As eleições directas no PAICV tiveram lugar em fins do ano de 2014 e a elas concorreram Felisberto Alves Vieira, Cristina Fontes Lima (braço direito de José Maria Neves na governação do país) e a jovem e inesperada Janira Fonseca Hopffer Almada que, tendo conhecido uma fulgurante ascensão no PAICV, chegando a membro da sua Comissão Permanente, contra todas as conjecturas e previsões, se bem que a melhor posicionada nas sondagens referentes a essa competição política interna, ganhou, e logo à primeira volta, as eleições directas no PAICV, tornando-se assim na sucessora de José Maria Neves como Presidente do PAICV e primeira candidata feminina ao cargo de Primeira-Ministra de Cabo Verde. Face a esse inesperado cenário, a candidata Cristina Fontes Lima aceita sem quaisquer reservas a sua derrota eleitoral interna, vindo até a candidatar-se pelo PAICV liderado por Janira Hopffer Almada para a autarquia praiense e a perder contra Óscar Santos, o antigo Vice-Presidente e sucessor de Ulisses Correia e Silva na governação da autarquia da cidade-capital do país. Em nítida contra-mão a esse cenário, Felisberto Alves Vieira, o principal adversário interno de Janira Hopffer Almada, parece ter entrado em irreversível estado de choque, recusando-se, por exemplo, a cumprir a directiva da Comissão Política do seu partido no sentido de chumbar o projecto de lei sobre a remuneração dos titulares dos cargos políticos, muito contestada nas ruas por ter sido considerada imoral em razão da pobreza e do desamparo social reinantes no país. Por outro lado, o Primeiro-Ministro José Maria Neves recusa-se a (ou, pelo menos, mostra-se muito renitente em) colocar a nova e jovem líder do PAICV num lugar mais proeminente da governação do país mediante a proposta da sua nomeação para Ministra de Estado ou para Vice-Ministra ao Presidente da República Jorge Carlos Fonseca, antes de assegurar a estabilidade do seu governo no parlamento caboverdiano onde o candidato derrotado à liderança do PAICV continuava a ser o líder da bancada parlamentar do PAICV.
DÉCIMA PARTE
X
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A CONFIGURAÇÃO E A CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA CABOVERDIANA NO SÉCULO XX E AS SUAS REPERCUSSÕES POLÍTICO-SIMBÓLICAS NA PERCEPÇÃO E NA APREENSÃO DO LEGADO TEÓRICO, DA DOUTRINA POLÍTICA E DA IMAGEM HERÓICA E MÍTICA DE AMÍLCAR CABRAL EM CABO VERDE
1. Relembre-se e sublinhe-se que a dissolução e/ou o desaparecimento tanto do PCD como do PRD e o regresso dos dirigentes e militantes desses partidos ao seio do partido/movimento-mãe de que constituíram importantes dissidências e fracturas político-partidárias se explicaram pela circunstância de os mesmos partidos dissidentes se viram confrontados desde o seu surgimento até à sua extinção com prestações e performances eleitorais assaz medíocres.
Na verdade, o PCD constituíra com a maioria relativa do PAICV no município da Praia e liderada por Felisberto Vieira uma maioria municipal na Câmara e na Assembleia municipais, situação que viria a ser descartada quando o mesmo PAICV de Felisberto Vieira conseguiu a tão almejada maioria absoluta a nível municipal. Por outro lado, a Aliança Democrática para a Mudança (ADM) constituída entre o PCD de Eurico Correia Monteiro e Jorge Carlos Fonseca, o PTS de Onésimo Silveira e a UCID de António Monteiro não conseguira mais do que dois deputados nas eleições legislativas de 2001. Nas eleições presidenciais que se seguem, Onésimo Silveira desistira da sua candidatura presidencial indicando o voto na candidatura de Pedro Pires que, como é sabido, vencera a candidatura presidencial de Carlos Veiga por uma unha negra. Nessa sequência e com o seu espaço autárquico na ilha de São Vicente bastante desgastado e erodido, vindo depois a perdê-lo para a candidata autárquica apoiada pelo MpD, a farmacêutica Isaura Gomes, Onésimo Silveira fora nomeado como embaixador extraordinário e