Juízos e pensamentos incómodos
Ponto de Vista

Juízos e pensamentos incómodos

Rescaldos de algumas decisões polémicas recentes do governo, uma leitura possível

É mais do que evidente, que este governo vem dando sistematicamente tiros no pé e de maneira desnecessária, face às reações da sociedade após algumas decisões políticas recentes, o que sugere um certo masoquismo político, estranho e até preocupante.  

Para começar, este governo que eu também sufraguei, anda a dar sinais claros de debilidades na sua forma de comunicar atempada e eficazmente com a sociedade. Senão vejamos:  argumentos e justificações relativos a decisões político-administrativas cruciais e potencialmente polémicas, pecam sempre por atraso, do estilo contraditório, “Jesus após a queda”.

Na minha maneira de pensar, acho que as decisões fortes têm de ser tomadas por quem de direito, e neste caso, ao governo eleito e gerir as consequências advenientes. Tudo isto para dizer que o que está em causa é a estratégia de comunicação com a sociedade, que em última análise terá de compreender, absorver e digerir as decisões com o mínimo de desgaste. Quem compra a ideia de que os 18 porcento de aumento do Conselho de Administração do Banco de Cabo Verde é uma decisão normal, pacífica e que deve ser entendida como uma medida de rotina e que se justifica pela necessidade de resolver uma situação de desequilíbrio salarial onde assessores e outros técnicos que percebem salários superiores ao do próprio Presidente do Conselho?

Agora pergunto: como é que se chegou a esta situação absurda na instituição financeira central que tem um estatuto claro, rígido e muito particular no seio das Instituições Reguladoras Independentes?  Terá sido incúria? 

Que eu saiba, os assessores são recursos incontornáveis, que tem de ser remunerados justamente, mas será que têm sido objeto de incentivos  fora das bitolas estabelecidas nos regulamentos internos da Instituição? 

Reconhece-se que eles têm uma função importante, mas funcionam em regime temporário e por mais capazes que sejam, não são do quadro e nunca podiam ter uma remuneração superior aos próprios membros do Conselho de Administração e do próprio Presidente do CA,  convenhamos.

O que terá contribuído para que no Banco de Cabo Verde se chegasse a esta situação? isso não foi claramente explicado por quem de direito.  Os assessores e os  altos quadros do BCV, por razões óbvias, devem ser remunerados justamente, aliás, sobre isso não pode haver dúvidas. Porém, nesta medida, os decisores e os decisores quiçá, nao levaram em conta que os salários sujeitam-se a limites muito claros, nomeadamente, a situação económica, social e financeira do país. 

Por estas e outras razões, Cabo Verde ainda não pode cogitar a hipótese de vir a pagar salários equiparados aos das instituições financeiras centrais da Suíça, Nigéria ou dos Estados Unidos da América. Acredito piamente que devem existir limites existem, com certeza.  

Senhores governantes! os salários dos mais bem pagos (...e com alcavalas substantivas que muitas vezes quase os duplica), dizia, nao podem ser esticados desmesuradamente, convenhamos!   

O governo é eleito para gerir o país, decidir responsabilizar-se pelo equilíbrio, oportunidade e consequências das suas decisões, aquilo que eu chamaria de Political Accountability o que traduzido linearmente significa responsabilização política . 

As Instituições Reguladoras Independentes, são uma criação necessária e justificada dos governos democráticos, defensores de uma economia de mercado concorrencial, mas dependentes da prestação de serviços essenciais concessionados que normalmente operam em regime tendencialmente monopolistas , e tem um estatuto especial. Até aqui tudo pacifico. 

As IRI assim abreviadas, funcionam de forma independente em situações de normalidade. Porém, a independência delas termina onde os interesses do ESTADO  começam nesta restrita lista se inscreve-se , o BCV  embora seja de uma forma geral,  um “primus inter pares por razões evidentes , por requerer gestão mais pois bole  questões macro de sobrevivência do país Independente.   

Assim, volto a questionar: como é que se chegou a esta disfunção grave no BCV e  resolvida  de forma abrupta? 

Senão vejamos: o   governo é que indigita o  Presidente do Conselho de Administração e avaliza o Conselho de Administração, por conseguinte, tem poderes para fixar a grelha salarial do mesmo assim como dos demais colaboradores e quadro de pessoal dirigente. 

Ora, assim sendo, esteve nas mãos do governo proceder de forma correta a génese desta disfunção salarial. Para além do mais, o Departamento dos Recursos Financeiros existe precisamente para fazer ajustamentos salariais dentro do BCV. E na função publica não

Para os 52 mil dependentes dos salários da função pública, por defeito, 18 mil funcionários em média em 2015, adicionados de mais 3 por agregado familiar, entende o governo que não há possibilidades de uma justa revisão salarial. 

