As recentes posições da deputada e secretária de mesa da assembleia Nacional, Mircéa Delgado, sobre a Justiça em Cabo Verde e seus protagonistas não deixaram ninguém indiferente. Desde juizes do STJ a magistrados do Ministério Público, activistas, actores políticos, colegas da bancada e adversários, e até o ex-primeiro-ministro e potencial candidato à Presidência da República, José Maria Neves, todos parecem ter acordado de uma certa letargia com o 'beliscão político' dado pela jovem deputada ao sistema judicial cabo-verdiano.
Ponto prévio: as críticas ao 'modus operandi' de derminados magistrados judiciais e do Ministério Público não são de agora - cidadãos comuns, a imprensa, um ou outro político, advogados, como Amadeu Oliveira, o mais mediático e incisivo de todos, e até juízes decanos como o já reformado Raul Varela, primeiro presidente do STJ -, mas nunca a reacção da sociedade cabo-verdiana foi tão solidária quanto está sendo com a deputada do MpD eleita em 2016 pelo círculo eleitoral de São Vicente.
De tão assertiva, Mircéa Delgado, 32 anos, conseguiu espevitar a consciência da sociedade para um problema que, há anos, inquieta os cabo-verdianos: a real Justiça, ou seja, ela levantou um debate sobre como se tem ou não feito justiça em Cabo Verde, questionando o porquê de haver cidadãos a chamar publicamente juizes de "gatunos, falsificadores e aldrabãozecos", sem que autoridade nehuma tenha feito algo para averiguar essas denúncias e agir contra quem diz ou contra quem faz errado na Justiça.
Várias foram as reacções despoletadas pela intervenção da deputada, primeiro na discussão parlamentar sobre o estado da Justiça, no dia 29 de Outubro, e depois, massificadas com as suas respostas aos comunicados da presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do STJ, enquanto instituição, e do sindicato de magistrados do Ministério Público, que, acabaria por entrar no barulho.
Num post de facebook, num grupo restrito, aparece escrito: "Mircea Delgado a agitar águas. É o novo furacão da política caboverdiana? Com esta forma sue generis de defender suas ideias, até onde poderá ir?".
A provocação teve reacções diversas, mas, curiosamente, sempre em consonância e na defesa dos argumentos que Mircèa Delgado reivindica. Por exemplo, o cientista político nos EUA, Abel Djassi, diz: "embora concorde com o teor da crítica, penso que a deputada, enquanto membro da instituição alma do sistema, deve ir para além da simples crítica ...e apresentar um projecto de lei com vista a solucionar o problema".
Já o conhecido activista político na Praia, José Casimiro Pina questiona: "O que terá levado a deputada a 'lembrar-se' deste problema crónico do país, no final da legislatura?". Para este internauta, "Mircea, com este dossier, demarca-se dos seus pares e, não obstante não se lhe conhecer uma única proposta legislativa, sobre o que quer que seja, aparece, agora, no fim da legislatura, como alguém que quer salvar o país. Como? Não diz. Mas também ninguém pergunta".
Na mesma página, a autora questiona a Abel Djassi e a José Casimiro Pina "se uma deputada pode ou não levantar questões, fazer interpelações para quem de respeito responder?". José Casimiro de Pina foi claro peremtório: "não pode é se limitar a levantar questões e a criticar o funcionamento de outros órgãos do sistema. Dos deputados esperamos soluções e medidas concretas".
Eduardo Ribeiro Tavares, vereador numa Câmara Municipal em Portugal, entou na conversa para opinar que "quando alguém diz a verdade, essa pessoa é um alvo a abater...a verdade é amarga e a mentira doce. Essa deputada, mostrou, que tudo o que o seu partido defende, não passa de uma farsa".
Inclusive Joaquim Almeida, músico mais conhecido por Morgadinho, que reside em França, agregou apoio à deputada, lembrando, a propósito, a coragem de Mircéa Delgado, em votar contra o Estatuto Especial da Praia, a poto de ser "ameaçada mesmo nos bastidores da Assembleia Nacional". O músico vaticina que "ela irá longe , pelo bem da democracia no nosso país".
A mesma ideia tem o activista Celestino Silva Mascarenhas, da Praia, para quem "no essencial, a deputada Mircéa Delgado limitou-se a pôr uma questão". E atira: "a justiça cabo-verdiana julga-se prima-dona. A preocupação da deputada explicitada na sua alocução também é a de muitos cabo-verdianos".
Reacções políticas
Com efeito, não foram apenas pessoas da sociedade civil que vieram dar respaldo à deputada mindelense. O (PP) Partido Popular, na pessoa de Juvenal Furtado, criticou esta semana a postura dos magistrados face a denúncias de irregularidades na justiça cabo-verdiana, apresentou um voto de louvor à deputada do MpD, Mircea Delgado que colocou o dedo na ferida.
O PP, depois de se reunir, acusou os magistrados de uma grande chantagem ao próprio Estado porque ao assumirem não participar em actos públicos pelo facto de a Assembleia não ter pronunciado em relação às declarações da deputada Mircéa Delgado”.
Também o antigo primeiro-ministro e potencial candidato ao Palácio do Plateau, José Maria Neves, viu o dossier Mircéa Delgado vs. Supremo Tribunal da Justiça, com um dos três sinais de processo político alertando "sobre stress institucional que pode trazer prejuízos à imagem de Cabo Verde".
JMN referiu-se aos questionamentos da deputada Mircéa Delgado sobre as criticas de sectores da sociedade civil colocando-os ao nível de outros dois incidentes: os impasses na eleição das Mesas das Assembleias municipais de São Vicente e Boa Vista e "a suspensão arbitrária" do mandato do deputado António Monteiro (UCID) pelo presidente da Assembleia Nacional, Jorge Santos.
Nesse interim, viria o chefe do Governo, na pessoa do próprio primeiro-ministro.
Discreta deputada
Mircéa Delgado, formada em Direiro e actaul secretária da Mesa da AN, e hoje bem mais mediática, já tinha mostrado a sua essência, como política e ser humano, quando, corajosamente atacou o Estatuto Especial da Praia, coisa que seus pares, intramuros, contestam mas não o assumem publicamente em nome do politicamente correcto e, obviamente, e do voto eleitoral.
Por causa disso, em Julho passado, a jovem e estreiante, deputada que está no centro das atenções, foi obrigada a trazer à esfera política uma agressão “ de forma vil com um conjunto de obscenidades” pelo seu colega deputado do MpD, Emanuel Barbosa, em plena casa parlamentar.
A Origem
Este caso promete navegar em águas mais agitadas e turbulentas, quando vierem à tona, por exemplo, episódios mais mediáticos no dia 6 de Janeiro, com o mega-processo do advogado Amadeu Oliveira, acusado de 14 crimes de ofensa contra a honra e bom nome de determinados juizes do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, Benfeito Mosso Ramos e Fátima Coronel.
Na origem deste processo-crime encontra-se o facto de Oliveira ter apelidado esses e outros Magistrados Judiciais de serem “Gatunos, Falsificadores de Processos, Prevaricadores e Aldrabãozecos".
Recorde-se que, em Outubro deste ano, a deputada Mircéa Delgado decidiu interpelar as “instâncias competentes" de apurarem responsabilidades, alegando que tais denúncias não poderiam ficar sem um esclarecimento.
Mircea Delgado é natural de São Vicente, filha de pais santantonenses, licenciada em Direito e Mestre em ciências jurídico-forenses. Em 2017 foi aos EUA participar num programa para jovens líderes 'Mandela Washington Fellowship'.
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