JOSÉ E AMBRÓSIO E OS OUTROS  -VERSÃO COMPLETA-* poema de Nzé de Sant´y Ago
Cultura

JOSÉ E AMBRÓSIO E OS OUTROS -VERSÃO COMPLETA-* poema de Nzé de Sant´y Ago

Às memórias do poeta José Lopes da Silva

e do mestre-marceneiro Ambrósio Lopes, líder da revolta 

contra a fome de 1934 na cidade do Mindelo da ilha 
de S. Vicente de Cabo Verde
Em homenagem ao poeta Gabriel Mariano, também ensaísta e 
contista de mérito, meu patrono na Academia Cabo-Verdiana de
Letras, e a Manuel Duarte, emérito ensaísta e teórico pan-
africanista do nacionalismo caboverdiano
À minha antiga professora liceal Margarida Alfama Fragoso
e à poetisa amiga Carlota de Barros 
Aos amigos Jorge Tolentino, José Vicente Lopes e Mário Matos

Ei-los
José e Ambrósio
Enredados
No azul cintilante 
Dos seus olhos
Encardindo-se
Debruçados sobre 
A espessura das águas
E os seus aprisionados rumores
E os seus carcerários remorsos
E as suas acossadas reverberações 
Na torva pacatez da baía ampla e bela
Na adivinhada turbulência das suas 
Líquidas e imperturbadas profundezas
Nos antevistos e pouco recatados redemoinhos 
Nos rumorosos e pujantes turbilhões 
Nas clamorosas correntezas 
Nas altas e indomadas ondas 
Do seu carambolento Mar de Canal

Ei-los
José e Ambrósio
Raros
Nos seus cabelos loiros
Encrespando-se
Inundados dos odores 
E dos ardores todos
Do suão e da incúria
Da secura instilada
Nos castanhos vultos
Das crioulas criaturas das ilhas

Ei-los
José e Ambrósio
Entranhados
No branco retinto
Das suas estranhas epidermes
Não mais deslumbradas
Com a sua alva e indemne lisura
Não mais excitadas
Com a sua incólume pigmentação 
Todavia sempre lembradas 
Do antigo verde do longínquo 
Relevo das suas ilhas natais 
Agora desenhando-se árido
Na orografia das almas
Especadas expectantes
Com a cidade desolada
Dissoluta no langoroso e mortiço
Vagar dos olhares das suas mulheres 
Portuárias nas erráticas deambulações 
Das suas virgens loucas nos nocturnos 
Itinerários das suas moças mocratas perdidas
No Lombo e em outros insalubres lugares 
Em outros desabrigados prostíbulos em outros 
Desertados tugúrios em outros persistentes espaços 
De tocatinas em outras ruidosas locas de bebedeiras 
Em outros convincentes antros de desatinos em outros 
Consistentes locais de purgação do desânimo e em outras imaginadas rodas de ausentes marinheiros do além-mar 
Outrora assíduos e exuberantes 
Outrora pontuais e impecáveis
Nas suas pouco concisas lavagens do salitre 
Com as azáfamas da concupiscência 
E as lúbricas leveduras do incontinente 
Prazer nos intervalos do seu árduo labor no mar alto 
Dos seus duros trabalhos de atracação das suas 
Dificultosas manobras de acostagem das suas morosas 
Lides de abastecimento das suas extenuantes fainas 
De carga e descarga dos muitos barcos surtos no porto
Do seu poliglota tráfego de alienígena cortesia e de outros 
Produtos exóticos em troca da espertalhona morabeza 
Dos negociantes de bordo e dos cicerones indígenas 
E dos escassos prazeres e apetecíveis produtos 
Da terra seca por vezes benzida e abençoada 
As mais das vezes amaldiçoada pelos trópicos