Ora, mantendo-se ordenados de miséria no setor público, é continuar a alimentar um “cancro social” terrível. Agora, como pedir aos funcionários que deglutem mais esta desfeita. Pois, são eles que sustentam a máquina administrativa e institucional do estado de Cabo Verde. É por estas e outras é que grassa por aí funcionários públicos desmotivados, viciados em manobras torpes   e corrosivas para melhorarem a sua qualidade vida. 

Pois, o nível médio de prestação de serviço na Administração Pública deixa muito a desejar.  Basta dizer que não há uma responsabilização eficaz por atos dolosos. Há, sim, uma autocensura generalizada dos cidadãos sobre esta matéria. "Deus me livre de ter inimigos numa instituição que frequento regularmente. Será mais do mesmo. Aguardemos     as consequências que certamente nao vão ser abonatórias,  e eu certamente não me revejo no rol dos profetas  da desgraça, ou anjos  do mal,   "musguedjadus".  Uma saída airosa para situações desta tem sido argumentar em silêncio:  

..a  sociedade tem memória curta, desconhece os mecanismos, objetivos, normas, regulamentos e quejandos, subjacentes a decisões desta estirpe e magnitude, é pena ; "so what"? Vamos aposentar a sociedade e inventar outra? , sinceramente.!!!  

Passar um atestado de ignorância à sociedade e depois pedir confiança cega no futuro, é manobra riscosa quando o que o que existe na realidade é um enorme deficit de comunicação nesta governação, evidente, sobretudo, na sua chegada sempre atrasada nas situações de crise, com explicações   nem sempre suficientemente convincentes. Trata-se de alimento privilegiado para a oposição, detratores, profetas do mal , que só  vêm medidas desastrosas neste governo. E enquanto cidadão, não aceito que o meu governo se habitue a  curvar  e  catar  os cacos, depois de alguns "profetas da desgraça"  , (Que los , los Hay... ), terem dado o sinal de alarme. 

O mínimo que se exige nestes casos é um plano de antecipação e bom senso .

Já agora, onde pára a ASSESSORIA ao governo? Estou convencido que o governo carece de assessoria capaz, que não tenha somente ferramentas, mas sobretudo experiência, descomprometida o suficiente para, em caso de necessidade, dizer ao governo o que este nao quer ouvir. 

Dossiers sensíveis, estão sendo muito mal geridos, quiçá por falta de perspicácia e sagesse políticos. Senão vejamos, os pruridos derivados da gestão  dos  polémicos relatórios de auditoria  às  Instituições e fundos públicos,  para não falarmos do  célebre caso  “desconvite desajeitado da TCV” ao engenheiro  António Espírito Santo de um programa de televisão em que tinha sido convidado para ser um dos comentadores permanentes de uma rúbrica, à semelhança de Felisberto Vieira; o despedimento aconteceu logo após  a  apresentação  de  pontos de vista controversos sobre matérias  sensíveis da atualidade governativa . Onde estará a razão?  Colisão com linha editorial da TCV ? Quem terá falhado? Quem deu ordens para fazer o correspondente "undo""? oops !!algo correu muito mal! 

Pareceu ser mais uma medida para silenciar a opinião de um cidadão, portador de pontos de vista pouco ortodoxos; tudo num país que se diz democrático tout cours. As explicações à posteriori convenceram a sociedade? Pergunto amiúde. 

Ora bem, quando os programas da comunicação pública visam o duelo de opiniões entre a situação e a oposição, a sociedade deve ser informada com a devida antecedência e os participantes devem apresentar-se com   mandato dos respectivos partidos; o que não é nada mais legítimo e útil para a sociedade. 

O caso em apreço, não seguiu este ditame essencial, e veio a surpresa de uma opinião cidadã legítima, e casualmente muito inconveniente para o governo. Enfim, disse  NOSOR BELUCI: "Se você pensa e age como a maioria sempre sem uma boa análise crítica, me desculpe, mas você é só mais um indivíduo pertencente a´´ uma pequena ou grande manada ou MARK TWAIN: "toda vez que você se encontrar do lado da maioria, é hora de parar e refletir." 

Será que o Stablishment no exercício dos seus poderes legítimos tem sido leal para com a sociedade?  Penso que não. Para um bom observador, a qualidade da comunicação entre o governo e a sociedade é deficitária e/ ou inadequada, os compromissos com os princípios da raiz ideológica do MPD, não podem estimular a autocensura, antes pelo contrário.  

Péricles Africano Lima Barros (Cidadão) 

Praia, 2 de outubro de 2023

Partilhe esta notícia

Comentários

  • Este artigo ainda não tem comentário. Seja o primeiro a comentar!

Comentar

Caracteres restantes: 500

O privilégio de realizar comentários neste espaço está limitado a leitores registados e a assinantes do Santiago Magazine.
Santiago Magazine reserva-se ao direito de apagar os comentários que não cumpram as regras de moderação.