Como consultor Jurídico que fui do Património do Estado asseguro que este departamento cumpriu a missão de defender a propriedade imobiliária pública com o máximo respeito pela propriedade e posse dos privados.
Isso será demonstrado em outro lugar, numa análise séria relativa às indemnizações na ilha da Boavista.
Não sou e nunca fui, durante esse tempo, advogado de ninguém em particular. Seria anti-ético, mas se o tivesse feito estaria riquíssimo hoje ou teria, pelo menos, casa própria, carro, previdência social e uma reforma.
Posto isso, passo a falar do assalto e arrancamento das 4 primeiras folhas no livro de matrizes prediais rústicas da Praia. Repito que não é “meu foco” o processo-crime: A minha análise é de ética e de cidadania e, portanto, ultrapassa os factos estritamente criminais, sujeitos, como se sabe, a prescrição (não sei nem me interessa saber se é o caso).
Primeiro, breves explicações úteis:
O documento que leva particulares e autoridades, incluindo juízes, a partir do princípio de que quem o tem a seu favor é titular do direito que nele está referido é o registo predial que, como já sabemos, envolve a descrição do prédio e a inscrição de direitos diversos sobre o prédio descrito.
Esse documento apenas leva a presumir (até prova em contrário) que o direito inscrito foi adquirido pelo titular. Mas a aquisição em si dá-se por compra, doação, herança, usucapião, etc., etc. e só depois se regista o que foi adquirido.
É certo que quem tem o direito deve matriciá-lo. Mas isso para efeitos fiscais, isto é, de pagamento de impostos.
Quem quiser vender o prédio, rústico ou urbano, tem de primeiro regularizar os impostos na matriz.
Já vimos que Fernando Sousa arrematou dois prédios – 5.779 e 5.780 – e logo tratou de aumentar a área dos mesmos pelo mecanismo fraudulento da retificação, de modo a ir cobrir mais 3 prédios e tal: o 3.561, o 3.562, o 5.210 e parte do 18.218, ficando com cerca de 80 vezes a área do “Plateau”. Asssim, precisava duma matriz abrangente de todos esses prédios. Mas, estranhamente, não a pediu na altura!
Poderia haver várias razões imagináveis: a exemplo, porque iria pagar muito mais impostos; e porque podia esperar para quando se começasse a expansão urbana da Praia regularizar tudo e avançar para a especulação urbana, evitando “dar bandeira” da fraude de imediato.
Nas primeiras vendas do prédio alargado (o 5.780), em 1994 ou 95, foram usadas várias matrizes, em alguns casos sem correspondência nenhuma ao prédio 5.780.
Não haveria grande perigo de suspeitas: eram vendas numa localidade erma e desconhecida, de que os notários e conservadores podiam nem ter ouvido falar. Ademais, o registo falsificado referia-se a uma confrontação com a orla marítima, que praticamente só podia ser essa zona. Mais ainda: sabe-se que era e é frequente não haver total conicidência entre o registo e a matriz (por razões que em outro lugar explicarei).
Também seria normal que os notários e conservadores nem se apercebessem da retificação em fraude do 5.780: a certidão do registo predial que se apresenta ao notário não traz todo o histórico do prédio, isto é, toda a descrição de como se chegou ao registo atual, mas só a situação atual. A própria conservatória dos registos só lida com o último dado, até por não ser preocupação dum conservador – que não é juiz dos seus antecessores – julgar da legalidade do processo anterior.
Mas o caso seria diferente quando se pensasse em avançar para a ousadia de tomar Palmarejo Pequeno e Terra Branca, há muito com urbanizações em curso. Aí, para notários e conservadores admitirem o registo do prédio 5.780 em nome de F. Sousa como incidindo sobre essas zonas todas, teriam que rejeitar o registo do prédio 5.210 em nome da Câmara Municipal que vinham usando.
Apesar do sucesso obtido no período experimental, seria agora necessária, no mínimo, uma matriz “tiro e queda” para o 5.780 alargado e invasor, que afastasse a hipótese de quaisquer dúvidas. Mas... muito difícil, para não dizer impossível, para um funcionário probo e cioso ds suas funções! Algo de muito extraordinário teria de ser feito, quem sabe no sentido de envolvimento das autoridades políticas.