Com os seus homens derreados 
Sobre os tabuleiros do uril
Confundidos com a sorte aziaga ditada 
Pelos velhos e falhos baralhos de cartas
Com as suas oficinas emudecidas
Com as suas lojas ensurdecidas
Com as suas mercearias enraivecidas
Com os seus armazéns das alfândegas 
Lotados de milho de feijão de banha de porco
De arroz e de outros víveres e de outros 
Géneros alimentícios e de outros vitais 
Meios importados de subsistência
Vindos para o açambarcamento
De todos os divisados caminhos 
Da salvação física e da redenção espiritual 
Trazidos para a impiedosa especulação 
Com a sua periclitante sobrevivência
Com as suas mãos magras 
Com os seus ombros descarnados
Com os seus torsos desvitalizados
Com os seus secos tornozelos
Com os seus tempos ociosos 
Com as suas serras enferrujadas
Com as suas bigornas com os seus maçaricos 
Com as suas lixas com os seus fios-de-prumo 
Com os seus martelos com as suas outras alfaias 
Com as suas outras ferramentas com todos 
Os seus sentidos desempregados
Defronte do seu Porto Grande
Esvaziado de velas e de barcos

Ei-los
José e Ambrósio
Postados ambos
Ante as oceânicas
Distâncias da dor

Sublimando-se
Nele José
Em grandíloquas
Asseverações de sageza
Estirada em hesperitanas recriações
Das passadas biografias atlânticas
Do arquipélago da fome
E em outras arsinárias reinvenções
Das soterradas hagiografias atlântidas
Das ilhas da morabeza
Banhadas nas odes e em outras
Palavrosas reencarnações
Das infindas façanhas dos antigos
Vates e deuses brancos greco-latinos
Também venerados nos versos
Rutilantes nas eruptivas palavras
Do trovador mulato da ilha do Fogo
Pedro Monteiro Cardoso
De seu nome de baptismo
Religioso civil e literário
Afro do seu nome de chamamento
À rebeldia cívica e política
E à irreverência poética e cultural

Amiúde desassossegando-se
Ainda nele José
Com a crassa e torpe escassez
Dos sinais e dos gestos
Dos rituais de humana dignidade

Adrede desalentando-se
Sempre nele José
Com as vicissitudes e as roupagens
Com a cabisbaixa amplitude
Dos pergaminhos da cidadania
Com a sua inerme fragrância
Com a sua intempestiva relutância
Com a sua flagrante e vil penúria
Com a sua visível e atroz ausência
Das fenecidas fisionomias
Das desfalecidas cogitações
Das moribundas congeminações
Das translúcidas criaturas das ilhas
Dos seus corpos diminutos
Todavia renitentes resilientes
Ao constante acossamento
Das flagelações das as-secas
Com os seus indescritíveis flagelos
Com as suas infinitas carências
Com as inesgotáveis privações
Dos seus corpos derruídos
Penitentes finitos extintos
Nas grandes fomes e mortandades
De vinte de trinta de quarenta

Amiúde acompanhadas
Em tempos outros compenetrados
Em tempos antecedentes
Dos tempos dele José
Em tempos também contemporâneos
Dos tempos dele José
Pelas lacrimosas abjurações
Dos poetas brancos alvos
Tais Guilherme Dantas e Januário Leite
Barricados nos indissolúveis nós 
Da sua indócil e enferma solidão
Ancorados no acutilante desamparo 
Dos botequins e das tabernas

Adrede custodiadas
Em tempos outros entristecidos
Em tempos outros contemporâneos
Dos tempos dele José
Pelos lamentos e esconjuros
Dos poetas branquíssimos
Tais Guilherme Ernesto Eugénio Tavares
Maria Luísa Senna Barcelos proclamada
Também auto-proclamando-se A Africana
Entrincheirados nos refrescantes pomares
E nas férteis hortas das redondezas
Das nossas urbes e dos ressentimentos
Dos seus apaixonados e sangrados corações

Amiúde salmodiadas
Em tempos outros auspiciosos
Em tempos posteriores
Em tempos também contemporâneos
Dos tempos dele José
Pelos ditosos suspiros românticos
Pelos dilatados e audíveis delírios
Dos escribas brancos trigueiros das ilhas
Tais João José Nunes António Arteaga Souto-Maior
Gertrudes Ferreira Lima chamada também
Autonomeando-se A Humilde Camponesa

