Porque nem a justiça, muitas vezes, tem o monopólio da verdade, nem os juízes têm a exclusividade da razão, importa trazer aqui alguns apontamentos de superior relevância para se perceber o tamanho dos grilhões impostos ao Dr. Amadeu Oliveira e de como o corporativismo judicial vem criando um enredo ficcional para almejar uma realidade alternativa e ilibar-se dos seus próprios monstros.
O direito é a expressão genuína da consciência de uma sociedade. Quando a justiça não acompanha a evolução social, tende a ser injusta. De modo que é primordial frisar que o costume – referido para justificar o levantamento da imunidade parlamentar de Amadeu Oliveira da forma como foi –, não é lei, deve ser ao mesmo tempo lícito e justo. Práticas ilícitas não podem substituir o estabelecido nas leis.
Com efeito, os juízes e desembargadores não são os donos da verdade. Apenas possuem o poder de julgar, baseado na lei, em suas convicções, suas consciências e, claro, em provas. O Direito tem como elemento central a linguagem que, por sua vez, tem como elemento central a argumentação, ou seja, de nada vale interpretar sem argumentar.
Ciente do estado precário e o desequilíbrio do nosso sistema judicial, nos posicionamos em contramão da escandalosa, perversa e desvairada suposição feita pelo excelentíssimo e renomado Dr. Germano Almeida, sobre um dia o Tribunal Constitucional vir a concordar que embora a Constituição da República e o estatuto dos deputados exigir haver suspensão de um deputado só após despacho de pronúncia de um juiz, e a seguir uma votação secreta por maioria dos deputados reunidos em plenário, entretanto vir alegar que a prática tem sido suspender os deputados apenas com votação da Comissão Permanente, e que nem tem sido necessário voto secreto dos deputados para a suspensão.
Ora bem, sem querer esmiuçar as raízes patológicas desta suposição descabida, e sem pretensão de subestimar os labirintos sarnosos e pontiagudos das nossas instituições judicias, hipoteticamente, caso a sua suposição tornasse uma realidade, representaria uma afronta a dignidade de todos nós, não havendo nenhuma razão para a existência da nossa Constituição.
Como poderia um órgão que pela sua natureza existencial, fazer cumprir as alinhas, artigos, pontos e vírgulas da Constituição da República desvirtuar-se da essência da nossa Carta Magna. Se por hábito, vícios, e até por relaxamento, os parlamentares violaram, em algumas ocasiões, o artigo 148 da Constituição da República e o Estatuto dos deputados agora é hora de debruçar sobre os erros e lacunas existentes para tentar sanar as falhas, em vez de insistir no erro. Não se pode fazer escola a este ou outro tipo de erro. O errado nunca deixa de ser errado, mesmo quando todos estivermos errados. Habituar-se ao errado, nos incapacita, nos fragiliza e nos distancia de qualquer possibilidade. Sábio aquele que reconhece os seus erros com humildade.
Costume e omissão legislativa
No decorrer do quotidiano de nossas vidas nos deparamos muito com práticas repetitivas às quais denominamos de costumes. Existem os bons costumes e os maus costumes. Também é ofício do costume em algumas ocasiões organizar a sociedade a fim de pacificar a convivência. É o caso da fila. A fila que, segundo historiadores, veio da Índia.
Dentro do campo jurídico, os costumes são vistos como umas das mais antigas formas de demonstração do Direito, principalmente no que tange às condutas reiteradas de atos com a convicção da sua necessidade jurídica, findando em terminar como prática escrita na lei.
É preciso perceber que mesmo as leis, por mais extensas que sejam, nunca serão capazes de armazenar em seu conteúdo todas as variações que mudam de cultura para cultura. E essas mudanças que envolvem determinadas sociedades, deverão possuir validade jurídica, por isso encontramos casos em que o costume é aceite pelo juiz para dirimir litígios entre dois cidadãos.
Faz-se mister dizer que face à omissão legislativa cabe, então, ao juiz apreciar as fontes subsidiárias do direito. Efectivamente, ao juiz é facultado o poder de lançar mão a institutos auxiliares do direito, tais como: costume, analogia, equidade, etc..
Porém, é necessário falar que só se deve atribuir validade ao costume, quando houver insuficiência legal e o esgotamento de todas as formas prescritas em lei.
Pois bem, sem a convicção jurídica, o costume passaria a ser mera prática habitual da sociedade, sem arrogar para si, nenhuma condição de um exame conjeturatório minucioso.
Miguel Reale, ilustre catedrático brasileiro do Direito, disserta que “o costume só poderá ser aceite, quando houver decisão positiva dos Tribunais”. Realmente, o costume não gera direito, trata-se apenas de uma forma por onde encontramos a sua expressão, por isso necessita de exigibilidade. A exigibilidade parte das decisões dos Tribunais.
