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Narcotráfico. Ministério Público acusa Inspector da PJ e o ex-PCA do extinto Novo Banco de extorquirem Ferrari e BMW ao pai de Zé ‘Esterra’
Sociedade

Narcotráfico. Ministério Público acusa Inspector da PJ e o ex-PCA do extinto Novo Banco de extorquirem Ferrari e BMW ao pai de Zé ‘Esterra’

O Ministério Público deduziu acusação contra o inspector da Polícia Judiciária, Gerson Lima, e o antigo PCA do extinto Novo Banco, Carlos Moura,  actualmente membro do Conselho Superior de Magistratura Judicial, num processo em que são acusados de envolvimento num esquema para se apossarem de um Ferrari avaliado em 20 mil contos e de um BMW topo de gama de 10 mil contos que pertenciam ao empresário ligado narcotráfico, Zé ‘Esterra’, assassinado em 2013, na Praia.

O MP acusa ainda o inspector de participação e colaboração com a rede de tráfico de Eugénio Lima, desmantelada em 2019, no âmbito da Operação Troia – em que foram apreendidos 11.878 kg de cocaína, 16 mil contos em dinheiro, armas de fogo e 15 indivíduos detidos – e de ter enganado uma mulher pedindo mais de mil contos como custas de investigação num caso de assassinato, estando por isso como arguido de quatro crimes de extorsão agravado, um de lavagem de capitais, um de corrupção passiva e um crime continuado de tráfico de estupefacientes. Carlos Moura vai responder como arguido por um crime de extorsão agravado e um crime de lavagem de capitais. Vital Moeda, autor da instrução, pede prisão preventiva para Gerson Lima e interdição de saída do país ao gestor Carlos Moura.

O inspector da Polícia Judiciária, Gerson Lima – o mesmo que em 2021 fora detido, desarmado e demitido da corporação por colaborar com a rede de venda de droga de Eugénio Lima, entretanto desmantelada no âmbito da Operação Troia, e que depois foi libertado pelo Tribunal e readmitido na PJ por ordens da ministra da Justiça Joana Rosa volta a ser acusado de participação efectiva e associação com o grupo de Eugénio Lima, liderado pelos traficantes Sete e Djé, todos já condenados.

Mas mais do que seu envolvimento com a referida rede (os 15 arguidos que aguardavam julgamento em liberdade fugiram do país), ao qual agora o Ministério Público faz juntar provas testemunhais, audições de conversas e outros documentos no Auto de Instrução 3119, o inspector da PJ aparece como actor principal de outras ilicitudes, como extorsão, corrupção e lavagem de capitais, todos envolvendo traficantes de droga. O caso que mais salta à vista tem a ver com uma suposta extorsão cometida contra o pai do falecido traficante Zé ‘Esterra’ para ficar na posse de duas viaturas de alta cilindrada, um Ferrari F430, avaliada em mais de 20 mil contos, e um BMW X6, topo de gama, que custa 10 mil contos. E é aqui que entra o ex-presidente do Conselho de Administração do extinto Novo Banco, Carlos Moura, e actual membro do Conselho Superior de Magistratura Judicial.

A estória é a seguinte: de acordo com a investigação do procurador Vital Moeda, nove meses após o assassinato de Zé ‘Esterra’, à saída do mini-mercado Zaira, em Achada Santo António, em Novembro de 2013, o seu pai, conhecido por Zezinho, teria recebido ameaças feitas “pessoalmente” por um tal de “Alberto” - um individuo descrito pelo queixoso como tendo "tez branca, falando a língua espanhola" – e depois por intermédio de chamadas telefónicas, de número desconhecido ou de número atribuído a um país estrangeiro mas que se viria a descobrir serem ligações feitas a partir da Praia.

As chamadas eram para ameaçar a vida do pai de ‘Esterra’ e obrigá-lo a entregar os bens deste, sobretudo o Ferrari e o BMW, a um suposto empresário mexicano, representado por um tal de Victor Tavares, completo desconhecido em toda a trama.

