Levado à estampa pela Rosa de Porcelana Editora, o livro de Fátima Bettencourt (a irmã de Humberto Bettencourt Santos), relembra a figura eclética do incontornável nome da música cabo-verdiana e militante abnegado da luta de libertação nacional, à qual se entregou por inteiro, dando apaixonadamente o “corpo ao manifesto”, é apresentado esta semana na Praia e no Mindelo.
As cidades da Praia e do Mindelo acolhem nesta semana o lançamento de “Humbertona: Minha Vida, o Tempo & o Modo”, de Fátima Bettencourt. Na Praia, terá lugar na próxima terça-feira, 14, no Hotel Trópico, às 18:00, com um painel de apresentação composto por Manuel Faustino e Vera Duarte. No Mindelo, terá lugar quinta-feira, 16:00, às 18:00, com Luís Fonseca e Maria Miguel Estrela no painel de apresentação.
Trocas de cortinas, apanha de ervilhas, banda sonora em palcos nobres ou de quinta categoria, protagonista de filme, edição de livros e discos, com desenhos das respetivas capas, ativismo político em correrias pelos Países Baixos, angariando adeptos para a causa da independência de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, dinamização de grupos desportivos e associações recreativas e sociais, organização de uma república de estudantes de surpreendente longevidade. E o violão sempre presente, quer por obrigação, quer por paixão, ou apenas para matar saudades da terra. Nesta vibrante biografia de Humbertona, revela-se uma vida dedicada ao País, à arte e aos sonhos e esperanças da sua Nação. Tudo isto pela lavra de sua irmã, Fátima Bettencourt, ela própria um figura multifacetada e protagonista do seu tempo na primeira pessoa.
Por uma causa maior
Pouco mais de dois anos após a morte física de Humberto Bettencourt Santos, a Rosa de Porcelana, dos editores Filinto Elísio e Márcia Souto, lança à estampa “Humbertona: Minha Vida, o Tempo & o Modo”, uma homenagem sentida ao artista, militante e fazedor de coisas que marcaram o tempo e o modo, num desfilar de memória vivas que influenciaram a vida cabo-verdiana durante décadas e mobilizaram gerações por uma causa maior.
Em crónica escrita pelo editor e poeta Filinto Elísio – “Humbertona: a cabo-verdianidade que vem do violão”, pode ler-se, com rigorosa precisão, sobre a biografia de Humberto Bettencourt Santos:
«Humbertona, falecido em agosto de 2023 em São Vicente, foi sem dúvida uma das grandes referências da música cabo-verdiana, pontificando a sua mestria no dedilhar do violão e deixando nome da maneira muito própria de tocar e na forma como usava o bordão desse instrumento. Hoje, alguns cabo-verdianos, afoitos à música tradicional, tocam e interpretam “à moda de Humbertona”.
Nasceu Humberto Bettencourt Santos a 17 de fevereiro de 1940, em Chã de Manilin, na ilha de Santo Antão, mas aos dois anos, parte para a vizinha ilha de São Vicente, juntamente com os pais.
Na cidade do Mindelo, estudou no então Liceu Gil Eanes, onde ganhou o nome Humbertona, para destrinçá-lo de outro jovem aluno seu homónimo.
Nos anos cinquenta do século passado, aprendeu música com o mestre Malaquias Costa até se estrear para o grande público em 1957, no Éden Park, ao lado de Valdemar Lopes da Silva. Em 1964, integrou com o músico Tony Marques e outros, o conjunto Ritmos Cabo-verdianos, como solista em viola elétrica. E é com essa banda que gravou um EP de 45 rotações, em que ficou famosa a sua interpretação da morna Papá Joquim Paris, mundialmente divulgada, mais tarde, pela cantora Cesária Évora.
Parte para a Bélgica para estudar economia, onde juntar-se-ia ao PAIGC. Humbertona tem intensa atividade cultural e política, participando com outros nacionalistas no processo de consciencialização nacional e de afrontamento em prol da independência de Cabo Verde. Olhando para o que foi a sua atuação nesse domínio, podemos associá-lo aos diversos combatentes da libertação que, na clandestinidade, faziam trabalho político pelas terras europeias e ele, em torno do ambiente estudantil e musical da Universidade Católica de Lovaina, mantinha viva e intensa as suas articulações em prol de Cabo Verde.