Um olhar minucioso deita por terra a suposição feita com relação à fiscalização da constitucionalidade proposto por alguns deputados sobre o caso Amadeu Oliveira caso o Tribunal Constitucional abandonar as leis e pendurar em costume. Não se pode falar em costume, pois em todos esses anos da democracia, pouquíssimas vezes se recorreu ao levantamento da imunidade de um deputado, o que inviabiliza e descaracteriza o conceito de costume jurídico. Tout court.
A prisão do Dr. Amadeu é fruto do défice de formação política, défice de conhecimento do regimento e défice de conhecimento de instrumentos fundamentais que regulam o País. A ligeireza a nível de Comissões e a nível do plenário permitiu que fosse ignorado um conjunto de preceitos constitucionais que não devia ser ignorado na tramitação do processo.
A nossa Casa Parlamentar está em total declínio. Existem deputados julgados e condenados a exercer funções parlamentares, deputados a maldizerem uns dos outros, a verbalizar de forma agressiva, incoerente e insana nas sessões parlamentares, situações que em Terras dignas seriam impossíveis. No entanto, embora seja uma prática ninguém pretende acostumar a este tipo de comportamento, e menos ainda transformar esses atos miseráveis em regras e leis.
Considerando o princípio democrático que emana do princípio do Estado de Direito é inaceitável que o Tribunal Constitucional, que tem o direito de proteger os nossos direitos constitucionais, permita e fomente atropelos à Nossa Constituição. Não se pode permitir que as nossas instituições desmoronem por causa do orgulho, caprichos e cooperativismo, de pessoas que ao nosso ver não representam a voz da razão.
É verdade que os costumes tecem as leis, entretanto, costumes e práticas não são leis. Para serem devem ser traduzidas e transformadas em lei, aprovada no Parlamento e para que seja implementada tem que ser regulamentada. Dito por outras palavras, é irrelevante como os deputados estão acostumados a agir perante uma situação como a especulada na hipótese do Dr. Germano Almeida.
O que realmente interessa ao cidadão está estipulado na Constituição da República. Decidir judicialmente baseado em costume, ultrapassando todos os procedimentos legais (logo, não se esgotaram todas as formas prescritas na lei) representaria um retrocesso não só das nossas instituições como também da evolução da espécie humana.
O corporativismo judicial é, sem dúvida, um mecanismo de injustiça. Se sabe que o processo Amadeu Oliveira foi mal concebido, e que para mantê-lo encarcerado requer de esforços desumanos. A manutenção da sua prisão preventiva nos permite enxergar com mais clareza a vingança, o odio e a verdadeira intenção das instituições judiciais cabo-verdiana.
Constantemente as leis estão a ser usadas de forma desvairada e promíscua e que em nada abona a nossa sociedade.
Exemplos não faltam. Meses atrás os tribunais permitiram que dois indivíduos que se encontravam em prisão preventiva por alegado crime de homicídio permanecessem em TIR, alegando falhas processuais. Permitiu que vendedores abusivos de terrenos públicos, esperassem o julgamento em liberdade, entretanto no caso Amadeu Oliveira insistem na permanência do mesmo em prisão alegando perigo de fuga.
O ‘cinismo’ do sistema
Com veste para se parecer transparente e de querer permitir o ‘jogo limpo’ entre as partes, dando vez e voz a arguidos com processo à espera de decisão do recurso, o Supremo Tribunal de Justiça deu ao Amadeu Oliveira o prazo de 24 horas para responder o despacho do reexame da Prisão preventiva, quando o prazo, regra geral, é de oito dias! Mais uma barbaridade feita em nome da lei.
Quer dizer, dá como uma mão e tira com a outra, um exercício simples como amarrar a cenoura na ponta da vara e enganar o burro que persegue ‘ad infinitum’ o legume, enquanto Sancho Pança atinge o seu propósito: chegar ao destino sem açoitar o animal, que é como quem diz, o sistema alcançar a verdade instituída pelos juízes que julgaram o Dr. Amadeu em contramão com todos os procedimentos postulados na Constituição da República, Código do Processo Penal e Declaração dos Direitos Humanos.
O mais caricato e inusitado deste despacho de reexame de prisão preventiva, é que se constatou que a decisão partiu só de uma juíza, quando deveria ser do coletivo de três Juízes.
Também se verifica uma total omissão de pronúncia em relação às questões suscitadas pela defesa, o que viola o nº 7 do Artigo 35 da CRCV que proíbe omissões processuais que afetam o Direito Fundamental a Audiência. O Tribunal Constitucional haverá de observar estes atropelos, desajustes, falhas e incoerências que levaram à injusta detenção e condenação do Dr. Amadeu Oliveira, propositadamente encarcerado para o silenciar, ou melhor, silenciar as verdades que o sistema não quer admitir.
Não podemos aceitar essa forma de fazer justiça. A justiça deve ser feita em nome do povo, não para alimentar o ego de Juízes.
Sociedade Civil
(5000 assinaturas, Cabo Verde e Diáspora)
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