Da marca desprotiva de luxo italiana não se sabe a origem ou como foi parar às mãos do malogrado, mas o BMW fora adquirido por Zé ‘Esterra’ ao empresário José Mário Lopes, da Importex, dias antes de ser assassinado a 16 de Novembro de 2013, pela quantia de 10 mil contos, tendo ficado por pagar 1.400 contos.

O caso foi entregue pelo coordenador de Investigação Criminal da PJ, Natalino Correia, ao inspector Gerson Lima, que estava a liderar a investigação à morte de Zé ‘Esterra’, de nome próprio José Gomes Vieira Andrade. De acordo com o Auto de Instrução do procurador Vital Moeda, foi Gerson Lima quem ouviu as testemunhas, sobretudo o pai, Zezinho, para quem o filho foi morto por “motivo de dívida”.

‘Espoliar pela força’

Segundo o Ministério Público, no despacho de 24 de Outubro passado a que Santiago Magazine teve acesso, “em dia não concretamente apurado, mas no período compreendido entre 16 de novembro de 2013 (data da morte de Zé 'Esterra') e 18 de agosto de 2014, os arguidos Gerson Lima e o arguido Carlos Moura participaram de um plano para espoliar pela força o pai do malogrado Zé 'Esterra', o Zezinho, que tinha ficado com os bens do filho sob a sua responsabilidade – as duas viaturas de luxo acima referidas”.

Lima, de acordo com a acusação, teria inventado uma história de cobertura e, com ajuda de um terceiro, decide “amedrontar” o pai de Zé ‘Esterra’ para ficar com os dois automóveis de luxo, conforme se lê no despacho de acusação.

No mesmo documento, está escrito que o próprio inspector contactou várias vezes o senhor Zezinho tendo inclusive agendado um encontro com ele no Hotel América, onde Gerson Lima apresentou-lhe para assinar um documento intitulado “Declaração – Pagamento de Dívida”, no qual José Viera Andrade (Zezinho, pai de ‘Esterra') se comprometeria a “entregar, livre de quaisquer ónus ou encargos as viaturas BMW X6 e Ferrari F430 ao segundo outorgante (Victor Tavares, que representa o empresário mexicano), que assumirá e assegura, assim que vender as viaturas supra referidas, liquidar o débito deixado pelo malogrado José Gomes Vieira Andrade no banco BAI, no valor de 3.426.501$00 (três milhões quatrocentos mil escudos) e ainda liquidar o montante de 1.400.000$00 (um milhão e quatrocentos mil escudos) junto do Sr. José Mário Lopes”. A segunda cláusula refere que “uma vez liquidadas as dívidas supra o 2 º Outorgante junto da pessoa que representa compromete, comunicar de imediato ao 1ª outorgante, mediante documentos (comprovativos)”.

Esta declaração haveria de ser assinada pelo Zezinho e pelas duas mães de filha de Zé ‘Esterra', Edineia e Carolina, ambas presentes no encontro do Hotel América, e que confirmaram terem sido coagidas a aceitar tal condição para evitarem ser mortas, como sucedera com seu ex-companheiro.

Desapropriado o Zezinho e demais familiares do Zé 'Esterra' dos dois veículos em causa, o arguido Gerson Lima e o arguido Carlos Moura combinaram-se encontrar em dia não determinado para venda do BMW X6. O arguido Carlos Moura pagou parte da divida ao Zé Mário e ficou com o veiculo da marca BMW X6 e os seus documentos originais. O arguido Carlos Moura sabendo da proveniência do bem que estava a adquirir - o veiculo BMW, modelo X6, o escondeu por algum tempo (não concretamente apurado), depois circulou com ele em proveito próprio e por fim o vendeu para um emigrante, representado no negócio por um tal de Vandro”, diz a acusação.

Carlos Moura, revela a acusação, contactou pessoalmente o empresário José Mário Lopes, que estava ainda na posse dos documentos originais, para lhe propor o pagamento dos restantes 1.400 contos que ficaram por saldar por parte de ‘Esterra’ para ficar com o BMW. O dinheiro foi entregue ao José Mário no escritório de Carlos Moura no extinto Novo Banco, em Achada santo António. Mil contos cash!

