveitados, sem que se diga de quem partiram as iniciativas ou as propostas. É uma gula destemperada pelo poder, uma sem-vergonhice rasteira, a que nada neste mundo porá fim, numa confirmação do que escreveu Nietzsche:  «chegará o tempo do mais desprezível ser humano, que já não é capaz de desprezar a si mesmo; (…) a sua estirpe é inarredável como a pulga terrestre».

Tal estado de coisas é também culpa de quem, em devido tempo, tendo o poder de adiar as eleições para que se encontrasse uma alternativa mais sólida, mais credível e higiénica, não o fez, permitindo, com a sua incompreensível e desastrosa teimosia, que uma trupe de trôpegos e toscos se acastelasse nos pináculos da ACL, embora seja de salientar que há também gente meritória a integrar os seus órgãos. A um desses voltaremos mais adiante.

A última manigância do presidente da direção da ACL, e do júri por ele autocraticamente escolhido, teve como objeto o Prémio Claridade, patrocinado pelo BAICV, assunto que também abordaremos mais adiante, e é apenas mais uma das amontoadas e fedidas façanhas praticadas pelos trôpegos mandarins dessa triste Academia.

Não é inevitável o assalto aos lugares mais simbólicos do nosso viver coletivo por esses padrecas profanos, realizando como que um sabat tenebroso e malsão, desígnio de certas castas hoje dominantes, na desastrosa proporção em que aqueles que devem resistir, acusar e apontar o dedo, se demitem das prerrogativas que a condição de criadores lhes exige.

A nova literatura cabo-verdiana (velhíssima nos seus esquemas de neorrealice comicieira e/ou militante, hoje fastidiosa e entorpecentemente enquistada nos enclaves identitários e de género) é de baixíssimo nível; está infestada de medíocres oportunistas, que nem que cristo descesse à terra haveria salvação para ela. Na falta de talento, aos seus cultivadores sobra-lhes a manha, o conluio e a reles barganha, numa tremenda ausência de compromisso ético e estético, no que chamaríamos de triunfo do modelo Vera Duarte: viciados nas enxúndias e migalhas do poder, do prandial ao simbólico, intelectualmente limitados por pouco e mal terem lido e cultivado, são heróis dos palanques e das redes, ufanos dos likes que vão caçando com as suas inanidades confrangedoras, em língua portuguesa, ou simplesmente caricatos, em língua cabo-verdiana.

É certo que há uns xerifinhos que se querem parecer sumas autoridades, mas quando tentam disparar vemos que, afinal, a arma era uma pífia pistola de borra bolorenta. Também é seguro que há umas ajudantas, mas essas, a mor das vezes, lacraias que são, escondem-se debaixo das pedras e dos destroços fingindo oportunas demissões ou outras suas reconhecíveis e inqualificáveis artimanhas, só saindo das suas tocas fedorentas para «o sol que se dá a todos, e não é nenhuma puta» (VV), ao anúncio de algum ranço literário, como essas tristíssimas patuscadas macaronésias, ou ainda a quaisquer outras pútridas ou sensaboronas festanças.

Não sou bacharel, mestre, doutor ou pós-doutor — são títulos que nunca me interessaram (quando nas regadas e noturnas cavalgadas etílicas calha alguém me tratar por dr., digo brejeiramente, mas sem disfarçar a mordacidade, que, a tais horas, sou apenas enfermeiro), como nunca me interessou qualquer tipo de inteligência incapaz de arte, ou as cabeças mecânicas como lhes chamou Kant. Interessou-me sempre a vida que há nos livros, e por isso de cada um retirei potentes pedras para construir a minha pobre morada, onde, porém, habita o que de mais alto e mais puro de mim posso dar ao mundo — a poesia, mesmo se em tempos de indigências, do ético ao estético, em que abundante apenas as formas vis de desertar a terra e conceber de pior modo a irredenta humanidade, mas apenas esta temos, e nenhuma outra. Por ela, poesia, e para ela só eu vivo, mesmo quando os lacraus e lacraias deste mundo nos obrigam a estas pugnas menores.

Por isso, e porque debaixo dos céus um tempo há para todo o propósito e toda a obra, hoje é tempo de colher o que se plantou. E como há muito aguardávamos, vigiando das nossas ameias o inimigo invasor, hoje é também tempo de matar, pois, como pregou o nazareno, não vim trazer a paz, mas sim a espada.

