
Diga-se de passagem que os nossos agentes políticos são o reflexo da nossa forma de estar enquanto povo. A qualidade da liderança política está intrinsecamente atrelada à qualidade da cidadania que a sustenta. Já dizia Alexis de Tocqueville, “cada povo tem o governo que é capaz de sustentar”, lembrando que a maturidade democrática não é só institucional, mas sobretudo cultural.
Aproximando-se a passos largos das eleições legislativas, o país assiste a uma sucessão de movimentações e tomadas de posição que, em certa medida, surpreendem quem não está nos bastidores. Naturalmente, é chegado o momento de marcar território político, de afirmar lealdades e de garantir um lugar na próxima estrutura governativa. Não obstante o grande descontentamento popular em relação a este modus operandi, o fato é que, goste-se ou não, assim funciona o jogo político pelo que há que aceitá-lo. Não é tempo de neutralidades nem de análises frias; pelo contrário, a polarização irá intensificar-se.
É interessante perceber que tais movimentações não se limitam somente entre partidos, senão também no seu interior. Ora, no decorrer do calendário eleitoral, começam a surgir vozes dissonantes e figuras que procuram demarcar-se das decisões ou das práticas da sua própria estrutura partidária. Esta tendência não é nova na política cabo-verdiana: em vésperas de eleições, é comum observar dirigentes e militantes que, prevendo mudanças no equilíbrio de forças, ensaiam reposicionamentos públicos ou silenciosos, com o intuito de assegurar sobrevivência política no cenário pós-eleitoral. Movimentos contrários, ou seja, aproximações á corporação também são perceptíveis. Exatamente o que Giovanni Sartori defendia: em contextos competitivos, a política “move-se ao ritmo dos incentivos oferecidos pelo próprio sistema”, produzindo reposicionamentos estratégicos frequentes.
Neste preciso momento, não há espaço para consensos até porque do ponto de vista do marketing político não seria a melhor jogada. O ambiente político está, como era suposto estar, de confrontos e afirmações. À situação, cabe elencar os ganhos obtidos ao longo da governação, reforçar o compromisso com o eleitorado e convencer de que o caminho seguido continua a ser o mais seguro. À oposição, por sua vez, resta o papel legítimo, e igualmente necessário, de apontar falhas, expor contradições e posicionar-se como alternativa credível para os próximos anos. Desta forma, se estabelece o equilíbrio natural da democracia cabo-verdiana: um confronto de narrativas entre a continuidade e a mudança na qual o eleitor é, em última instância, o árbitro supremo. É nítido que após 10 anos de governação, a sensação de desgaste é inevitável ao passo que a ânsia por mudanças é cada vez maior, algo que por sinal Robert Dahl já caracterizava como inerente às democracias, onde a alternância e o desgaste são parte do seu próprio “ciclo vital”.
Contudo, esta dinâmica, pese embora previsível e característico de qualquer competição democrática, apresenta sinais de desgaste junto ao eleitorado, uma das razões de termos tido altas taxas de abstenção nas últimas eleições. Para os que não estão diretamente envolvidos no jogo político, a perceção é de que o cenário repete-se de forma cansativa. No entanto, mais do que rejeitar o jogo político, é fundamental que o eleitor o compreenda, perceba suas regras, estratégias e limites no sentido de posicionar-se de acordo com as suas expectativas.
É preciso entender que há pessoas que não estão necessariamente frustradas pela situação objetiva do país, mas pela sua posição pessoal na atual conjuntura; do mesmo modo, há quem, embora puramente partidário, se expresse demarcando-se de partidos políticos tentando alcançar maior aceitação pública. Este comportamento encaixa-se na lógica descrita por Pierre Bourdieu, segundo a qual os agentes políticos procuram constantemente melhorar o seu “capital simbólico” perante o público. Igualmente, devemos ter em conta que qualquer raciocínio lógico ou não por mais descabido que possa aparentar ser, encontrará adeptos, não pela sua essência mas pela sua procedência.
Diga-se de passagem que os nossos agentes políticos são o reflexo da nossa forma de estar enquanto povo. A qualidade da liderança política está intrinsecamente atrelada à qualidade da cidadania que a sustenta. Já dizia Alexis de Tocqueville, “cada povo tem o governo que é capaz de sustentar”, lembrando que a maturidade democrática não é só institucional, mas sobretudo cultural.
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