
...a degradação de segurança pública em Cabo Verde não é falha da Polícia Nacional, mas de decisões políticas que negligenciam planeamento estratégico, presença territorial e gestão operacional. Corrigir essa realidade exige coragem política, alinhamento estratégico e justiça social, princípios reforçados por Bobbio, Giddens e Porter. Cabo Verde não precisa de mais organogramas; precisa de acção efectiva, presença policial e confiança cidadã.
Enquanto cargos e burocracia crescem no topo da Polícia Nacional, bairros periféricos continuam desprotegidos e descriminados, expondo cidadãos à insegurança diária.
Li numa publicação que, recentemente, no Portinho, Achada Grande Trás, a atleta olímpica e campeã mundial Marina Correia foi surpreendida por dois jovens armados com catanas. Levaram sua mochila com documentos, dinheiro, roupas e objectos pessoais. Este episódio chocante, amplamente repercutido nas redes sociais, não é isolado: ele evidencia a insegurança crescente na cidade da Praia e expõe a insuficiência das políticas de segurança pública do governo de Ulisses Correia e Silva.
É essencial distinguir competência policial e decisão política. A Polícia Nacional possui quadros experientes, dedicados e capacitados, mas operam limitados por escolhas políticas que privilegiam burocracia e cargos administrativos em detrimento da presença operacional. A expansão de dois para quatro adjuntos do Diretor Nacional, sem reforço com esquadras em localidades como Achada Grande Trás, Achada Mato e São Pedro Latada, por exemplo, ilustra bem essa desconexão entre estrutura e estratégia.
Norberto Bobbio nos lembra que a segurança pública é um pilar da democracia: um Estado que não protege seus cidadãos de forma equitativa corrói a confiança social e a legitimidade do poder. A ausência de policiamento em bairros críticos não é apenas um problema operacional; é uma falha ética e política, que deixa cidadãos vulneráveis a riscos que o Estado deveria prevenir.
Anthony Giddens complementa: o Estado moderno deve ser reflexivo, avaliando continuamente suas práticas e adaptando políticas à realidade urbana e social. A falta de policiamento constante nos bairros periféricos demonstra que o governo não está refletindo sobre as necessidades reais da população. Um Estado reflexivo avaliaria resultados, corrigiria falhas e redistribuiria recursos estrategicamente, promovendo policiamento de proximidade eficaz e adaptado ao crescimento urbano.
Michael Porter reforça o alerta estratégico: estrutura organizacional deve servir à estratégia, não o contrário. Criar mais adjuntos enquanto bairros críticos permanecem desprotegidos evidencia uma política incoerente. Uma abordagem estratégica adequada exigiria presença nos locais de maior risco, abertura de novas esquadras e mecanismos de prevenção inteligentes, alinhando missão, recursos e território.
Diante deste cenário, uma ação urgente que o próximo governo poderá implementar nos primeiros 100 dias é uma auditoria independente e abrangente da segurança interna, que avalie:
- Estrutura e distribuição territorial da Polícia Nacional;
- Alocação de efetivos e equipamentos;
- Funcionamento das esquadras e eficácia do patrulhamento;
- Políticas de prevenção e policiamento comunitário.
Essa auditoria permitirá corrigir distorções, eliminar desperdícios e implementar medidas sustentáveis, garantindo segurança para todos os cidadãos, sem discriminação territorial ou social.
Em síntese, a degradação de segurança pública em Cabo Verde não é falha da Polícia Nacional, mas de decisões políticas que negligenciam planeamento estratégico, presença territorial e gestão operacional. Corrigir essa realidade exige coragem política, alinhamento estratégico e justiça social, princípios reforçados por Bobbio, Giddens e Porter. Cabo Verde não precisa de mais organogramas; precisa de acção efectiva, presença policial e confiança cidadã.
Georgia, USA, 22-11-2025
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