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As intermitências do Tribunal Constitucional – os meios e os fins
Ponto de Vista

As intermitências do Tribunal Constitucional – os meios e os fins

Um mal fundamentado e nada ortodoxo Acórdão do Tribunal Constitucional ‘legalizou’ uma profunda facada à Constituição da República e aos fundamentos do direito ao declarar constitucional a intempestiva e extemporânea Resolução da Comissão Permanente da Assembleia Nacional que autorizou a detenção do advogado e deputado Amadeu Oliveira fora de flagrante delito para poder ser forçosamente julgado e abusivamente condenado. Com esse desazado acórdão 17-2023, a veneranda Corte Constitucional de Cabo Verde consegue o brilharete de contradizer, com sua douta sentença, a sua própria jurisprudência de 2017. E isso já vale um requerimento do representante dos 15 deputados que solicitaram a fiscalização sucessiva e abstrata da  resolução da CP da AN a exigir a nulidade do Acórdão do TC de 1 de Março.

Todo o cabo-verdiano atento tem noção do quão vil se ergueu o processo incriminatório contra o advogado Amadeu Oliveira. Corporativista até ao tutano, o sistema judicial.cv previsivelmente deleta, por todos os meios inclusive ilegais, qualquer recurso ou contra-argumento do advogado e preso político Amadeu Oliveira. Está claro que o manter em silêncio vale ouro, enxadrezado equivale uma carreira. Este é, seguramente, o objectivo da decana casta judicial deste país, que não olha a meios para se perpetrar, refastelado e impune, no lamaçal de injustiças que emporcalha Cabo Verde.

O Acórdão do Tribunal Constitucional de 1 de Março (17/2023) que legitima a Resolução da Comissão Permanente da Assembleia Nacional, publicada no Boletim Oficial numero 114, de 19 de Julho de 2021 (II Série), e que aprovava “a pedido do Procurador Geral da República, autorização para a detenção fora de flagrante delito do deputado Amadeu Fortes Oliveira para apresentação a primeiro interrogatório judicial”, veio comprovar todo o esforço da classe judicial para manter Amadeu preso. Porque lhes convém.

Efectivamente, esse douto Acórdão, que teve como relator o juiz-conselheiro Aristides Lima e votos a favor dos demais conselheiros, João Pinto Semedo e José Pina Delgado (que preside o TC) teve a epifania de violar e entrar em contradição com um anterior Acórdão do mesmo Tribunal Constitucional, número 27/TC/2017, de 14 de Dezembro de 2017, onde o juiz Professor doutor José Pina Delgado afirmou que ‘nenhuma norma costumeira’ pode revogar, comprimir ou restringir direitos, liberdades e garantias constitucionais, argumento esse (costume) sustentado por esse novo Acórdão do TC para ‘legalizar’ a resolução da Comissão Permanente da Assembleia Nacional que autorizou a detenção do deputado Amadeu Oliveira, fora de flagrante delito, para interrogatório judicial.

Essas intermitências da corte Constitucional de Cabo Verde, felizmente, podem ser sanáveis. Aliás, o deputado António Monteiro da UCID, enquanto representante dos 15 deputados que solicitaram a fiscalização sucessiva abstrata da Resolução da Comissão Permanente da AN, pode e deve, por possuir legitimidade para tal, interpor o quanto antes um requerimento de suprimento de nulidade/invalidade do Acórdão do TC, com base no número 2 do artigo 408 e 410 do Código do Processo Penal, em conjugação com o numero 2 do artigo 575 do Código do Processo Civil, que se aplicam subsidiariamente a todos os processos de natureza constitucional, dentro de um prazo de cinco dias a contar da data da notificação – o que terá de acontecer até quarta-feira, 8.

A força desse requerimento reside no facto de em momento algum o ‘costume’ poder revogar o número 1 do artigo 148 da Constituição da República, por ser uma garantia constitucional que não pode ser restringido, comprimido ou revogado, nem por lei aprovada pela Assembleia Nacional, quanto a mais por usos e costumes, sob pena de violação dos números 2 e 5 do artigo 17 da Constituição.

Incongruência

A avaliar pelo teor do Acórdão do TC, a única conclusão a que se pode chegar é que essa corte de recurso judicial se omitiu de todo, escusando-se a pronunciar sobre a questão que lhe foi suscitada: pronunciar-se sobre a constitucionalidade da resolução da AN deliberando autorização de detenção de um deputado fora de flagrante delito, antes da prolação do despacho de pronúncia.

É óbvio que, neste caso, a AN nunca podia ter-se permitido a emitir semelhante resolução, pois fica claro desde logo que, na ausência do despacho de pronúncia, só podia estar a emitir uma resolução sobre o vazio.

Ou será que a AN, antes do despacho de pronúncia, pôde adivinhar os indícios dos ilícitos penais que eram imputados ao Deputado?

Donde lhe vem tal competência e legitimidade?

Tentar confundir uma resolução pela qual se autoriza a detenção de um deputado fora de flagrante delito com uma resolução pela qual se suspende o mandato de um deputado só se compreende num jogo tático de tudo querer fazer para que se prolongue ad aeternum a duração do sequestro do Dr. Amadeu.

O mal em todo este processo é que todo ele foi conduzido desde a detenção do Dr. Amadeu até o despacho de pronúncia em franca, aberta e deliberada vontade de proceder à violação da Constituição, pelo que nele, até agora, em nada foi observado o critério jurídico constitucionalmente estabelecido como modo de exercício do poder seja do PGR, seja da ANP e seja do Tribunal de Relação do Barlavento.

Em tudo agiram arbitrariamente, sem nenhuma preocupação de realização da justiça, mas com o único fito apenas: o de destruir o Dr. Amadeu. É o costume dessa gente.

Assim, deliberadamente, num processo inquinado de nulidades insanáveis, vêm, a um tempo, e unânimemente, calcando aos seus pés a dignidade de um Deputado à Nação, a dignidade de um Advogado convicto da inocência do seu constituinte e a dignidade de um Cidadão que em tudo respeitou o Estado de Direito democrático de Cabo Verde, sempre ciente do respeito à dignidade do Homem como pedra angular do nosso ordenamento jurídico.

Portanto, a facada constitucional desferida pelo TC, ou seja esse Acórdão 17/2023, terá de ser declarado nulo ou inválido, por forma a acreditarmos que haverá senso e justeza decisória ad quem recorremos. Porque assim é feita a justiça. Porque assim se endireita um país.

 

* Mais de cinco mil subscritores em Cabo Verde e na diáspoa

 

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