Do “Anjos da Noite” à “Casa Abrigo Municipal” na guarida aos sem-abrigo
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Do “Anjos da Noite” à “Casa Abrigo Municipal” na guarida aos sem-abrigo

Instituído em 2017, para assegurar uma refeição quente aos sem-abrigo, o projecto de cariz social “Anjos da Noite” ramificou-se em 2019 em “Casa Abrigo” e hoje acolhe, mensalmente, uma média dos 30/45 toxicodependentes sem-teto, focados na reintegração.

Desenvolvido pela Câmara Municipal da Praia, para apoiar pessoas sem-abrigo da capital, o projecto de cariz social “Anjos da Noite” tem vindo a garantir uma resposta de proximidade aos sem-abrigo, dos vários pontos da Cidade da Praia, através de distribuição de refeições quentes, suportado por um trabalho técnico de intervenção psicossocial, através de uma parceria com a Associação A Ponte e a autarquia.

Foi ainda projectado para proporcionar aos sem-abrigo na mudança de vida, auxiliá-los na recuperação de laços familiares, trabalhar na prevenção e redução de riscos com distribuição de preservativos, apoiando na toma de fármacos com prescrição médica e ainda com pequenos curativos.

Na sua primeira fase de execução, o projecto envolveu 28 sem-abrigo, dos quais 25 homens e três mulheres identificados nas localidades de Fazenda, Sucupira e Plateau, na sua maioria, doentes mentais e pessoas dependentes de substâncias psicoativas.

A refeição quente, que associada aos serviços de higiene actualmente rondam os 80.000$00 mensal, inicialmente era totalmente distribuída nestes pontos bem identificados, mas com a criação da Casa do Abrigo Municipal criou-se melhores condições para os utentes se alimentarem, ainda que alguns com transtornos mentais insistem em serem auxiliados nos seus lugares.

Praça Alexandre de Albuquerque, Pracinha da Escola Grande, Encosta dos Cruzeiros, (todos do Plateau), Porto da Praia, Várzea, Achada de Santo António, Palmarejo, Fazenda são os lugares onde os Anjos da Noite se deslocam para alimentar os sem-abrigo com transtornos, sendo certo que o bairro de Ponta d’Água, onde havia dois casos identificados, deixou de constar da lista já que já os pacientes foram inseridos na Casa do Abrigo.

A dieta alimentar, segundo revelou à Inforpress a directora dos serviços da Gestão e Reabilitação Psicossocial e Reintegração Social, Swelly Carvalho, é prescrita pelo nutricionista da Delegacia de Saúde da Praia, que assim como os Serviços de Psiquiatria da Praia e centros de saúdes, dão suporte aos projectos, em casos identificados em transtornos mentais, tanto a nível de medicação, como no controle seguimento.

Inicialmente composto por um enfermeiro, uma psicóloga e uma educadora social, o Anjos da Noite, de acordo com Carvalho, veio para ficar, e que o Centro de Acolhimento, edificado em 2019, veio dar continuidade à iniciativa e que ambas as estruturas trabalham em simultâneo.

A Casa do Abrigo proporciona um espaço adequado, onde os utentes possam pernoitar e receber serviços de higiene, alimentação, auto-ajuda, aconselhamento, já que a equipa multidisciplinar de apoio conta actualmente com voluntários de psicologia e enfermagem.

De acordo com estudos feitos, a maioria dos utentes é constituída por usuários/consumidores de drogas e álcool, o que leva o projecto a trabalhar a componente reabilitação, a par dos serviços de saúde.

Em média, os dois projectos trabalham paralelamente com 40 a 45 pessoas, sendo que regularmente 30 pessoas por mês na Casa do Abrigo.

A equipa multidisciplinar é constituída actualmente por um estudante de psicologia, um especialista formado em criminologia, enfermeiros e psicólogos da Universidade de Cabo Verde e voluntários definitivos, mas vai-se aumentando, com a implantação de um projecto coadjuvante, o Centro de Atenção Psicossocial, que vai funcionar durante o dia.

Considerando que no quadro do seu plano do combate à exclusão social, o projecto já conta com casos de sucessos dos sem-abrigo que recuperaram e voltaram aos familiares, Suely Carvalho disse que se trata de um trabalho gratificante, sobretudo quando guaridas com orientação consigam superar a dependência.

É o caso do jovem Jedilson Barreto, da Várzea da Companhia, que disse ter inspirado na história do “happer” e activista social Gá da Lomba para outrar-se e encontrar outras vias para abandonar o mundo de consumo de drogas, que o levou a um internamento de seis meses na Comunidade Terapêutica de Granja de São Filipe.

Reconhece que neste processo de recuperação teve umas recaídas, mas que hoje em dia sente-se “realizado e completamente recuperado”, depois de 10 anos de consumo de drogas, repartidos por sete de cocaína e três de craque. Hoje utiliza a Casa do Abrigo como exemplo dos que ainda vivem neste mundo da toxicodependência.

Afirmou que sempre quis dar a sua contribuição ao projecto do tipo, já que constantemente trabalha na área de toxicodependência e que hoje sente-se privilegiado na recuperação das pessoas que viviam à margem.

Opinião corroborada por Paulino Tavares, que se assume como ex-toxicodependente, afirmando estar há quatro anos longe do mundo da droga e do álcool, depois de mais de 20 anos do consumo que o levou a viver de lixo e tornar-se sem abrigo, razão pela qual se mostrou grato aos Anjos da Noite e Casa do Abrigo pelo seu “renascimento”.

Dois casos de sucesso referenciados pelo técnico António Horta, conselheiro terapêutico nos centros de reabilitação e de saúde com especialização no tratamento de dependentes químicos e que integrou o projecto como voluntário desde a sua criação.

Já o presidente da Câmara Municipal da Praia, Francisco Carvalho, saudou os colaboradores dos dois projectos na recuperação dos jovens, mediante “manifestação de amor, apoiado por fundações”, ressalvando que do orçamento da Câmara o cultivar de amor para com o próximo, os mais necessitados, torna-se extraordinário, numa sociedade “marcada por desamor”.

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