É pena que o lustroso Medina, reputadíssimo investigador (como afiançam as redes), com obra bastamente citada por todo esse imenso mundo de deus, não tenha interiorizado este simples preceito da «Arte da guerra», do mestre Sun Tzu: «não confies que o inimigo não venha». E o Medina confiou que o seu reinado de sombras e táticos silêncios não teriam consequência, perante a quietude também, se não cúmplice, pelo menos totalmente incompreensível de quase todos na ACL.

Inimigo, sim, sou eu, declaradamente, não da pessoa do Medina, que não nos interessa para absolutissimamente nada, mas da sua presença, da sua autossuficiência vácua e nefasta para a ACL, e inimigo ainda do que ele (e gente como ele) encarna e representa, e, sobretudo, por se ter assenhoreado duma casa que deveria ser apenas minha e de todos os verdadeiros escritores do meu país, por má decisão, repito, de quem em devido tempo podendo ter travado o assalto não o fez, e da manha de alguns medíocres, mas sempre gulosos escribas que da sombra iam recitando o guião, fazendo coro, ou dando corda ao boneco triunfante.

Digo assalto, porquanto, embora tenha acedido ao poder em eleições legítimas, ainda que com toda a espécie de escandalosas más decisões, quando não mesmo tropelias pelo meio (como o não deferimento das repetidas solicitações de adiamento da assembleia eleitoral) a ilegitimidade é substancial e insanável, revela-se ab initio, posto que nada de razoável neste mundo de deus e do diabo tornaria o Medina elegível para uma Academia de Letras digna desse nome. Os maus versos, de um livreco de um irredimível e desastrado epigonismo, rapados do fundo do tacho do Corsino Fortes (que teve powa enquanto certos modos poéticos já declinantes noutras geografias culturais lhe deu tração, mas, conceda-se, foi um inteligente e competente importador), e uma compilação de crónicas placebas publicadas em jornais, não são obra que permita a qualquer um aceder a uma Academia, que, diga-se em abono da verdade já nasceu fadada para o desastre.

Senão vejamos: como é que um país como Cabo Verde possui 40 escritores com envergadura suficiente para serem membros duma Academia de Letras digna desse nome? Apenas para ficarmos com um termo de comparação, o Brasil com os seus mais de 200 milhões de almas tem uma Academia de Letras que alberga os exatos 40 membros que tem a ACL. Edificante! É claro que este não é caso único: hoje basta abrir um jornal para se deparar com uma miríade desses novos e velhos tartufos se refocilando nas suas palhaçadas bizarras produzidas nas novas usinas da indigência e do analfabetismo, analfabetismo esse também duma crítica que, quando milagrosamente dá sinal de si, não consegue estabelecer a fronteira entre high e low brow. Talvez ainda um dia desses, para completar o quadro caricatural, inventemos se não um roliço cardeal, pelo menos um anafado cura Tolentino verdiano, ao nível da nossa pobre republiqueta das letras.

Diga-se, aliás, que um dos maiores constrangimentos do sistema literário cabo-verdiano é a inexistência duma crítica culta e informada que fizesse um trabalho pedagógico, mas por via duma impiedosa atitude de demolição. Houvesse isso, e não teríamos esses noturnos bolçadores de arrotos e peidos, em forma de verso ou prosa, a virem na manhã após o cometimento reclamarem o seu trono (de escórias) e a sua coroa (de latão). Mas eu não desisto, não posso desistir de esperar por quem venha trilhar os caminhos de Arménio Vieira, João Vário ou José Luiz Tavares, porquanto lavar a alma é o dever essencial da esperança. Ainda que, por ora, dos nossos cumes exilares divisamos apenas os traseiros nus desses reizinhos que pensam porque pularam aos pináculos da academia passam de meros recoletores de escórias ou de simples varredores na hierarquia das letárgicas letras pátrias.

A nível cultural, a nossa lustrosa personagem vem deixando atrás de si um deletério e ftártico rasto de cadáveres e escombros. A atestá-lo: os restos mortais da falecida Associação dos Escritores Cabo-verdianos, para além do simulacro da pré-candidatura à presidência da República, para a qual sequer teria condições jurídicas para efetivar, lugar esse que a sua comparsa de lides anda por aí, qual latoeira duma feira vazia e crepuscular, a apregoar que vai também disputar (outro indecoroso simulacro, em estafantes, mas vazias sessões de um ilusionismo oco, próprias para endrominar as pobres almas de tolos e crentes) no intuito de caçar mais umas migalhas mediáticas, ou simplesmente simbólicas. (Ao cadáver da também defunta Universidade Intercontinental de Cabo Verde não referiremos aqui, por não dispormos de suficientes dados tanatológicos).