(…)
Segundo o músico cabo-verdiano Vasco Martins, Humbertona emprestou à tradição do violão cabo-verdiano uma notável particularidade: a subtileza e a elegância. E é este modo especial que cativou o violonista brasileiro Marcelo Melo que mais tarde viria a formar o Quinteto Violado, nome referencial da Música Popular Brasileira. Com este, Humbertona gravou dois trabalhos com emblemáticas sonoridades crioulas: primeiro o disco Stora Stora e, no final dos anos 80, já com o Quinteto Violado, gravou o disco Ilhas de Cabo Verde.
A sua discografia integra sete obras de referência: Morna ca so dor, em 1979; Humbertona ma Chico Serra, em 1969; Lágrimas e dor – Mornas dedilhadas por Humbertona, em 1969; Dispidida, Lp, em 1972; Stora stora, LP, em 1972; Sodade – Rapsódias de mornas e coladeiras, em 1973 e Dispidida d’sodade (compilação), em 1992.
A carreira de Humbertona vai para além da música. Em 1975, Humberto Bettencourt foi eleito deputado nacional por São Vicente. Serviu como embaixador, chefe de missão junto das Nações Unidas e membro da delegação que negociou com o governo português os termos e acordos para a Independência Nacional de Cabo Verde.
Foi ainda gestor de empresas e presidente do Conselho de Administração da Cabo Verde Telecom durante mais de dez anos, cônsul honorário da Holanda e Bélgica, consultor e membro da comissão de honra da candidatura da morna a Património Imaterial da Humanidade.»
Sobre a autora
Fátima Bettencourt nasceu em Santo Antão, mas é em São Vicente que cresce e estuda no liceu. Em Lisboa, faz o Curso do Magistério Primário, tendo exercido a profissão de professora em algumas ilhas do país e também em Portugal, Angola e Guiné-Bissau, terminando a carreira em Cabo Verde, na Rádio Educativa. Como atividade paralela, exerceu a profissão de jornalista radiofónica e como produtora e apresentadora de programas em Cabo Verde, Angola e Guiné-Bissau.
É membro da Associação de Escritores e membro fundador da Academia Cabo-verdiana de Letras, a cuja direção pertence. Foi galardoada com o Prémio Eugénio Tavares da Crónica Jornalística pela AEC em 2006. Foi condecorada em 2005 pelo Governo de Cabo Verde com a medalha de Mérito Cultural e, em 2010, pelo Presidente da República, com a medalha do Vulcão pela atividade desenvolvida na área da cultura. Homenageada na Praia, pela OMCV e ICIEG pelo valioso contributo na luta pelo empoderamento da Mulher em Cabo Verde, em 2011. Homenageada em Mindelo pela Academia Cabo-verdiana de Letras e o CCM, pelo excelente contributo na área da Cultura, em abril de 2021. Homenageada no Primeiro EILLAP – Encontro Internacional Lusófono de Literatura, Arquitetura e Património, e, em Mindelo, pelo Governo de Cabo Verde e pela Câmara Municipal, com uma silhueta num jardim público da cidade, em julho de 2024.
É autora dos livros: Semear em Pó, contos (1994); A Cruz do Rufino, infantojuvenil (1996); Um Certo Olhar, crónicas (2001); Antologia de ficção dos Pós-claridosos (participação – 2002); Mar – Caminho Adubado de Esperança, contos (2006); Lugar de Suor, Pão e Alegria, crónicas (2008); Elas Contam, antologia (participação – 2008); Claridade – A Palavra dos outros, compilação de estudos, críticas e comentários sobre o Movimento Claridoso e seus protagonistas (Recolha e Organização – 2010); Prosas Soltas, compilação de textos (2016); Sonhos & Desvarios, contos (2019); O Sapatinho Mágico, conto infantil (2019) e Humbertona: Minha Vida, o tempo & o modo, biografia (2025).
Foto: Humbertona e a irmã, Fernanda (espólio da família)
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