Adrede antecipadas adrede
Replicadas adrede reconfortadas
Nos seus leitos estarrecidos
Em tempos outros virulentos
Pelas pavorosas revelações
Contra o genocídio pela fome
Das laboriosas criaturas das ilhas
Por jornalistas e historiadores
Tais Luís Loff de Vasconcelos
E Cristiano José de Senna Barcelos
De rostos eruditos lúcidos
De semblantes altos claríssimos
Queimados pelas islenhas aventuras
Da miscigenação e da sublimação
Do tráfego social e sexual
E pelo tórrido sol das ilhas
E da Costa da Guiné vizinha

Amiúde acolitadas
Em tempos outros
De mais recentes e comedidas
Amortizações e reciclagens
Do já antigo preçário da desventura
Medido em meio-milénio e mais
De frustradas expectativas
Cronometrado em mais de 
Cinquenta décadas de tempo
Escorrendo lento e vazio
Pelas rezas pelas interpelações
Pelas confissões pelos memorandos
Dos poetas prosadores e padres
Negros e mestiços das ilhas tais 
Juvenal Cabral Porfírio Pereira Tavares
E o Cônego Manuel da Costa Teixeira
Contra as monstruosas aparições
Dos mortos por inanição
E dos caídos por resignação
Nos seus tropicais pesadelos
De confidentes dos jornais 
Das revistas e dos almanaques
Nos seus sonhos engravidados
Pela solenidade das missas em latim
E pelos cantos gregorianos dos corais
Do Seminário-Liceu de São Nicolau 
Nas suas alucinações humanistas 
Agasalhadas pela gravidade do crioulo 
Refundido para o escrutínio e a exacerbação 
Da excelência dos versos de Luiz Vaz de Camões 
E o abecedário das escolas primárias
Das suas libações ressoando nas rochosas 
Fibras dos alicerces e das paredes das casas
Das igrejas e das capelas das vilas
Das suas turbações percutindo
Nas arenosas cinturas das ilhas
Das suas orações deflagrando-se
Ásperas nas labirínticas catacumbas
Das suas almas crioulas assoberbadas
De ambivalências e ambiguidades
Permanentemente assediadas por torrentes
De interrogações e incertezas crispando-se
Nas indefinidas vestes da sua outorgada
Da sua assumida da sua caucionada
Da sua orgulhosa cissiparidade pátrida

Bastas vezes sufragadas
Pelos seus antigos apóstolos pelos seus
Entusiastas discípulos e paladinos
Tais Jorge Vera-Cruz Barbosa
Manuel Lopes e António Nunes
Depois vezes demasiadas omitidas
Pelos seus antigos émulos brancos e mestiços
Depois impiedosamente demolidas
Depois implacavelmente desmanteladas
Pelos novos ensaístas afectos às labaredas
Atiçadas pelo lume pouco brando e condescendente
Da irreverência do bolchevismo literário
E do nativismo telúrico e modernista
Tais Quirino Spencer Salomão Jaime de Figueiredo
Manuel Ferreira Henrique Teixeira de Sousa
Arnaldo França Guilherme Rocheteau
Depois sistematicamente ocultadas
Pelos seus outros rivais mais novos
Tais Baltasar Lopes Osvaldo Alcântara
E Pedro Corsino de Azevedo
Entretidos com os modernos
Afazeres dos versos soltando-se livres
Brancos na sua aversão à rima e à métrica
À grandiloquente prosódia dos Antigos
Enternecidos com uma gramática literária
Pejada das inéditas semânticas das falas
Dos projectados recriadores populares
De uma língua portuguesa reinventada
Contaminada pelo idioma crioulo radicado
No chão das nossas ilhas íntimo e fiel refúgio
Das variegadas vicissitudes das nossas almas
Ferozmente entranhado na omnipresente
E multissecular miséria do povo do arquipélago
Amargurado e estrangulado pelas cíclicas
E fulminantes crises das estiagens
Amorosa e docemente lapidado em nós
No rosto dançarino das romarias
E em outras festas juninas e em outras
Celebrações dos santos populares e em outros
Festejos dos oragos das freguesias e em outras
Evocações dos santos padroeiros das paróquias