Nós bem sabemos de quem o Medina era marioneta quando ascendeu à presidência da direção da ACL. Mas isso foi num tempo em que nas duas casas saía-se por uma porta e nem era preciso entrar-se pela janela— entrava-se na porta ao lado. Felizmente as comadres se zangaram, por a marioneta ter escapado ao domínio do titereiro. Não fora esse conúbio malsão, o Medina nunca se teria alcandorado aos pináculos da ACL, porquanto estava-se a trabalhar numa candidatura encabeçada pelo David Hopffer Almada, mas em face dessoutra candidatura engendrada interesseiramente por quem antes lhe declarara apoio, preferiu não avançar para o pleito, com a justificação de que, sendo a ACL uma instituição ainda não consolidada, tal disputa poderia provocar fissuras irreparáveis. Pelos vistos, de nada serviu tal gesto de desprendimento, e a ACL afundou-se na inação e no desprestígio completos, aparecendo o Medina e a sua comparsa de quando em quando para colher os dividendos simbólicos (ainda que no meio de resolutas ruínas) de estarem à frente dos seus destinos.

O nível de podridão e improbidade, falta de consistência cultural e a indisfarçável rasteirice literária são de tal monta que, acreditamos, possa haver um pequeno assomo de dignidade humana e o Medina e os demais integrantes dos outros órgãos, cujo mandato há muito expirou, se declarem impedidos de praticar quaisquer atos relevantes em nome da ACL, e, concomitantemente, os associados constituam uma provisória comissão gestora, que deverá ter também poderes de comissão eleitoral, e convidar-se a confrade Dina Salústio a encabeçar uma lista única para dirigir os destinos da ACL (para os próximos dois anos, se antes não houver uma revisão dos estatutos, há muito exigida e por alguns proposta, que, entre outros aspetos, reveja a duração dos mandatos).

Por isso, estimada Dina Salústio, pedimos-te: não aceites esses convites manhentos para participares em eventos na condição de poeta (mesmo se em tempos recuados cometeste uns versos, mas quem não os cometeu nesta vida?), como esse deslustrado evento macaronésio; recusa esses afagos ao ego, pois vales bem mais, muitíssimo mais do que isso, e tal te dizemos nós que conhecemos a tua grandeza como prosadora.

[Quanto a esse evento macaronésio de poesia, devo dizer que participei no primeiro, em Ponta Delgada, nos Açores, em 2017, mas ao segundo convite, para Porto Santo, na Madeira, fugi a sete pés. Ainda bem, posto que essa minha recusa permitiu-lhes encontrar outros e outras mais cómodos e bajuladores, ainda que, ou por isso mesmo, definitivamente medíocres. Mas foi bom encontrar na minha cidade da Praia, enquanto uma assustada amanuense do MCIC vigiava à distância este anticristo estraga-festa, o querido amigo canarino Aquiles Garcia, e o grande poeta espanhol António Massieu, que, vendo a monumentalidade de «Como um Segredo na Boca do Universo», se perguntou como se produzia um livro daquele quilate em tal torrão].

Em tempo: vendo os nomes de poetas de Cabo Verde no feminino que participaram em tal encontro, torna-se para nós uma espécie de enigma sociológico o facto de não aparecerem em Cabo Verde poetas relevantes em tal género (nem também no masculino, conceda-se) como têm aparecido em Portugal nos últimos anos, e, em certa medida, também no Brasil. Será devido ao que mais atrás chamámos de «triunfo do modelo Vera Duarte», em que a uma obra reconhecidamente inane e medíocre [1] corresponde uma inusual visibilidade, pelo domínio instrumental dos corredores e alavancas do poder (resquícios ainda do aggiornamento por um sistema de pensamento único nunca desmantelado em décadas de alternância política. Senão veja-se o entendimento instrumental entre a ora visada e outro canhestro manhento, o tiktokeiro ministro da cultura, Abraão Vicente, alvo nosso doutras lides), e das veredas da promoção social e mediática, alicerçado na geral ignorância literária de quase todo o jornalismo nacional, excetuando-se os excecionalíssimos casos de José Vicente Lopes e António Monteiro, no conhecimento da natureza da literatura, e, numa vertente mais de divulgação, dois ou três outros, porquanto não pode existir uma literatura nacional digna desse nome sem uma crítica esclarecida e esclarecedora enquanto sistema. (Da academia, em sentido lato, como lugar da crítica sistémica e da produção conceptual, nem vale a pena falarmos, pois são os seus lustrosos «dotores e dotoras» os primeiros a publicar, patrocinar ou publicitar a indisfarçável montanha de merda que enxameia as nossas minguadas livrarias).