plenipotenciário de Cabo Verde em Portugal e em outros países, incluindo Israel, passando os seus apoiantes do PTS a integrar as listas do PAICV para as eleições legislativas, até o mesmo partido nortenho quase desaparecer do cenário político caboverdiano, vindo curiosa e ironicamente, e após o falecimento de Onésimo Silveira, a ser recuperado e reactivado nas eleições legislativas de 2021, por jovens activistas políticos, sociais e culturais da ilha rival de Santiago, tornando-se o mais votado dos pequenos partidos extra-parlamentares. Por outro lado, o PRD nunca conseguira ter representação parlamentar ou sequer autárquica. Desaparecidos em combate tanto o PTS, de Onésimo Silveira, como os partidos resultantes de fracturas políticas internas no seio do MpD, designadamente o PCD e o PRD, a terceira força política caboverdiana viria a ser representada ao nível parlamentar pela UCID a partir das eleições legislativas de 2006, nas quais conseguira eleger dois deputados pelo círculo eleitoral de São Vicente, doravante o seu nicho e/ou feudo eleitoral e no qual viria, outrossim, a tornar-se a segunda força autárquica, a seguir ao MpD e antes do PAICV. O papel de nulidades político-ideológicas no folclore político caboverdiano passa a ser doravante desempenhado pelo PSD (Partido Social-Democrata), de João Além, pelo PP (Partido Popular), de Amândio Barbosa Vicente, e, em certa medida, pelo novo PTS, como profusamente ilustrado nas eleições autárquicas de 2020 e nas eleições legislativas de 2021, nas quais todavia o PP conseguiu eleger um deputado municipal para a Assembleia Municipal da Boavista (curiosamente um italiano naturalizado caboverdiano). Exemplar, como já referido, parece ser o caso do PTS, paradoxalmente um partido político fundado para assumidamente se perfilar como defensor de um regionalismo político e de um barlaventismo identitário-cultural centrados na ilha de São Vicente e da sua talássica cidade do Mindelo, em conformidade, aliás, com o controverso ideário do seu carismático fundador, o poeta, ficcionista, ensaísta, académico e político Onésimo Silveira, doravante apossado por jovens activistas políticos, sociais e cultuirais oriundos sobretudo da ilha rival de Santiago, do seu interior e dos arrabaldes das suas causticadas cidades da Praia e da Assomada somadas das suas outras cidades e vilas.
2. No contexto das eleições gerais de 2011, cabe enfatizar que a mudança inesperada de objectivos eleitorais (das presidenciais para as legislativas) por parte de Carlos Veiga trouxe mudanças de monta no cenário político caboverdiano. Estamos em crer que se em 2011 Carlos Veiga tivesse apresentado a sua candidatura às eleições presidenciais, que seriam necessariamente muito polarizadoras, a mesma contaria certamente com o apoio da generalidade dos militantes, dos simpatizantes e dos amigos do MpD, incluindo dos filhos pródigos regressados que eram os ex-integrantes do PCD e do PRD, e teria provavelmente como adversário não Manuel Inocêncio que, segundo as sondagens disponíveis, teria nulas chances de vencer uma contenda eleitoral num figurino em que constasse o nome de Carlos Veiga como postulante, nem sequer Aristides Lima ou David Hopffer Almada, igualmente colocados abaixo de Carlos Veiga nas sondagens (pelo menos naquelas conhecidas do grande público caboverdiano) e, por isso, mais fácil e justamente descartáveis pelo escrutínio deliberativo do Conselho Nacional do PAICV (mas igualmente mais facilmente aceite pelos próprios interessados, com destaque para os apoiantes da candidatura presidencial de Aristides Lima), mas o próprio José Maria Neves, o único que, embora não constando de nenhuma sondagem relevante e/ou conhecida do eleitorado enquanto candidato presidencial, parecia ter reais hipóteses de competir de quase igual para igual com Carlos Veiga em eleições presidenciais, relembre-se que todavia nunca realizadas no figurino acabado de ser descrito.