Acerbamente contestadas
Pelos poetas e prosadores militantes
Tais Aguinaldo Fonseca Ovídio Martins
Luís Romano e Onésimo Silveira
Severamente criticadas
Pelos poetas e prosadores
Da novíssima geração de outrora
Tais Mário Fonseca Timóteo Tio Tiofe
Arménio Vieira Oswaldo Osório
Kaoberdiano Dambará e outros
Congeminadores de uma nova largada
Das criaturas humanas forjadas e sedimentadas
Na longeva e dolorida História das ilhas
Precipitando-se nos seus enlutados choros
Com os escombros dos gritos negros
Cativos nas sanzalas e nas plantações
Disseminadas pelos vales e ribeiras das ilhas
Com os corpos mirrados condenados
À vergonha do indigente anonimato
Das valas comuns e das sempre diligentes
Padiolas mortuárias das câmaras municipais
Com os braços sobreviventes
Com os espíritos esperançosos
Exportados para todos os além-mares
Da Metrópole e do Ultramar portugueses

Fervorosamente combatidas
Pelos teóricos do pan-africanismo político
E do nacionalismo político-cultural caboverdiano
Tais Amílcar Cabral Manuel Duarte e Abílio Duarte
Pelas suas vozes plenas repletas de desassossego 
E de todos os sinais de endurecida 
Impaciência e de anunciada e irreversível 
Consciencialização profética para a ruptura total 
Na literatura caboverdiana na mundivisão da vida 
E da obra da morte e da ressurreição do povo
Das ilhas dos martirizados flagelados do vento leste 
Pela sua exuberância discursiva germinando 
Nas alterosas imprecações contra os usurários 
Da fome e os beneficiários da coerção à servidão 
Da coacção à sujeição aos ignóbeis e infectos
Caminhos para as roças do Sul-Abaixo 
Sugando esvaindo exaurindo carcomendo 
O seu mais íntimo reduto de liberdade
Dilacerado pela angústia da diária 
Confrontação com a opressão colonial
E com o colapso do povo das ilhas
Na insularidade e na pobreza extrema

Depois metafisicamente 
Re-inauguradas
Pelo vate negro greco-latino
João Vário de seu macro-nome
E teluricamente reinvestidos
Pelo ficcionista G. T. Didial
Pelo poeta Timóteo Tio Tiofe
E por outros epígonos e por outros
Acólitos e correligionários seus
Para os bíblicos cenários
Do pecado e da exaustão
Do merecimento do perdão
E de outras graças de Deus
Por eles cerzidas e re-imaginadas
Para os exemplos e os discursos
Dos tempos do povo de Notcha
Abertos para a sofreguidão da sede
Das penedias das ventanias das cercanias
Dos ciclotímicos umbrais dos promissores portais
Da Macaronésia nossa meso-atlântica afro-latina
Propícios à audição das profecias de Nho Naxo
E ao acometimento do sermão da montanha
E do indeclinável fervor da fé e da esperança
Nos penitentes estados de precariedade
Na endémica fragilidade das criaturas das ilhas

Depois assiduamente revisitadas
Pelo vate badio branco citadino
Pelo poeta islenho greco-latino
Arménio Vieira dito Silvenius
Crioulo saturado da enciclopédia
De si próprio da sua cidade e do mundo
Ilhéu fatigado da demanda da morte
E das muitas encenações 
Do suicídio do poeta empanturrado
Da nojenta gastronomia dos ortopoemas
Atulhados de ténues e vagas recordações 
Das velhas estórias dos fenecidos 
De excesso de calor e humidade 
Tremendamente ingurgitados 
De poeira e bruma seca
E pela sua corte existencialista 
De confrades camaradas indefectíveis
Amigos e rivais mais novos das esplanadas 
E dos cafés do platô da cidade da Praia 
Para a severina perpetuação da ausente 
Flor de finado e de nenhuma gente
No enterro do negro Toti Cadabra
Para a sagração da irreverência
E a deferência da desmistificação
Dos velhos símbolos herdados
Da descodificação dos obsoletos 
Signos legados da sua delegada 
Semântica da sua iracunda cartografia 
Indelevelmente impregnados 
Na urbana cor das palavras da erudição
E nos crioulos preconceitos dos colóquios 
E dos circunlóquios das quotidianas falas 
Depois calorosamente re-habitadas
Pelos poetas da novíssima geração de agora
Para a reverência do riso e da gargalhada
Nos versos eufóricos barrocos gongóricos 
Por vezes impressivamente musculados 
Maculados de insónia e indisfarçável
Propensão para a vigília e a vigilância 
Dos ruídos e grunhidos de quaisquer
Latidos e perorações por demais domesticados
Ou defeituosamente pouco selváticos 
Se bem que outras vezes também assaz 
Obesos bem-humorados e encaracolados 
Impreterivelmente molhados de adjectivos
Cuidadosamente colhidos dos dicionários
De há muito semeados nos cérebros 
Efervescentes em tempestades lexicais

