A economista Cristina Duarte defendeu esta segunda-feira, 25, que para sair desta crise provocada pela pandemia do novo coronavírus os poderes públicos e a sociedade civil africana têm que abraçar a inovação e a tecnologia para atingir o crescimento económico.
A antiga ministra das Finanças, na governação do PAICV, fez esta consideração durante uma conferência “online” sobre “A África no século XXI: A pandemia do Covid-19 e os desafios de desenvolvimento” realizada pela Fundação José Maria Neves, com vista a assinalar o Dia da África.
Durante a sua intervenção de quase uma hora, Cristina Duarte começou por abordar a cronologia da pandemia da covid-19 em África.
Conforme sublinhou, em África, o “primeiro choque” foi externo, provocado por uma economia global resultado das medidas de` lockdown´ tomadas por algum epicentro da pandemia como a China e depois a Europa, e não sanitária.
“O explodir dessa pandemia nos epicentros provocou uma desestruturação das cadeias globais de valor, cuja participação africana é fundamental para a sua sobrevivência, uma diminuição acentuada dos preços das matérias-primas, redução de fluxos turísticos e das remessas”, indicou.
Essa crise externa provocou ainda, prosseguiu, “uma significativa fuga de capitais”, em que se estima que entre Março e Abril, nos países em desenvolvimento, tenha havido uma fuga de capitais na ordem de 90 bilhões de dólares, e o aumento dos custos de financiamento”.
Já com o segundo choque, que foi sanitário, Cristina Duarte afirmou que o continente africano teve de investir, num curto espaço de tempo, no reforço do seu sistema de saúde para evitar aumento de contágios.
Ou seja, precisou, estima-se que África vai ter que investir ou já está a investir 44 bilhões de dólares no sistema nacional de saúde, um investimento que não tem feito nos últimos anos.
As consequências do choque externo e interno, para a mesma fonte, são “dramáticas” para o continente e estima-se que 150 milhões de africanos serão afectados, quer pela via do desemprego, quer pela via do rendimento disponível.
Dos 400 milhões de trabalhadores africanos, ajuntou, cerca de 350 milhões estão no sector informal.
“Nos últimos 25 anos, a África tem vindo a crescer ininterruptamente, mas conhecerá a sua primeira recessão económica em 2020/2021. O pior cenário é uma recessão económica de -2,6% do Produto Interno Bruto, empurrando para extrema pobreza entre cinco a 30 milhões de pessoas”, especificou.
Para esta economista, enfrentar esta crise com “sucesso” por parte dos países africanos implica ir à raiz dos problemas a nível global e local e identificar as oportunidades que essa crise está a colocar sob a mesa dos decisores políticos africanos.
A nível local, acentuou, África não tem dinheiro e o mais grave do que não ter dinheiro, é não ter instituições para enfrentar esta crise.
“África chega à 2020 com elevados défices fiscais, crescentes custos de endividamento, desvalorização das moedas, forte redução das receitas fiscais. A Uneca diz que para enfrentar esta situação estima uma necessidade de 200 bilhões de dólares. 100 bilhões para enfrentar a componente sanitária e 100 bilhões para aumentar as medidas de estímulo fiscal”, apontou.
Para enfrentar a actual crise disse que é necessário analisar a fundo as seguintes questões: a problemática dos fluxos ilícitos, a colocação das poupanças de longo prazo, não nos mercados financeiros africanos, mas em outros mercados, em outras latitudes.
A antiga ministra das Finanças elencou ainda cinco dimensões que têm que ser analisadas para que o continente possa a atingir o seu desenvolvimento.
Segundo a antiga governante, a África terá conhecido um crescimento económico sem transformação estrutural às políticas públicas levado a cabo nesses 25 anos e não terá colocado no epicentro o capital humano capaz de despoletar o seu desenvolvimento.
Para Cristina Duarte , as políticas públicas africanas estão concentradas a gerir a pobreza e não deixando espaço para gerir a riqueza, e aliadas ao baixo controlo dos fluxos económicos, fiscais e financeiros.
Cristina Duarte, que em 2014 foi considerada pela Revista Financial Afrik uma das 100 pessoas mais influentes em África, defendeu que os poderes públicos e a sociedade civil africana têm que “abraçar, sem complexo”, a inovação e a tecnologia, para de facto poderem “pular por cima” e retornarem um crescimento económico que leva ao desenvolvimento social.
“Se nós não aproveitamos essa actual crise para mergulhamos de cabeça e alma nessas cinco dimensões não vamos ser capazes de sair desta crise o mais depressa possível”, disse, afirmando que se “deve agarrar as oportunidades e construir um desenvolvimento sustentável e inclusivo, mas, acima de tudo, verde para as próximas gerações”.
O continente africano assinala hoje o Dia de África, marcado, este ano, pela luta contra a covid-19 numa região a braços com vários conflitos e onde a integração económica continua longe do desejado.
Em Maio de 1963, à medida que a luta pela independência do domínio colonial ganhava força, líderes de Estados africanos independentes e representantes de movimentos de libertação reuniram-se em Adis Abeba, na Etiópia, para formar uma frente unida na luta pela independência total do continente.
Da reunião saiu a carta que criaria a primeira instituição continental pós-independência de África, a Organização de Unidade Africana (OUA), antecessora da actual União Africana.
A OUA, que preconizava uma África unida, livre e responsável pelo seu próprio destino, foi estabelecida a 25 de Maio de 1963, que seria também declarado o Dia da África.
Em 2002, a OUA foi substituída pela União Africana, que reafirmou os objectivos de “uma África integrada, próspera e pacífica, impulsionada pelos seus cidadãos e representando uma força dinâmica na cena mundial”.
Com Inforpress
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