Na verdade, o saldo da governação de José Maria Neves nesse ano de 2011 parecia largamente positivo. Com efeito, e não obstante os contundentes efeitos da devastadora crise financeira internacional iniciada em 2008 (e a que, embora sem imediata relevância para o ano eleitoral de 2011, viriam somar-se a erupção vulcânica de 2014 e a epidemia do dengue) e que determinaram um crescimento anémico, de apenas um por cento, da economia caboverdiana, José Maria Neves tinha conseguido, enquanto Chefe do Governo, a graduação de Cabo Verde ao estatuto de país de desenvolvimento médio baixo. Ademais e em face dos previsíveis efeitos colaterais negativos dessa mesma graduação, o governo de Cabo Verde sob a liderança de José Maria Neves tinha logrado obter empréstimos concessionais de parceiros multilaterais e bilaterais, destacando-se o Millenium Chalenge Account financiado por duas vezes pelos Estados Unidos da América, visando uma geral infra-estruturação do arquipélago. Essa mesma infra-estruturação mudou a face do país no que se refere especialmente a barragens, estradas asfaltadas, aeroportos internacionais, obras sociais, etc, tendo ademais tido a mais-valia suplementar de abranger todas as regiões e ilhas do país, incluindo as anteriormente tidas por sumamente marginalizadas, como as ilhas ditas periféricas e o interior da ilha de Santiago, isto é, as ilhas e regiões situadas fora do anteriormente considerado eixo tripolar do desenvolvimento do país que eram a cidade da Praia e as ilhas de São Vicente e do Sal. Na imaginária hipótese da apresentação de uma sua candidatura presidencial contra um também imaginário e hipotético Carlos Veiga, estamos em crer que José Maria Neves teria apoiado Manuel Inocêncio (obviamente contra o seu tradicional adversário interno Felisberto Alves Vieira) para o suceder na liderança do PAICV e, assim, como candidato ao cargo de Primeiro-Ministro nas eleições legislativas de 2011. A ser assim, o PAICV teria algumas hipóteses de vitória, neste caso contra um MpD liderado por Jorge Santos, pois que o candidato do PAICV apresentava um notável balanço como Ministro dos Negócios Estrangeiros e como Ministro das Infra-Estruturas e dos Transportes na governação do PAICV, não estando outrossim a mesma governação paicvista ainda tão desgastada por quinze anos de governação com um mesmo Primeiro-Ministro, como, aliás, se viria a verificar de forma estrondosa nas eleições legislativas, presidenciais e autárquicas de 2016.
Como comprovado na sua vitória contra Carlos Veiga nas eleições legislativas de 2011 e, depois, nas eleições presidenciais de 2021, seria também provável a vitória de José Maria Neves se tivesse que defrontar Carlos Veiga em eleições presidenciais nesse mesmo ano de 2011. E com essa bizarra hipótese alternativa, se bem que somente imaginada e ficcionada, tudo teria mudado no panorama político caboverdiano e em eventuais cenários de alternância política democrática!
De todo o modo, não seria de se excluir uma eventual vitória do MpD nas eleições legislativas de 2016, sobretudo se se considerar que, por essa altura, o mesmo partido seria liderado por um Ulisses Correia e Silva, que, sucedendo a Jorge Santos como Presidente do MpD e tendo governado com reconhecida competência o município da Praia e, deste modo, recuperado em grande medida a auto-estima dos praienses em relação à sua martirizada cidade, gozava de uma imagem assaz positiva entre a generalidade dos eleitores caboverdianos nas ilhas e diásporas.
3. Na verdade, o que realmente se passou não difere substancialmente do hipotético cenário acima delineado.
Com efeito, depois de ter perdido as eleições legislativas de 2011 e de o candidato apoiado pelo MpD (ainda que visivelmente a contra-gosto do próprio Carlos Veiga) ter conseguido ganhar as eleições presidenciais de 2011 e de o MpD ter visto reforçado o seu estatuto de principal força autárquica do país, Carlos Veiga cedeu o cargo de Presidente do MpD a Ulisses Correia e Silva, eleito directamente pelas bases do MpD e sem oposição interna.