Depois recuperadas e cultivadas
Pelas vozes unânimes dos modernos
Letrados e compositores do arquipélago
Tais os pensadores claridosos 
Jorge Barbosa António Aurélio Gonçalves 
Baltasar Lopes da Silva e os seus camaradas 
De tocatinas e tertúlias musicais 
Francisco Xavier da Cruz dito B. Lèza
E José Alves dos Reis
Para a crioula compostura da quotidiana
Eloquência do povo das ilhas e diásporas
Para a completude dos trilhos da sua emancipação
E das suas pautas de alegria e amorabilidade
Para a cantante maioridade do amor
Nos ditames da força de kretxeu
Para o lirismo da sua mesura maior
Que a própria desmesura de Deus

Depois reabilitadas
Por poetas e prosadores
Neo-claridosos e nova-largadistas
Tais Gabriel Mariano Yolanda Morazzo
Henrique Teixeira de Sousa Artur Vieira
Pedro Monteiro Duarte e Corsino Fortes
Para as perplexidades da História
E a pétrea estatuição dos seus sinais
Para a perenidade das suas paradoxais
Estações de vida e de escrita amadurecidas
No doce e paradisíaco afago das Hespérides
E de outros maravilhosos jardins submersos
Também contemporâneos da glória antiga
De Cartago da Etiópia do Antigo Egipto
E de outras velhas civilizações africanas
E de outros celebrados berços das culturas
E das civilizações mediterrânicas e ocidentais

Ei-los
José e António
Reclinados ambos
Em silenciosa oração
Os dois sobraçando
Em meditada genuflexão
As doloridas chãs o inúmero chão
Das arquipelágicas dimensões
Dos inenarráveis padecimentos 
Do martirizado povo das ilhas

Soterrando-se 
Nele Ambrósio
No gerundivo afã
Na impetuosidade
Do poeta revolucionário
E no brio reivindicativo
Do mestre marceneiro 
Na ousadia e na audácia
Do profeta proletário
Em intermináveis 
Reiterações do pranto
Ancorando-se pardas
Sob o pétreo perfil 
E a majestosa efígie
Do Monte Cara
Lentamente metamorfoseando-se
Em negras bandeiras da fome
Bruscamente alevantando-se
Em firmes estandartes
Que nele com ele
Para com ele
Loiro insciente 
Artesão da aglomeração 
Das penas e das mágoas
Branco anónimo artífice 
Da veemência das vozes
Sobre a surdez da madeira
E a mudez das basálticas
Pedras das calçadas
Se transfiguram 
Nele mulato Ambrósio
Intacto e insurrecto
E se reconfiguram
No seu corpo e na sua alma
Com ele para ele dentro dele
Pasmados e plantados 
Plasmados nele
Mulato Ambrósio
Preso e injuriado 
Julgado e sentenciado
Condenado ao exílio
Deportado para longe
E se perfilam
No seu semblante
De mulato Ambrósio
Ressuscitado e regressado 
Ressurrecto capitão 
Dos pobres ultrajados
E dos vivos humilhados
Capitão Ambrósio 
Para sempre presente
Com o povo na rua marchando
Com as bandeiras ouro-rubro-verdes
Com as bandeiras todas da liberdade…

Lisboa, 5, 6, 7, 11, 12, 13/26/28 de Janeiro/Fevereiro de 2018
*Constitui o presente poema uma versão nominativa desenvolvida do poema “José e Ambrósio” constante do livro Sombras, a ser brevemente publicado pela Editora Rosa de Porcelana

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