E fiquei de queixo caído quando li na acusação do MP que, em carta de 10. 10. 97, dirigida ao Primeiro-Ministro com conhecimento ao Presidente da Câmara Municipal da Praia, o advogado de F. Sousa, Dr. José Carlos Dantas da Cunha, pedia uma reunião com o Governo dizendo o seguinte:
- Que o assunto tinha “problemas de ordem política, financeira e social que ultrapassam a Câmara Municipal” (um assunto de terrenos!!!...);
- Que ... “Esclarece-se que nos referidos prédios, desde ocupações, vendas fictícias parcelares e outras situações de juridicidade duvidosa, de tudo um pouco existe e pretende-se desde já definir legalmente os factos”.
O advogado tinha, pois, a plena noção de estar a patrocinar uma fraude! Espero que, no mínimo, tão atrevida carta tenha ficado sem resposta e tal reunião nunca se tenha realizado!
Já em 15 de março de 1986 eles tinham proposto ao Governo de Pedro Pires a venda de cerca de 2000 hectares (80 “Plateaus”) da cintura urbana da Praia, em carta que, parece, terá ficado sem resposta.
Os livros de matrizes passaram para a Câmara da Praia em 1999 (como previsto desde lei de 1992) e o livro n.º 1 foi assaltado ainda nesse ano e, arrancadas e adulteradas as 4 primeiras folhas, pariu-se a matriz 1.105. A tal!!!. Isso numa altura em que o Partido da Renovação Democrática de Jacinto Santos e Simão Monteiro estava de costas para o governo.
Jacinto Santos, edil desde 1991 a 2000, que esteve à testa do assunto, defendendo ardorosamente os interesses de Fernando Serra, como se apercebe dos termos da acusação do Ministério Público, sabia perfeitamente que Palmarejo Pequeno, 5.210, era da Câmara Municipal.
Tenho à minha frente uma certidão emitida em 31 de março de 1992, a pedido da Câmara Municipal da Praia, em que a Ajudante dos Registos Porfíria Freire certifica que o prédio denominado Palmarejo Pequeno, descrito sob o n.º 5.210, estava inscrito em nome da Câmara Municipal da Praia – assim como refere também os prédios 18.218, o 18.220 e 2.255, que estão no mapa anexo.
Tudo estava clarinho na certidão que vinha sendo usada – a do prédio 5.210 envolvendo de Palmarejo Pequeno a Terra Branca.
Veremos que em 2017 tudo foi comprado aos herdeiros de Fernando Sousa, incluindo o que já pertencia há muito à própria Câmara Municipal, livrando àqueles de dificuldades que já pairavam no ar.
Prejuízos urbanísticos incalculáveis já estavam causados, como havemos de ver, nomeada e provavelmente em termos de criminalidade urbana, com bairros degradados de construção clandestina.
Termino com uma verdade de sabor amargo quanto à minha posição sobre a propriedade de Palmarejo Pequeno e Terra Branca.
O Dr. Vieira Lopes falou-me da generosidade que teria levado à insolvência esse “mulato atrevidamente rico” que era de João de Deus.
Pergunto-me: teria ele realmente tirado de seu bolso, nos idos anos de 1925, a quantia de 2.342.500$00 (dois milhões, trezentos e quarenta e dois mil e quinhentos escudos) para obras sociais específicas na Praia, em Santa Catarina, Tarrafal, S. Vicente, em Santo Antão, em S. Nicolau e na ilha do Fogo, que estão referidas no BO n.º 45, de 7 de Novembro de 1925?
Fiquei impressionado pelo valor exorbitante para a época e pelo caráter social das obras. Pensei que sendo assim ele amava Cabo Verde e talvez merecesse o seu nome em ruas de algumas ilhas. Seria um caso a investigar.
Mas quis o destino que por dever de verdade (como a vejo) eu viesse ter esta posição. E tenho-a por duas razões:
- Porque não se vê - diferentemente do que acontece com o 3.561 e 3.562 - qualquer registo de Palmarejo Pequeno (5.210) em nome dos Tavares Homem; e
- Porque o simples facto da posse da Câmara Municipal, que durante tantos anos após a Independência valorizou com projetos e realizações o terreno, sempre justificaria em 1999 a sua propriedade sobre o mesmo.-
Mas... tudo dado de bandeja a Fernando Sousa e seu grupo nacional comandado por Naná?!... Recuso-me a dizer que ou há moral ou comemos todos!
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