Entrementes, José Maria Neves declarara em entrevista que não era sua pretensão candidatar-se a um novo (que teria sido o quarto ) mandato como Primeiro-Ministro de Cabo Verde. Ademais, estabelecera um rigoroso plano para a sua vida pessoal futura, incluindo a sua vertente política, e que viria a cumprir escrupulosamente: depois do seu terceiro mandato como Chefe do Governo caboverdiano, regressaria à sua vida profissional de docente da UNI-CV (Universidade Pública de Cabo Verde) que pretendia completar e consolidar com um doutoramento. Feito o doutoramento, candidatar-se-ia, no vindouro ano de 2021, ao cargo de Presidente da República de Cabo Verde. Estava assim aberta a luta pela sucessão de José Maria Neves na liderança do PAICV e na pugna pelo cargo de Chefe do governo caboverdiano e fechadas as portas para outras candidaturas presidenciais alternativas de pessoas politicamente próximas do PAICV. Tanto mais que ao deixar o Governo no fim do seu terceiro mandato como Primeiro-Ministro e na sequência da vitória do MpD liderado por Ulisses Correia e Silva nas eleições legislativas de 2016, ele, José Maria Neves, criou a “Fundação José Maria Neves” que manteve o pré-anunciado candidato presidencial sempre civicamente muito interventivo e na ribalta política e tornou quase cativo o lugar de candidato presidencial apoiado pelo PAICV depois do previsível segundo e derradeiro mandato presidencial de Jorge Carlos Fonseca.
As eleições directas no PAICV tiveram lugar em fins do ano de 2014 e a elas concorreram Felisberto Alves Vieira, Cristina Fontes Lima (braço direito de José Maria Neves na governação do país) e a jovem e inesperada Janira Fonseca Hopffer Almada que, tendo conhecido uma fulgurante ascensão no PAICV, chegando a membro da sua Comissão Permanente, contra todas as conjecturas e previsões, se bem que a melhor posicionada nas sondagens referentes a essa competição política interna, ganhou, e logo à primeira volta, as eleições directas no PAICV, tornando-se assim na sucessora de José Maria Neves como Presidente do PAICV e primeira candidata feminina ao cargo de Primeira-Ministra de Cabo Verde. Face a esse inesperado cenário, a candidata Cristina Fontes Lima aceita sem quaisquer reservas a sua derrota eleitoral interna, vindo até a candidatar-se pelo PAICV liderado por Janira Hopffer Almada para a autarquia praiense e a perder contra Óscar Santos, o antigo Vice-Presidente e sucessor de Ulisses Correia e Silva na governação da autarquia da cidade-capital do país. Em nítida contra-mão a esse cenário, Felisberto Alves Vieira, o principal adversário interno de Janira Hopffer Almada, parece ter entrado em irreversível estado de choque, recusando-se, por exemplo, a cumprir a directiva da Comissão Política do seu partido no sentido de chumbar o projecto de lei sobre a remuneração dos titulares dos cargos políticos, muito contestada nas ruas por ter sido considerada imoral em razão da pobreza e do desamparo social reinantes no país. Por outro lado, o Primeiro-Ministro José Maria Neves recusa-se a (ou, pelo menos, mostra-se muito renitente em) colocar a nova e jovem líder do PAICV num lugar mais proeminente da governação do país mediante a proposta da sua nomeação para Ministra de Estado ou para Vice-Ministra ao Presidente da República Jorge Carlos Fonseca, antes de assegurar a estabilidade do seu governo no parlamento caboverdiano onde o candidato derrotado à liderança do PAICV continuava a ser o líder da bancada parlamentar do PAICV.
Entretanto, e depois de ter conseguido o apoio do Presidente da República na sensível questão do estatuto remuneratório dos titulares dos cargos políticos, a jovem líder do PAICV renunciou ao seu cargo no Governo para alegadamente dispor de mais tempo para preparar as eleições legislativas de 2016. Nessas mesmas eleições, o eleitorado caboverdiano pareceu fazer um julgamento assaz severo do derradeiro mandato de José Maria Neves, e não obstante a novidade política que constitui a irrupção de Janira Hopffer Almada na liderança do PAICV, permitiu ao MpD liderado por Ulisses Correia e Silva infligir pesadas derrotas nas eleições legislativas e autárquicas ao PAICV (quase comparáveis às derrotas do partido caboverdiano do centro-esquerda nas inaugurais eleições de 1990), que, por isso, se absteve de apoiar explicitamente um candidato presidencial contra Jorge Carlos Fonseca que pugnava por um segundo e último mandato contra o reincidente Joaquim Monteiro e o estreante Albertino da Graça, magnífico reitor da Universidade do Mindelo, que obtém uns muito honrosos vinte por cento da votação, todavia não impedindo que a abstenção fosse a grande vencedora dessas eleições presidenciais, ultrapassando os sessenta por cento dos eleitores recenseados.
