Foi a tempestade ou o abandono que destruiu o pontão?
Ponto de Vista

Foi a tempestade ou o abandono que destruiu o pontão?

Mas a questão que persiste é: foi a tempestade que destruiu o pontão, ou foi o abandono? Talvez a tempestade tenha sido o golpe final, mas o abandono foi o que o tornou vulnerável. Sem os cuidados necessários, sem a manutenção prometida, o pontão estava condenado muito antes das nuvens se formarem no horizonte. Assim, no confronto entre o abandono e a tempestade, ambos tiveram o seu papel, mas o abandono foi, sem dúvida, o agente silencioso que preparou o caminho para a destruição inevitável.

O pontão de madeira, outrora um símbolo de ligação entre o homem e o mar, encontra-se hoje em ruínas, engolido pelo abandono e pela fúria da natureza. Desde a tempestade Fref, em 2015, que arrancou parte da sua estrutura e revelou as suas fragilidades, tornou-se numa promessa não cumprida. Promessas de requalificação e recuperação ecoaram na comunidade, mas nunca passaram de palavras. O tempo foi passando, e as marcas do abandono tornaram-se mais evidentes: as madeiras apodreceram, os pregos enferrujaram, e o pontão, que já não suportava o peso dos passos, foi sendo esquecido.

O que outrora foi uma construção robusta, agora é uma sombra do passado. Para quem por lá passa, o estado de deterioração era visível e doloroso, e o abandono, por vezes, revelava-se mais cruel do que qualquer tempestade. No entanto, foi a tempestade mais recente que trouxe o fim definitivo. Os ventos e as ondas violentas não encontraram resistência, apenas fragilidade. Em poucas horas, o que restava do pontão foi destruído.

O pontão de Santa Maria, outrora um ex-libris da cidade, é mais um exemplo da política que tem vindo a ser conduzida no Sal, reflexo de uma classe política que está mais preocupada em aproveitar-se dos ignorantes e fanáticos do que em resolver os verdadeiros problemas da ilha. A inação perante questões urgentes parece ser o símbolo deste abandono. Em muitos casos, é necessário exercer pressão pública para que o governo dê prioridade às necessidades da população. A negligência em relação ao pontão não é um caso isolado: quase nove anos após a passagem da tempestade 'Fred' e a dois meses das eleições autárquicas, o governo anunciou a abertura do concurso para a sua recuperação/construção, apesar dos vários anúncios anteriores, inclusive do Presidente da Câmara Municipal do Sal, julio Lopes, que não têm nenhuma responsabilidade sobre o pontão.

A estrada de Santa Maria, por exemplo, esteve abandonada durante vários anos, e a sua recuperação só foi iniciada após inúmeros acidentes e prejuízos materiais e financeiros. Há também o caso do Complexo Educacional de Chã de Matias, que deveria estar concluído, mas ainda não se sabe quando estará terminado. Esta construção foi anunciada em 2022 numa altura em que as salas de aula tinham, em média, 39 alunos, contribuindo diretamente para a degradação da qualidade do ensino. Como sempre, nunca teremos um estudo que indique o verdadeiro impacto desses atrasos na aprendizagem dos alunos.

Além disso, a avenida dos hotéis, outro projecto deixado ao abandono, segue pelo mesmo caminho: promessas por cumprir e uma gestão que aparenta ser incapaz de enfrentar os desafios estruturais da ilha. Enquanto a classe política permanece inerte, quem paga o preço são os cidadãos, tanto ao nível da segurança, como da educação e do desenvolvimento.

O desaparecimento do pontão que dava acesso ao mar afetará gravemente diversas fontes de rendimentos locais, como a pesca, que dependerá de uma logística mais difícil para o embarque e desembarque de pescadores, reduzindo a produtividade. O mergulho turístico e as excursões de catamarã também sofrerão, já que o pontão era essencial para facilitar o acesso ao mar para os turistas, impactando diretamente o fluxo de visitantes. A venda de peixe será prejudicada pela menor captura de pescado, e a pesca desportiva perderá o ponto de partida adequado para as embarcações, afastando turistas interessados na prática. Por fim, a venda de souvenirs será afetada pela queda no número de turistas que realizam atividades ligadas ao mar, reduzindo a demanda por produtos típicos.

Mas a questão que persiste é: foi a tempestade que destruiu o pontão, ou foi o abandono? Talvez a tempestade tenha sido o golpe final, mas o abandono foi o que o tornou vulnerável. Sem os cuidados necessários, sem a manutenção prometida, o pontão estava condenado muito antes das nuvens se formarem no horizonte. Assim, no confronto entre o abandono e a tempestade, ambos tiveram o seu papel, mas o abandono foi, sem dúvida, o agente silencioso que preparou o caminho para a destruição inevitável.

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Comentários

  • Casimiro Centeio, 14 de Out de 2024

    O abandono matou e a fúria do mar enterrou. É a interação física do Homem e a Natureza.
    Ou o princípio da causalidade : a causa e o efeito.

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