Justiça cabo-verdiana promovendo a desigualdade e o pânico!
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Justiça cabo-verdiana promovendo a desigualdade e o pânico!

...quando processos bem cabeludos nunca chegam ao julgamento, ou são cirurgicamente esquecidos nas sombrias secretarias judiciais das comarcas aguardando a prescrição, estamos forçados a admitir que a justiça cabo-verdiana não é realizada em nome do povo. É, sim, de forma recorrente e quase sistematizada, feita em nome de circunstâncias e interesses privados. Enfim, uma justiça injusta, que promove a DESIGUALDADE e o PÂNICO.

Em 2014, no bairro de Cidadela, Praia, uma pessoa foi assassinada por "agentes" da PJ, com cerca de 27 tiros disparados com armas de fogo de alto calibre. Um "documento" do Ministério Público relata a ocorrência onde facilmente se deduz que o Estado (seus agentes) cometeu homicídio.

Em 2021, sete anos depois, esse "documento" do MP chega na redação de um jornal, o Santiago Magazine, e este imediatamente publica a notícia, descrevendo os meandros do homicídio para os seus leitores.

Naturalmente que o jornal só fez o seu trabalho que é a prestação do serviço público de comunicação social, tributário da defesa do interesse público e do estado de direito.

Como muitos processos judiciais em Cabo Verde, esse homicídio também estava a seguir para o esquecimento, caminho inverso do esclarecimento, tendo o Estado se demitido vergonhosa e irresponsavelmente de exercer a sua função, que neste caso concreto seria investigar e prestar todos os esclarecimentos que se impõem, ao país. Sobretudo, quando em 2016, isto é dois anos depois, um dos implicados no homicídio - as funções que então desempenhava enquanto Diretor Nacional Adjunto da PJ colocaram-no naturalmente na arena da ocorrência-, é cooptado para o posto de Ministro.

Dizia, o Estado devia promover investigações para a realização da justiça, mas não, fez o caminho inverso - escondeu o processo - ao ponto de o próprio PGR ter assumido, em comunicado, a inexistência de qualquer ação de investigação deste mediático caso no referente ao envolvimento do governante, desmentindo o jornal, ao mesmo tempo que intentava um processo crime contra o mesmo, por alegado crime de violação do segredo de justiça.

Surreal, poderá com razão o leitor pensar. Detentor de ação penal e guardião da legalidade, tudo indica que com tais afirmações o PGR aparece a defender o crime, pois se não abriu nenhum processo de investigação para o necessário e cabal esclarecimento do caso,  significa que não fez o seu trabalho convenientemente, e nem obedeceu os deveres do cargo, posicionando-se com esta omissão a favor do crime.

Num país normal, a notícia seguinte seria naturalmente sobre a demissão do PGR por incapacidade declarada no exercício das suas funções. Mas isso seria num país normal, não aqui, um país onde a pirâmide anda invertida há muito tempo. Aqui a mensagem não interessa, não provoca qualquer efeito no sistema, porque o foco é o mensageiro. Silenciar o mensageiro é a palavra de ordem.

Todavia, o jornal não se deixou intimidar. Continuou a trabalhar e em 2023 o governante em questão entra com um processo judicial contra o mesmo, exigindo uma compensação financeira, também conhecida por indenização, no montante de 8 mil contos, por alegados danos morais e outros estragos de conveniência.

Este processo está em julgamento neste momento, no Segundo Juizo Civel do Tribunal da Comarca da Praia,  menos de 2 anos após a sua entrada em tribunal. Um percurso meteórico, diga-se, para ao menos lembrarmos que a verdade não perdeu a fala e que o Estado de Direito ainda não morreu.

E quando processos bem cabeludos nunca chegam ao julgamento, ou são cirurgicamente esquecidos nas sombrias secretarias judiciais das comarcas aguardando a prescrição, estamos forçados a admitir que a justiça cabo-verdiana não é realizada em nome do povo. É, sim, de forma recorrente e quase sistematizada, feita em nome de circunstâncias e interesses privados. Enfim, uma justiça injusta, que promove a DESIGUALDADE e o PÂNICO.

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SOBRE O AUTOR

Domingos Cardoso

Editor, jornalista, cronista, colunista de Santiago Magazine

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