4. No que se refere às eleições legislativas e autárquicas, o PAICV viu reduzir-se drasticamente os seus mandatos parlamentares e municipais, colocando-se depois da UCID e, assim, tornando-se na terceira força política na ilha de São Vicente. Contra os propósitos dos seus adversários internos que pretendiam a realização de uma Conferência Nacional para analisar a vida interna do PAICV e as suas recentes e estrondosas derrotas eleitorais, a sua jovem líder fez convocar eleições directas que de novo lhe conferem o mandato de líder do PAICV e sem que os seus adversários internos tivessem apresentado um candidato alternativo à liderança do partido. Sob a liderança de Janira Hopffer Almada, depois esta ter sido eleita pela terceira vez, o maior partido da oposição caboverdiana apresentou-se às eleições autárquicas de Outubro de 2020, conseguindo importantes vitórias: mantém o município de Santa Cruz e dos Mosteiros (os dois únicos que o PAICV manteve nas desastrosas, senão catastróficas, eleições autárquicas de 2016 , recupera os municípios da Praia, de São Filipe e da Boavista, conquista pela primeira vez os municípios da Ribeira Grande de Santiago, de São Domingos, de São Lourenço dos Órgãos e do Tarrafal de Santiago. Quiçá empolgada com as importantes vitórias conseguidas nas eleições autárquicas e com as sondagens que lhe vaticinavam uma clara vitória nas eleições legislativas de Março de 2021, a liderança do PAICV pareceu ter gerido de formav assaz deficiente (para não dizer de forma muito desastrosa) as suas listas de candidatos a deputados, preterindo os candidatos propostos pelas Regiões políticas e/ou negando o diálogo com essas mesmas estruturas políticas, como parece ter acontecido em especial com as Regiões Políticas de Santo Antão, de São Vicente e de Santiago Norte. Daí adveio uma pesada derrota do PAICV nas eleições legislativas de Março de 2021 que perde em todos os círculos eleitorais nacionais, logrando todavia vencer nos círculos eleitorais do estrangeiro, designadamente no círculo eleitoral das Américas e no círculo eleitoral da Europa e do Resto do Mundo. Tirando as devidas conclusões da sua segunda e estrondosa derrota em eleições legislativas, a líder do PAICV anuncia logo na noite eleitoral a sua intenção de não se candidatar de novo à liderança do PAICV, apesar de muitas vozes terem tentado dissuadi-la desse intento, sobretudo das bases do partido, onde parecia continuar a dispor de um consistente apoio político. Contribuíram igualmente para a vitória do MpD nas eleições legislativas de 2021 certamente a gestão bastante conseguida pelo Governo liderado por Ulisses Correia e Silva das crises económicas e sociais advenientes da pandemia da covid-19 e da seca severa que assolou o país de 2016 a 2021, capitalizando a imagem de seriedade de que Cabo Verde usufruía na aremna internacional, assim logrando angariar importantes apoios financeiros e materiais dos parceiros internacionais a nível bilateral e multilateral. Um não dispiciendo papel na obtenção da maioria absoluta do MpD poderá ter tido certamente (e se nos ativermos aos termos de uma queixa apresentada pelo PAICV ao Ministério Público) a compra de votos e de consciências mediante a manipulação dos cadastros sociais elaborados para a protecção social dos caboverdianos mais vulneráveis durante a pandemia da covid - 19. Facto assaz relevante é que, ante a iminência de não renovar pela primeira vez o seu mandato governamental (o que seria de todo inédito na recente História política caboverdiana), o MpD e todas as suas sensibilidades políticas resolveram cerrar fileiras à volta do seu líder Ulisses Correia e Silva, contrapondo-se do outro lado da barricada político-partidária um PAICV dividido e ainda tentando sarar as feridas vindas das eleições internas directas de 2014. Curiosamente, essas fracturas internas estiveram quase completamente ausentes das eleições presidenciais de 2021 nas quais todas as sensibilidades do PAICV pareceram ter apoiado sem qualquer rebuço, prurido ou reserva a candidatura presidencial de José Maria Neves, não se podendo afirmar o mesmo do comportamento eleitoral das várias sensibilidades internas em relação à candidatura presidencial de Carlos Veiga.
