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Povo, Governo e Disfunções no Estado de Cabo Verde
Colunista

Povo, Governo e Disfunções no Estado de Cabo Verde

O número cada dia mais expressivo de pessoas na situação de pobreza e pobreza extrema, não há de ser alguma disfunção na gestão da vida dos cabo-verdianos? Pelo silêncio dos senhores que deviam governar o país, entende-se que ainda não se aperceberam que isto aqui pode ser uma flagrante disfunção na gestão do país e da vida coletiva, a reclamar por correções urgentes… Aqui fica o alerta e o apelo. Ulisses e Olavo, por favor, vejam isto!

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O Governo aprova o aumento de salários do Governador e dos Administradores do Banco de Cabo Verde na ordem dos 20%. Ao serem questionados pela comunicação social, pelos partidos da oposição e pelo povo, o chefe do Governo, Ulisses e Correia e Silva, e o seu vice-chefe, Olavo Correia, entraram os caboverdianos pela casa dentro com a desculpa de que não se trata de um aumento, mas sim da correção de uma disfunção interna no concernente às remunerações da cúpula administrativa em relação às demais direções e assesssorias. Mas que disfunções são essas? Basicamente, as palavras do ministro das Finanças dizem que os assessores e diretores do BCV estão a receber mais do que o Governador e os Administradores, provocando disfunções internas, que o governo vai reparar com a subida das remunerações para os titulares dos cargos da cúpula deste organismo regulador do sistema financeiro cabo-verdiano. Segundo este guardião do tesouro do Estado, o ministro das Finanças, um subordinado não pode ter uma remuneração superior ao seu chefe. Tudo muito bem falado, como, de resto, já nos habituou. Normalmente, Olavo Correia, que manipula as palavras com competência e muita arte, veio remarcar o que Ulisses havia dito a este respeito, de modo que não se entende como é que ele não se apercebeu que faltava esclarecer aos cabo-verdianos quem foi que criou essas tais disfunções internas de que fala. Não há de ser os diretores e assessores... Certamente que não. Então quem será? Os caboverdianos querem saber…Porque esta omissão poderá criar disfunções na mente colectiva, com impactos imprevisíveis na sanidade do país, para além do facto de que apurar responsabilidades é preciso!

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Os dados oficiais dizem que até 2015, Cabo Verde contava com  cerca de 176 mil pobres, o que correspondia a 35 % da população então residente no país. Essas pessoas viviam em agregados familiares com consumo médio anual por pessoa abaixo do limiar da pobreza, fixado, no meio urbano, no valor de 95.461$00 (7.955$00/mês e 265$00/dia) e, no meio rural, no valor de 81.710$00 (6.809$00/mês e 226$00/dia). Estima-se que, desse número, mais de  54.000, quase 11% da população, viviam em extrema pobreza, ou seja, viviam em agregados familiares com rendimentos que permitiam consumos per capita anuais abaixo de 49.699$00 (4.142$00/mês e 138$00/dia), no meio urbano, ou menos de 49.205$00 (4.100$000/mês e 136$00/dia), no meio rural. Em 2020, o INE, estimava um total de 556.857 pessoas residentes em Cabo Verde, das quais 176.524 viviam na pobreza e 72.949 na extrema pobreza. Uma pessoa está na pobreza quando os seus recursos são insuficientes para cobrir, sem sacrifício, as necessidades básicas alimentares e não alimentares, ou seja, quando o total da sua despesa média anual é inferior a um montante mínimo determinado, o chamado limiar da pobreza. Por seu turno, uma pessoa está em situação de extrema pobreza quando é forçada a sacrificar parte das suas necessidades alimentares para cobrir as necessidades não alimentares. Estamos praticamente no último trimestre de 2023, querendo isto dizer que esses números estão totalmente desfazados da realidade, ou seja, os dados atuais são de certeza bem mais dramáticos. O número cada dia mais expressivo de pessoas na situação de pobreza e pobreza extrema, não há de ser alguma disfunção na gestão da vida dos cabo-verdianos? Pelo silêncio dos senhores que deviam governar o país, entende-se que ainda não se aperceberam que isto aqui pode ser uma flagrante disfunção ns gestão do país e da vida coletiva, a reclamar por correções urgentes… Aqui fica o alerta e o apelo. Ulisses e Olavo, por favor, vejam isto!

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O líder da Bancada do MpD na Assembleia Nacional declarou na comunicação social que os salários da classe política devem ser aumentados, por serem muito baixos. Paulo Veiga deixou uma espécie de lamento, quando disse que antes de assumir funções políticas trabalhava no setor privado e ganhava cerca de 5 ou 6 vezes mais do que ganha agora como líder da banca parlamentar da maioria. Sabe-se que o exercício de cargo político é uma ação voluntária, ou seja, um fulano ou fulana decide livremente assumir essas responsabilidades. Sendo a entrada na política um ato voluntário, não há de ser que o Político Paulo Veiga esteja a passar por alguma disfunção interna… Sabe-se ainda que o salário de um deputado, somados todos os proventos acessórios, corresponde a cerca de 20 salários minimos praticados no país. Ora, essa diferença, diga-se, abismal, entre os proventos desses dois cabo-verdianos, ambos dignatários dos mesmos direitos, não cria disfunções na gestão da vida individual e coletiva, que reclamam por correções urgentes? Ulisses e Olavo, por acaso, não têm nada a dizer?...

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Cabo Verde é um país desigual e injusto. Há muita pobreza e exclusão. O Estado de Direito e Democrático funciona com muita deficiência. A ditadura da maioria está minar as principais estruturas da administração do Estado. A prestação de contas e o interesse público não passam de miragens e palavras de ocasião. O país, vítima de disfunções internas profundas, reclama por medidas de correções urgentes e permanentes. Não há voltas a dar, isto aqui está ficando insustentável… É ou não é assim, senhores Ulisses e Olavo?...

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SOBRE O AUTOR

Domingos Cardoso

Editor, jornalista, cronista, colunista de Santiago Magazine