População da zona Norte da ilha da Boa Vista simulou um “Festival de Tartaruga”, no passado sábado, para atrair a atenção do Governo e reivindicar a “inclusão também desta freguesia nos planos de desenvolvimento”.
Firmino David, um dos elementos da organização que desencadeou esta iniciativa inédita, o Festival I Love tartaruga” disse à Inforpress que “esta onda de protesto nasceu como forma de chamar a atenção das autoridades, por entenderem que as três localidades que constituem a Freguesia de São João Baptista, designadamente João Galego, Fundo Figueiras e Cabeça-de-Tarafes, encontram-se votados ao abandono”.
Conforme explicou, esta iniciativa surgiu a partir de um “post” na rede social, ou seja, tiveram a ideia, como forma atrair a atenção sobretudo das autoridades, “simular” a realização de um festival de tartaruga onde, “em vez do consumo da proibida carne de tartaruga se consumiu uma boa cachupa”.
“A nossa iniciativa já teve os seus ecos, porquanto, os governantes pensavam que a gente estava mesmo a dizimar as tartarugas, e se calhar iriam dar uma flagrante, mas não é nada disso”, indicou, explicando que, pelo contrário, nesse aspecto a população está totalmente disposta a proteger as tartarugas, consciente de que se trata de uma espécie em extinção.
“A maior forma de preservação é a inclusão da sociedade. Caso contrário não haverá preservação. Não se protege a tartaruga apenas no período da desova. Há que protegê-la ao longo do ano, mas sem interesses estritamente turísticos”, sugere Firmino David, reforçando tratar-se de uma espécie em vias de extinção.
O grupo quis chamar a atenção do Governo e mostrar que a população do Norte da Boa Vista também se sente “discriminada e abandonada”. Firmino David deu exemplo a recente visita do primeiro-ministro à ilha da Boa Vista, sem deslocar-se sequer à zona Norte, “localizada a escassos 32 quilómetros da cidade de Sal-Rei, a capital da ilha”.
Vias de acesso, falta de água potável, deficiências em termos de infraestruturas sociais, como escolas e falta de segurança, são apontadas como as grandes dificuldades por que passa a zona Norte, que se queixa inclusive da “ausência da Polícia Nacional”, mesmo em caso de chamadas de emergência, argumentando a falta de meios para deslocação.
Voltando à questão do festival em apreço que se intitulou de “Festival I Love Tartaruga”, Firmino David explicou que a população colaborou na iniciativa e caprichou na confecção de uma cachupada apenas com os produtos produzidos na sua zona.
“Aproveitaram para mandar uma mensagem forte e mostrar que não estão interessados no consumo, venda ou captura da tartaruga, mas sim, ajudar na sua protecção”, frisou.
Explicou ainda que com esta mensagem quiseram também deixar bem claro, que a sua forma de protecção das tartarugas difere das políticas das ONG, porquanto “a inclusão das populações é sempre importante na protecção de qualquer espécie”.
Segundo apurou a Inforpress, na sequência desta iniciativa, o grupo se propõe a reunir-se com toda a população da zona Norte, discutir ideias e se organizar “para lutar em prol do desencravamento desta localidade”.
“Queremos ser vistos como parte integrante da sociedade cabo-verdiana no desenvolvimento do país. Temos recursos e quadros suficientes para levar avante as nossas reivindicações e planeamos mais actividades em conjunto”, enfatizou o porta-voz.
Conseguiram o que queriam? É possível. Na semana passada, ainda antes da da data programada para a realização do Festival de tartaruga, o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, a criminalização do consumo de carne e ovos de tartaruga, reforçando as medidas previstas no regime jurídico especial de protecção das tartarugas marinhas.
Parece certo que tal postura do Governo se deveu às pressões de deputados e cidadãos sobretudo nas redes sociais a condenar o consumo da carne de tartaruga e a exigir a intervenção das autoridades para impedir a realização do festival que, afinal, pretendia preservar esta espécie em vias de extinção.
Até porque, a legislação cabo-verdiana já prevê penalizações para a captura e venda de produtos derivados de tartarugas, mas com a nova legislação o consumo de carne de tartaruga passará a ser crime, que poderá ser punido com multas ou mesmo penas de prisão efectiva.
Segundo um estudo divulgado em 2016, promovido pela Turtle Foundation em colaboração com Instituto Nacional do Desenvolvimento das Pescas de Cabo Verde (INDP), a legislação de protecção das tartarugas marinhas nas praias cabo-verdianas não está a ser suficiente para travar a sua captura e consumo ilegal.
A população de tartarugas marinhas ‘Caretta caretta’ de Cabo Verde é a terceira maior do mundo, sendo apenas ultrapassada pelas populações na Florida (Estados Unidos) e em Omã (Golfo Pérsico).
As tartarugas visitam as praias para construir os ninhos e depositar os ovos, estimando-se que em Cabo Verde 85% a 90% da nidificação ocorra nas praias da Boa Vista. Cabo Verde introduziu legislação para proteger as tartarugas marinhas pela primeira vez em 1987, proibindo a sua captura em épocas de desova.
No entanto, os registos anuais continuam a “evidenciar uma forte influência negativa da acção humana nos níveis de população de tartarugas marinhas no arquipélago”.
Com Inforpress
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