Estranhamente, a instabilidade política - ao contrário do que seria compreensível e até democraticamente aceitável - não está a ser promovida pelas oposições ou pelos sindicatos, antes pelo Governo que, a pouco menos de um ano das eleições, está a indignar o país e a demonstrar que está esgotado! O executivo ventoinha está a revelar-se naquilo que realmente é: incapaz de governar o país! Daí a tragicomédia da TACV, o caos em matéria de transportes e a mais absoluta incompetência no fornecimento de energia eléctrica. Ulisses prometeu ser diferente e fazer diferente e, quase uma década depois, dá para perceber que a diferença é apenas retórica e que a fazer é pior que os seus antecessores.
A TACV vai ter ao seu serviço dois ATR. A primeira aeronave chegou na passada semana e, ao que dizem, a segunda chega nesta. Oportunamente, os ATR passarão a ser operados pela empresa pública - entretanto criada para o efeito - Linhas Aéreas de Cabo Verde (LACV) – embora a aeronave tenha plasmado o inquietante logótipo “CV Sky” -, que ficará responsável pelas ligações inter-ilhas.
Ao fim deste tempo todo, o Governo fez aquilo que pareceria óbvio desde o início (e a que a dupla Ulisses/Olavo sempre se opôs): o Estado assumir a responsabilidade pela garantia de um direito constitucional, em vez de entregar o transporte inter-ilhas à ganância e descaso de grupos empresariais estrangeiros. Embora, pelo histórico de decisões erradas, não seja de colocar definitivamente de parte a possibilidade de, mais adiante, o executivo voltar a retomar a sua natureza central “entreguista”, colocando a empresa nas mãos de privados.
Factor de instabilidade
Ainda em matéria de transportes aéreos, a semana passada foi pródiga em incredulidades públicas, com o ministro do Turismo e Transportes a anunciar a substituição da administração da TACV, o Governo a desmentir o ministro e, logo a seguir, a dar o dito por não dito.
Já nem vale a pena falar no pujante anúncio do primeiro-ministro que, no passado ano, garantia a pés juntos, que os voos para os EUA iriam ser retomados em dezembro… mas parece que a última versão se tornou mais comedida (e também mais equívoca): agora, é para breve.
A ideia que fica é a de que este governo parece não ter uma linha de rumo, uma estratégia programática, andando ao sabor da corrente - seguindo uma ziguezagueante agenda eleitoral, onde vale prometer tudo -, sem coordenação política, sendo ele próprio (e não as oposições) um factor de instabilidade para o país, ressaltando as contradições e lutas internas no seu próprio seio.
O caos das ligações marítimas
Ainda sem ter esclarecido a opinião pública sobre a alteração unilateral da minuta contratual com a CV Interilhas (CVI) – aliás, que parece ser uma especialidade do vice-primeiro-ministro (recordam-se das modificações finais por ele efectuadas no Orçamento do Estado de 2024, alterando as verbas de Deslocações e Estadias de 1.100 para 1.300 milhões de escudos; e de Estudos e Consultorias de 6 milhões para 9 milhões de escudos?) -, com a inclusão de cláusulas lesivas do interesse público, o caos nas ligações marítimas inter-ilhas prossegue para desespero de utentes e da economia das ilhas.
Pesem as promessas de aquisição de novas embarcações (num horizonte não identificável), mas sem que se assuma a única medida que seria justificável e patriótica: a rescisão unilateral do contrato Lesa-Pátria com a CV Interilhas, garantindo o interesse público com o Estado a assumir responsabilidades, o desnorte nas ligações marítimas é para continuar, talvez com novas promessas de resolução dos problemas, mas concretizáveis apenas em 2026 (percebe-se a armadilha) …
A culpa é dos sabotadores
A recente telenovela dos reiterados cortes de energia (em particular na cidade da Praia), com alegadas avarias em simultâneo, são outro factor de estabilidade, com a Electra e o Governo a darem justificações que, ao contrário de serenarem os ânimos, fazem crescer o sentimento de desconfiança entre os consumidores.
Aliás, a este propósito, tenta-se limpar a imagem muito beliscada do executivo Ulisses/Olavo fazendo passar a ideia de que estaríamos perante uma orquestrada acção de sabotagem (tendo por epicentro funcionários da própria empresa) teleguiada pelas forças diabólicas da oposição e, eventualmente, do globalismo, do populismo e do tenebroso comunismo internacional, que pretendem regressar aos pretéritos tempos do partido único.
O debate político cada vez descamba mais ao nível das latrinas, partindo da anfibológica base do “nós ou eles”, procurando passar a ideia de que a mais pequena crítica ao Governo só pode partir de pessoas que não gostam de Cabo Verde e/ou são desprovidas do mínimo sentimento nacionalista, num florescente movimento de teorias da conspiração.
“Somos diferentes, fazemos diferente”
Estranhamente, a instabilidade política - ao contrário do que seria compreensível e até democraticamente aceitável - não está a ser promovida pelas oposições ou pelos sindicatos, antes pelo governo que, a pouco menos de um ano das eleições, está a indignar o país e a demonstrar que está esgotado! O executivo ventoinha está a revelar-se naquilo que realmente é: incapaz de governar o país! Daí a tragicomédia da TACV, o caos em matéria de transportes e a mais absoluta incompetência no fornecimento de energia eléctrica. Ulisses prometeu ser diferente e fazer diferente e, quase uma década depois, dá para perceber que a diferença é apenas retórica e que a fazer é pior que os seus antecessores.
O Governo e o partido que o sustenta continuam a seguir à rica o Manual Como Perder Eleições. E, na hora do balanço, penso que os cabo-verdianos se interrogarão sobre o que mudou no país, desde 2016 até aos nossos dias, e de que modo o “somos diferentes, fazemos diferente” impactou na vida das pessoas.
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A equipa do Santiago Magazine