Perante a despudorada desfaçatez usurpatória desses landgrávios de baixa estirpe, cuja única lei por eles conhecida é a do alpinismo ou do trepanço, seja social, político ou cultural (se tal fosse possível, até decretariam a usucapião para permanecerem eternamente sentados nos plintos da Academia. Aliás, para os devidos efeitos, dever-se-ia considerar a ACL sem direção, uma espécie de «vacatio administrativus», não podendo a atual praticar nenhum ato relevante em seu nome), há que convocar eleições no mais curto espaço de tempo, a fim de se livrar a Academia desses contumazes toscos literários e abcessos culturais.

 A nossa ideia primeira é infinitamente mais radical e mais salutar: a própria ACL decretar a sua autodissolução, e, no mesmo passo, constituir-se uma comissão legatária que se encarregaria de promover a criação duma nova Academia, com outros apertadíssimos critérios, baseados sobretudo na relevância da obra, e no estabelecimento de um número máximo de membros, em nenhum caso superior a vinte. Embora sendo a melhor ideia, ninguém nos acompanharia. Por isso, voltamos a propor para a Presidência da direção da ACL a confrade Dina Salústio, a nossa mais notável prosadora viva, e que é preciso ter em relevante conta quando se pensar na atribuição do Prémio Camões a um escritor cabo-verdiano.

Sei que imensos se perguntam porque permaneço então como membro de tal infrequentável agremiação. Embora não nos presumimos um Hércules das letras, se lá não estivéssemos quem mais para fazer este trabalho de desinfestação dessa autêntica cavalariça de Augias? O erro, o grande erro deles foi confiar que somos todos Neleu(s).

[Continua amanhã]

NOTA

[1] Confiram-se o risivelmente e desenxabido «José Mãos Limpas», o manhoso, mas assustadoramente medíocre e panfletário, «Súplicas e Prantos», e o tosco e bastamente bolorento «Urdindo Palavras no Silêncio dos Dias» (este com um prefácio do agora negregado, pelas hostes feministas – de que a poetastra irredenta estrategicamente se diz parte –, Boaventura Sousa Santos, sendo todos esses monos produtos duma vocação falhada, ainda que sempre alevantada e astutamente comicieira.

 

Sintra, 15 de dezembro de 2023.

José Luiz Tavares

 

TRÊS NOTAS MUI POUCO NATALÍCIAS PARA DESAGRADAR A CEGOS  SURDOS E COXOS ISTO É A TODAS AS INUMERÁVEIS CARRAÇAS PARTIDÁRIAS CABO-VERDIANAS

 

1.

Teria sido duma monumental coragem política indultar o «prisioneiro» Amadeu Oliveira (sim, sabemos que não cumpria os requisitos formais), um indivíduo perseguido pela lei, espoliado dos seus direitos de cidadão, o que nos torna axiologicamente indignos (entre outras indignidades recentes praticadas pelo estado cabo-verdiano) de reclamarmos o epíteto de estado direito. Não, somos um estado «torto».

Dizia eu, houvesse tal coragem, depois de o PR ter incitado o povo soberano a discutir o acórdão do mui douto e venerandíssimo tribunal constitucional, para no fim declarar-se olimpicamente de mãos atadas.

É certo que pela gravíssima ilegalidade cometida pela AN, e que todos os juristas não aferrados à mama reconhecem (nós, sumamente ignorantes que somos dessas transcendentais matérias jurídicas, nada diremos, pois, como nos disse um desses rasteirinhos ruminadores de sebentas coimbrãs, seria uma pretensão caricata), o PR teria todas as razões para a dissolver. Sucede, porém, que esta deve ser a única constituição  no mundo em que o carrasco necessita da anuência da vítima para lhe cortar o pescoço. Mas, em contrapartida, tem o poderoso artigo 19, que uma nação e um povo vilipendiados deveriam ler todos os dias. E daí, quem sabe…

2.