5. O facto de as sensibilidades políticas internas do PAICV se terem unido à volta da candidatura presidencial de José Maria Neves parece explicar-se pelas ilações que o então Presidente do PAICV, José Maria Neves, apoiante da candidatura presidencial de Manuel Inocêncio, e os seus adversários internos apoiantes da candidatura presidencial de Aristides Lima, parece terem tirado da inesperada derrota eleitoral do candidato oficialmente apoiado pelo partido nas eleições presidenciais de 2011 e a superação que pareceram ter feito dos seus diferendos internos, assumindo cada uma partes as suas respectivas rsponsabilidades, assim se podendo finalmente conseguir o apaziguamento interno do partido, facto esse que ficou expresso no regresso das várias sensibilidades políticas internas à gestão política colectiva do partido no Congresso realizado na sequência do malogro nas eleições presidenciais de 2011.
6. Facto é que o ano político de 2021 terminaria com a vitória de José Maria Neves logo na primeira volta das eleições presidenciais nas quais foram seus apoiantes directos e indefectíveis os militantes, simpatizantes e amigos de um PAICV ainda liderado por Janira Hopffer Almada, para além de um sem-número de cidadãos sem filiação partidária conhecida, e perfilando-se como seus adversários directos Carlos Veiga, Casimiro de Pina, Fernando Delgado, Hélio Sanches, Gílson Alves e Joaquim Monteiro. É contudo um PAICV liderado interinamente pelo veterano político, antigo líder parlamentar e ex-vice-presidente do PAICV Rui Semedo que celebra e canta a estrondosa vitória de José Maria Neves nas eleições presidenciais de 2021. O estatuto de Rui Semedo como Presidente efectivo do PAICV viria a ser confirmado em eleições directas em que não teve adversários e opositores internos. Deste modo, e pela segunda vez na recente História política de Cabo Verde, divisava-se uma impropriamente dita co-habitação entre um governo e uma maioria parlamentar, por um lado, e, por outro lado, um Presidente da República, oriundos de áreas político-partidárias historicamente rivais e adversárias. A tomada de posse de José Maria Pereira Neves como quinto Presidente da República de Cabo Verde e o quarto escolhido em eleições livres, pluralistas e democráticas revestiu.-se de especial significado pois que ficou marcado por um Discurso de Tomada presidencial de Posse Bilingue Paritário em Português e em Caboverdiano a marcar e a antecipar a almejada paridade entre a língua portuguesa e a língua caboverdiana propugnada pelo artigo nono, número da Constituição da República.
7. As duas primeiras décadas do século XXI ficariam, assim, marcados pelos seguintes e muito relevantes acontecimentos políticos:
I. a) Pelo regresso ao poder do candidato presidencial apoiado pelo PAICV, cumprindo os dois mandatos previstos na Constituição da República adicionados dos seis meses suplementares introduzidos pela revisão constitucional de 2010 por forma a se criar um intervalo de tempo necessário a se evitar a contaminação das eleições presidenciais pelas eleições legislativas. Ironicamente isso ocorre com o mesmo Presidente da República cuja primeira vitória eleitoral fora tão contestada pelo MpD que a sua bancada parlamentar se recusara a comparecer à tomada de posse do recém-eleito Presidente da República. É o mesmo Pedro Pires que, no fim do seu mandato constitucionalmente prorrogado por alguns meses vê-se ser-lhe atribuído prestigiado e financeiramente colossal Prémio Mo Ibrahim por uma exemplar carreira política de quase cinquenta anos, ele que, conhecido pela austeridade do seu modo de vida, tinha sido caluniado na véspera das eleições legislativas de 13 de Janeiro de 1991 de ter desviado milhões de dólares para alegado proveito e benefício pessoais. Ele que, na sequência da demolidora derrota nas acima referidas eleições legislativas de 13 de Janeiro de 1991, fora literalmente escorraçado da modesta moradia de função que ocupou durante quinze anos enquanto Primeiro-Ministro de Cabo Verde.
I. b) Pelo regresso ao poder do PAICV liderado por José Maria Neves e nele permanecendo ininterruptamente por longos quinze anos, tantos quanto o tempo de duração do regime de partido único protagonizado pelo mesmo partido, mas agora através de eleições democráticas, livres e pluralistas.
II. Pelo regresso do MpD à governação nacional do país, sendo esse regresso antecipado em cinco anos pela inesperada vitória eleitoral de Jorge Carlos Fonseca, o candidato presidencial apoiado pelo mesmo partido do arco do poder caboverdiano e que continuou a ser o principal partido autárquico do país mesmo com o seu tradicional adversário político, o PAICV, na governação nacional do país.
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