Carros escondidos

As duas máquinas foram então ‘entregues’ ao suposto empresário mexicano representado por um Victor tavares, que nunca se conheceu, em Agosto de 2014. Estavam guardadas na casa do Zezinho. Gerson Lima, de acordo com o despacho de acusação, sugeriu ao Zezinho e ao condutor autorizado por este a tirar as viaturas, a deixar os carros a 50 metros da garagem com as chaves na ignição e depois saírem dali para não serem reconhecidos pelos mexicanos e assim não colocarem as suas vidas em perigo.

O Ministério Público garante que o inspector Gerson Lima, que comandou a operação, acompanhou os dois cabo-verdianos até à ponta da estrada e depois regressou ao ponto inicial, ou seja, onde os veículos foram abandonados.

As duas viaturas foram levadas para um armazém no Tarrafal, de onde Gerson Lima é natural. O Ferrari ficou na casa do pai de Tocu, condutor de Hiace, em Colhe Bicho, e o BMW na garagem da casa de Tocu, no centro da cidade. Tocu revelou que cobrou 20 contos pelo estacionamento das viaturas a um individuo de nome Nelito, que não conhece e que por isso não se chegou a identificar. O mesmo ‘Nelito’, contou Tocu às autoridades, avisou-lhe que no dia xis uma pessoa iria buscar o BMW.

Tocu disse “que entregou o veículo a um individuo de tez escura, forte, que presume que residia em São Domingos, mas depois desta data não voltou a ver esse individuo. Que nunca lhe deram qualquer chave dos veículos e no momento o senhor estava na posse das chaves do veículo. Que, não muito tempo depois de entregar o veiculo da marca BMW, a pedido do Nelito, o mesmo jovem que levou o veículo apareceu ali com as chaves para recebe o veículo da marca Ferrari de volta. Que depois dessa data, não voltou a ver esses dois indivíduos”.

Quanto ao tal Vitor Tavares, não foi visto em nenhum momento, mas, refere o MP, o seu nome foi usado pelo arguido Gerson para poder desapossar as vitimas dos dois veículos.

Carlos Moura manteve o BMW na posse durante alguns meses, mas sem circular muito. Mas no dia 20 de Maio de 2016 decidi dirigir-se à seguradora Garantia e segurar o automóvel em seu nome por um período de seis meses.

“Antes do dia 26 de julho de 2016, Joaquim Tavares Fernandes, enviou do estrangeiro, um contentor de 20P no Navio Safmarine Camero para Cabo Verde. Nesse dia, entidade por identificar levantou a mercadoria. Para retirar o contentor do Porto da Praia pagou-se a quantia de 47.086$00 e a fatura/recibo foi apreendida na posse do arguido Carlos Moura. No dia 06 de agosto de 2016, Joaquim Tavares Fernandes transferiu da cidade de NICE para o arguido Carlos Moura na cidade da Praia, a quantia de 2.700 euros, totalizando a quantia de 297.716$00, pago via transferência internacional. No dia 11 de agosto de 2016, o arguido Carlos Moura estacionou o veículo na cidade Praia, Plateau, nas proximidades da igreja, transgredindo as disposições do artigo 50, nº 1f) CE, pelo que foi aplicado uma Coima de 5.000$00, as 11:16 horas. No dia 10 de janeiro de 2017, Ivandro Gomes Martins assegurou pela primeira vez o veiculo da marca BMW, matricula ST-96-MQ em seu nome na Garantia seguros”. Ivandro representa os emigrantes Joaquim e Tony, que vivem em França.

O Ministério Público diz que Carlos Moura terá lucrado mais de três mil contos com a transação do BMW, segundo revelações do próprio Vandro, daí considerar que Moura cometeu crime de lavagem de capitais, além de extorsão agravado.

Ferrari

O Ferrari F430 seria transportado para Fazenda, residência de Neneya (Emanuel Marques dos Santos), que disse ao MP que em 2017 um indíviduo de nome Ady, que não soube precisar, o pediu para guardar-lhe uma viatura na garagem dele e que só depois ver a ‘bomba’ reconheceu que era de Zé 'Esterra'. Tempos depois, Ady liga de França a informar-lhe que o pessoal da companhia Interilhas para levar o Ferrari para para ser consertado na oficina de Day, mecânico de Djoy de Mindel Hotel.