O PR atolou-se completamente nesse caso do vencimento da (não) Primeira Dama. É totalmente incompreensível, inaceitável e indesculpável. Com que moral o PAICV pode atacar os incontáveis regabofes deste governo do MPD, se mostra santa e natalícia compreensão por esse indefensável privilégio da (não) Primeira-Dama?

3.

Pior só a deriva direitista (aliás, é um rumo bem traçado e coerente no alinhamento) do estado de Cabo Verde no âmbito das relações internacionais. Agora fez-se luz sobre aquela parte desse documento redefinidor do posicionamento de Cabo Verde no âmbito das relações externas e que começava por dizer que Cabo Verde se definia ou regia por valores judaico-cristãos. Judaicos, sim, quando se põe do lado de um bárbaro, inumano e continuado morticínio, mas mui pouco ou nada cristãos na assunção do único absoluto, o inegociável valor da vida humana.

 Talvez agora tenha ficado claro aquela publicação do ainda primeiro-ministro de Israel, quando em tempos escreveu que Cabo Verde nunca mais iria votar nas Nações Unidas a favor dos palestinianos. Nojo. Esperamos vir a saber um dia quais foram as contrapartidas da venda da dignidade do nosso país, porquanto em relação a Marrocos, soubemos agora, que as migalhas foram a sustentação das nossas representações diplomáticas em Rabat e Dakhla. Vergonha.

 

José Luiz Tavares Nasceu no dia de Camões, em 1967, em Txonbon (cercanias do antigo Campo de Concentração), concelho do Tarrafal, ilha de Santiago, Cabo Verde. Estudou literatura e filosofia em Portugal, onde vive em exílio voluntário, dedicado à sua obra.

Publicou vinte e um livros desde a sua estreia em 2003, com «Paraíso Apagado por um Trovão», que vêm pondo a nu a mediocridade do panorama poético cabo-verdiano, apesar dos seus inchados pergaminhos, via certo Caliban e outras mirabílicas misérias. Em 2023 reuniu a sua poesia inacabada no volume «Como um Segredo na Boca do Universo – Obra completa – Mente Inacabada», um tijolo apropriado para entupir a boca dos seus inumeráveis inimigos.

É o escritor mais premiado de sempre de Cabo Verde, tendo recebido, no seu país e no estrangeiro, entre outros, os seguintes prémios: Prémio Cesário Verde/CMO, Prémio Mário António de Poesia/Fundação Calouste Gulbenkian, Prémio Jorge Barbosa/Associação de Escritores Cabo-verdianos, Prémio Pedro Cardoso/Ministério da Cultura de Cabo Verde, Prémio de Poesia Cidade de Ourense, Prémio BCA/Academia Cabo-verdiana de Letras, Prémio Vasco Graça Moura/INCM, Por três vezes consecutivas recebeu o Prémio Literatura para Todos, do Ministério da Educação do Brasil, Prémio Ulysses/ The Poets and Dragons Society, e a Bolsa Fundação Eça de Queirós. Foi finalista duas vezes do prémio iberoamericano Correntes d’escritas, Finalista do Pen Club Português, semifinalista do Prémio Portugal Telecom de literatura e Oceanos de Língua Portuguesa. Os seus livros integram o Plano Nacional de Leitura de Cabo Verde e de Portugal. Está traduzido para inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, mandarim, neerlandês, russo, finlandês, catalão, galês e letão. Traduziu Camões e Pessoa para a língua cabo-verdiana. Não aceitou, até agora, nenhuma comenda ou medalha.

Possui meia-dúzia de fervorosos amigos. Deu coices e espera receber. Será um dia de alegria. A ferros, fez uma filha que por si própria se fez gente. É consumidor de cerveja, de preferência stout, em doses homéricas. Entrevê o seu lustroso futuro exatamente neste ramo, com previsão de risonha prosperidade. Não é elo de nenhuma rede, social ou outra. Por isso vive clandestino na ditadura do mundo.

Quezilento ontológico, tem-se dedicado, no seu país, ao assalto e derrube de fortalezas, mistificações e subjugações culturais. O neocolonialismo e o supremacismo linguístico são um dos seus alvos. As ratazanas literárias, outro. As flatulências políticas, outro mais.

É negro, mestiço arraçado de anjo, dizem uns. É o próprio diabo, asseveram outros. Gostaria de ter asas, mas bastam-lhe as duas mãos, a boca e o cérebro. O seu último fôlego não há de ser um verso, mas um mui mal cheiroso e sonoroso peido.

Que conste que quis por epitáfio: «voltarei para vos foder a todos, cabrões».

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