
Comentando o comunicado do Governo sobre a suposta ausência de cobertura da Televisão de Cabo Verde durante uma visita do primeiro-ministro a Santiago Norte, o presidente da AJOC considera tratar-se de mais um ato de intromissão: “Quem deveria dar explicações é a diretora da TCV, que está ilegalmente suspensa. O Governo que vá pedir explicações ao Conselho de Administração, que é o único responsável por esta situação de vacatura”. Geremias Furtado fala, ainda, sobre as “lamentáveis declarações” do diretor da RCV, a “passividade” do Conselho Independente da RTC e sugere a demissão da administração.
Em entrevista ao Santiago Magazine, o presidente da Associação de Jornalistas de Cabo Verde (AJOC), para além de se ter insurgido contra as “pressões ilegítimas” de que vem sendo alvo a jornalista Margarida Moreira (ver notícia publicada ontem) pronunciou-se sobre o recente comunicado do Governo a propósito da cobertura de uma deslocação do primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, a Santiago Norte, considerando tratar-se de “mais um exemplo de intromissão” na televisão pública.
“O recente comunicado do Governo sobre a TCV, na sequência da suposta ausência de cobertura à visita do Primeiro-Ministro é mais um exemplo de intromissão”, disse Geremias Furtado, acrescentando: “O trabalho foi feito e foi emitido, é uma pressão ilegítima sobre o ritmo de produção de informação. Houve um certo atraso, sim, mas temos que ver as condições de trabalho da RTC em Santiago Norte e todos sabemos que há falta de meios materiais e humanos”, salienta o sindicalista.
O presidente da AJOC considera que tais meios “deveriam ser garantidos pelo Governo”, e justifica o atraso na emissão da reportagem: “No mesmo dia, estiveram em Santiago Norte os grupos parlamentares do MpD e do PAICV, e também o Presidente da República”.
Por outro lado, Geremias Furtado considera que “fica estranho pedir explicações à uma chefe de Informação em situação de interinidade [Margarida Moreira], já que “quem deveria dar explicações é a diretora da TCV, que está ilegalmente suspensa”, salienta o sindicalista, aconselhando o Governo a “pedir explicações ao Conselho de Administração, que é o único responsável por esta situação” de vacatura do cargo de direção na Televisão de Cabo Verde.
“Lamentáveis” declarações do diretor da Rádio de Cabo Verde
Reportando-se a recentes declarações do diretor da Rádio de Cabo Verde (RCV), Marcos Fonseca, que se demarcou da posição assumida pelos conselhos de redação da RCV e da TCV em solidariedade com a jornalista Dina Ferreira, o presidente da AJOC considerou-as lamentáveis.
Para Geremias Furtado, “é profundamente lamentável que o diretor da RCV, Marcos Fonseca, tenha vindo publicamente demarcar-se de um gesto legítimo de solidariedade dos conselhos de redação da TCV e da RCV para com a jornalista Dina Ferreira”, acrescentando que “talvez fosse útil recordar ao senhor Fonseca que o Conselho de Redação não é um órgão do diretor” e que, para tal, “basta ler o Estatuto Editorial, a Lei da Comunicação Social e a Lei da Rádio”.
Ainda segundo o presidente da AJOC, “o legislador quis garantir a participação dos jornalistas na definição e execução da linha editorial e não criar um apêndice submisso à direção”. Por outro lado, “em várias jurisdições, os conselhos de redação reúnem-se sem a presença do diretor, e há precedentes recentes também na RCV”, salienta o sindicalista, dando um exemplo: “recordo que, em janeiro deste ano, o Conselho de Redação da RCV reuniu-se online – e sem o diretor – para se pronunciar sobre a queixa do MpD contra a estação e contra o jornalista Carlos Santos”.
Recordando, ainda, que a própria ARC considerou a atuação do Conselho de Administração da RTC “ilegal”, Geremias Furtado considera “estranho o súbito interesse do diretor da RCV pelo regulamento do Conselho de Redação”, já que “durante quase um ano de mandato não convocou uma única reunião, nem sequer para apresentar os alegados projetos que tem para a rádio pública”.
Segundo o presidente da AJOC, motivos não faltariam para Marcos Fonseca convocar o CR e dá exemplos.
“A Rádio de Cabo Verde transmitiu recentemente seis spots promocionais do Governo, com cerca de dois minutos cada, sob o título ‘Governo em Ação’. Tratou-se de uma interferência grosseira da administração e do poder político na esfera editorial da RCV”, diz Geremias Furtado, sublinhando que “nessa altura, o diretor remeteu-se ao silêncio e não consultou o CR, como exige a Lei da Comunicação Social”.
O presidente da AJOC interroga ainda: “Onde esteve o diretor da RCV perante os despedimentos sumários das jornalistas Aníria Teixeira [afastada das suas funções de correspondente em Lisboa] e Lorenie Spencer [que prestava serviço em São Nicolau]?”
Geremias Furtado recorda ao diretor da RCV que “o direito de participação dos jornalistas está previsto na Constituição, na Lei da Comunicação Social e no Estatuto dos Jornalistas” e que “os conselhos de “redação são mecanismos de autorregulação e órgãos democráticos das redações”, com “vida própria” e eleitos pelos jornalistas, representando a “voz profissional e deontológica” do coletivo.
“Passar a mensagem de que agiram à margem da lei, é revelar desconhecimento da cultura de autorregulação e um distanciamento preocupante entre o diretor e a sua própria redação”, diz ainda o presidente da AJOC, para quem “é igualmente lamentável que, num momento em que os poderes editoriais dos diretores da RCV e da TCV foram praticamente usurpados pelo Conselho de Administração da RTC, o diretor da rádio escolha posicionar-se ao lado da entidade patronal”, em vez de procurar o respaldo dos jornalistas.
“Assim, torna-se difícil defender a liberdade de imprensa e resistir às tentativas crescentes de condicionamento editorial”, sublinha Geremias Furtado
Um Conselho Independente “inativo” e “passivo”
O presidente da AJOC “lamenta profundamente a passividade do Conselho Independente (CI)” e diz que não fiscaliza nada, nem exerce minimamente as suas competências.
“Segundo denúncias públicas do representante dos trabalhadores da RTC, o CI não se reúne há mais de um ano e nunca fiscalizou qualquer ato de gestão do atual Conselho de Administração”, diz o sindicalista, considerando que “se o CI tivesse exercido minimamente as suas competências, a suspensão ilegal da diretora da TCV nunca teria ocorrido”.
Perante a “gravidade dos factos”, Geremias Furtado espera que “o Conselho Independente proponha ao Estado, enquanto acionista, a destituição do atual Conselho de Administração da RTC”, recordando que “as deliberações da ARC já confirmaram tentativas de interferência editorial na TCV” e de “condicionamento” da liberdade de imprensa.
[Na foto, Geremias Furtado ladeado por Júlio Rodrigues, do Conselho de Redação da TCV, e por Carlos Santos, do Conselho de Redação da RCV]
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