Faremos neste texto uma exposição panorâmica da trajetória nociva das asas da companhia Transportes Interilhas de Cabo Verde. Neste artigo não há, e nem pode haver, qualquer pretensão de neutralidade. Sobre a conveniência e a hipocrisia de se apresentar como neutro, há muito Dante nos ensinou, na Divina Comédia: "No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise."
E como não concorremos a nenhum cargo político burguês, não carregamos o fardo de ser um candidato a "bom rapaz". Nosso compromisso aqui, é oferecer todo conhecimento teórico, cultural e social ao nosso alcance, às mãos da classe trabalhadora cabo-verdiana.
Dito isso, voltemos ao nosso tema.
Há um pássaro com o ninho na Europa, que insiste em fazer de Cabo Verde o pouso das suas misérias. A epopeia binteriana repleta de dissabores no arquipélago, iniciou-se no ano de 2014, e até o presente momento, ela aterrissou mais problemas do que pretendia fazer voar.
Esta empresa construída nos moldes dos mandamentos neoliberais, do qual grande parte dos nobres deputados têm uma consideração cega, possui um único acionista.
A saber, a empresa: Apoyo Y Logistica Industrial Canária, Sociedade Limitada. Mas a companhia é "100% cabo-verdiana", fazem questão de nos dizer, os amanuenses do Capital.
O ano de 2017 foi emblemático para a Binter Cabo Verde. Neste ano, a TACV seguindo os ditames burgueses do processo da privatização, saiu do mercado doméstico e passou o cetro dos voos inter-ilhas para a Binter Cabo Verde, que passou a reinar sob os céus cabo-verdianos.
Vejamos qual foi o resultado desta aventura.
Maio de 2018, um cidadão da República é baleado e esfaqueado na Boa Vista, em decorrência deste evento, a evacuação se torna necessária, já que a centralização nunca ofereceu recursos suficientes para a emancipação das ilhas periféricas.
Pede-se auxílio à Binter. Em face desta situação delicada, a Binter nega auxílio ao paciente cabo-verdiano ferido.
Junho de 2018, visitemos uma vez mais a ilha da Boa Vista. Esta ilha conheceu uma cidadã, uma proletária guerreira de 30 anos, que trazia dentro de si, o tesouro de uma outra vida humana. O nome dela é Eloisa Teixeira. A gravidez é ectópica, o estado complica-se, evacuar é preciso. E mais uma vez, a prestativa Binter, não prestou auxílio. A jovem que desejava gerar a vida, teve a sua própria vida extinguida, no dia 23 de junho de 2018.
Em agosto de 2019, época que a Cabo Verde Airlines entra novamente no mercado doméstico, a Binter Cabo Verde troca de nome para Transporte Interilhas de Cabo Verde. É a vergonha constrangida, simulando redenção.
Novembro de 2019, voltemos para uma outra ilha periférica. Os operadores turísticos da ilha do Maio se mostram abertamente descontentes com o novo plano de voo da mesmíssima companhia. Deixaremos de recado, apenas as palavras de um operador: “Desde que estamos a operar na ilha este é o pior ano por esta altura comparando com os anos anteriores(...)".
Janeiro de 2020, Sua Excelência, ex Ministro dos Transportes e do Turismo, José Gonçalves, admitiu num tom sereno que até a presente data, o governo não detinha sequer 30% desta companhia aérea. No entanto, o ex Ministro acredita que a empresa será "cada vez mais cabo-verdiana".
Será preciso lembrar aos governantes que para governar, não basta crer, e sim fazer?
O senhor José Gonçalves deixou o ministério dois dias depois de proferir estas palavras. Sendo empossado como novo Ministro dos Transportes, Sua Excelência, Carlos Jorge Santos. O governo seguindo o instinto neoliberal, acreditou ser a Binter Cabo Verde, um Da Vinci que pintaria com linhas tênues a abóbada celeste cabo-verdiana, mas defrontou-se, com um assombroso Picasso aéreo.
Março de 2020, o governo é questionado sobre as contas da Binter Cabo Verde, à luz das suspeitas da Direção Nacional de Receitas do Estado, e da Agência de Aviação Civil. O povo crioulo almejava uma explicação. Entretanto, ouviu uma advertência desfalecida, pregada pela boca do Bispo ministerial, Sua Excelência, Carlos Jorge Santos: “Obviamente que nós não podemos diabolizar a empresa, só por ser uma empresa estrangeira. É uma empresa de direito cabo-verdiano [TICV], mas cujos acionistas são estrangeiros."
Sem desenvoltura política, o Governo em concordância com a política neoliberal, aceita os desmandos da empresa como um fato consumado. Agindo à moda de um Pilatos estatal, lava as suas mãos perante as arbitrariedades da empresa privada. A caixa preta da impotência vê-se encontrada no bojo da política burguesa. Acomodados no hangar parlamentar, se contentam a ver a despressurização da classe trabalhadora cabo-verdiana. Ícaro caiu, porque voou perto demais do Sol. Cabo Verde despencou, porque decolou junto aos anais da Binter.
O que será mais preciso para que nos indignemos? Será que o descaso, a morte e o saque nos manterá indiferentes? É esta a República que queremos? Esta mesma República legaremos aos nossos filhos? Será sempre drenado pelas mãos do Estado burguês o suor e o sangue do trabalhador cabo-verdiano para o estrangeiro, em forma de juros e lucros?
O talento raro dos políticos da ordem, para inércia diante do Capital, é de arrepiar. "Obviamente"!, que não queremos "diabolizar" esta empresa. Ela já é, um autêntico anjo caído, um Lúcifer dos ares reconhecido. O que queremos, Vossa Excelência, é exorcizá-la!
Fica portanto, manifesto: A incompetência em Cabo Verde, possui endereço, profissão, veste terno, é paga pelo Estado e tem voz no Parlamento.
Março, 2020
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