O carro foi visto na garagem de Djoy e fotografado com um motorista desse empresário ligado ao tráfico internacional de droga no seu volante.

“Em relação ao crime de lavagem de capitais, resulta que o facto dos dois veículos juntos serem avaliados em mais de CVE 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos cabo-verdianos), sendo o BMW com o valor comprovado de 10.000.000$00 e o Ferrari que pode ter custado mais de 20.000.000$00 ao Zé 'Esterra' e o facto do veiculo da marca BMW ter sido vendido é possível que o arguido Carlos Moura por quantia superior a três milhões de escudos, esse montante terá certamente entrado no sistema financeiro com indícios claros de um possível esquema de lavagem de capitais praticado pelo arguido Carlos Moura”, considera do despacho de acusação.

O arguido Carlos Moura agiu com a clara consciência de que o veículo foi espoliado pela intimidação dos seus verdadeiros donos por direito, recebeu, utilizou deteve e conservou o veículo por algum tempo, tal como se disse e pelo que segue: O arguido Gerson Lima após ter tido o papel fundamental de desapropriar a família do Zé 'Esterra' de seus pertences, foi buscar os veículos na garagem do Zezinho para entregar a pessoas não identificadas nos autos. Munido de informações, o arguido Gerson Lima deu, diretamente ou indiretamente, informações cruciais ao arguido Carlos Moura para que ele pudesse ir tomar os documentos originais no Zé Mário da Importex. O arguido Gerson Lima prestou todo o auxilio necessário e facilitou a operação de entrega do veículo da marca BMW, modelo X6, matricula ST-96-MQ, ao arguido Carlos Moura”, diz o Ministério Público, acrescentando: “A testemunha Zezinho pai de Zé 'Esterra' disse ao arguido Gerson que os veículos tinham dividas pendentes. O arguido Gerson Lima elaborou o documento com o titulo “Declaração de dividas” e referiu as dividas pendentes de 1.400.000$00 (um milhão e quatrocentos mil escudos), referente ao veículo da marca BMW, modelo X6; O Documento “Declaração de dividas” contém a data transcrita de 21 de agosto de 2014. O arguido Carlos Moura nunca falou com o Zezinho, mas passou a saber que os veículos tinham tais dividas”.

Indemnizações

Por tudo isso, o Ministério Público entende que os arguidos Gerson Lima e Carlos Moura lesaram os familiares do Zé 'Esterra' com danos morais e prejuízos patrimoniais, pelo que lhes “deverão retribuir em compensação solitária em valor não inferior a cinco milhões de escudos”.

O inspector Gerson Lima foi detido em Julho do ano passado fora de flagrante delito, mas o Tribunal decidiu ordenar a sua soltura no âmbito de um habeas corpus que defendeu que o mesmo só poderia ser detido após Despacho de Pronúncia. “Inconformado, o Ministério Público recorreu junto ao Tribunal de Relação de Sotavento – do qual ainda aguarda decisão”.

“Pelos fundamentos juntos no Despacho que recorreu da decisão judicial em não aplicar a medida de coacção, pela motivação da detenção do arguido, por persistirem as circunstâncias - agora agravadas com a Instrução e acusação do arguido, entende o Ministério Público que ele deverá guardar os ulteriores trâmites do processo sujeito a medida de prisão preventiva – o que se requer. Caso ainda não seja entendida pelo Tribunal que o arguido deverá ficar sujeito a medida de prisão preventiva mesmo após acusado, ao menos que se determine que o mesmo seja suspenso do exercício de funções (do serviço) e de proibido de contactar as vítimas e testemunhas desses autos acumulado com a medida de sair do território nacional atento ao risco de por em causa as provas, máxime, testemunhais, por em causa a segurança das vítimas e eventuais testemunhas, e ou de se eximir da acção da Justiça tal como aconteceu com os arguidos do processo Tróia cujas actividades ilícitas também se lhe imputam de acordo com os articulados do presente libelo acusatório”, exige o MP.

No caso de Carlos Moura, membro do CSMJ e ex-gestor do Novo Banco, o Ministério Público entende que o mesmo deverá aguardar os trâmites processuais em liberdade, mas pede sua interdição de saída do País.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine