Apelar bom senso e o espírito de sacrifício aos Professores, profissionais que já vivem com grandes dificuldades e sacrifícios, é falta de bom senso e revelador do desconhecimento da vida sacrificada em que levam os Professores Cabo-verdianos. Provavelmente, são os únicos profissionais neste país que, para trabalharem bem, com materiais didáticos de que precisam, sobretudo os do Ensino Básico, sentem-se na obrigação de gastar parte significativa dos seus magros salários na aquisição de materiais, sem se esquecer as despesas com a Internet.
Fala-se da greve dos Professores e, em reação, através do jornal da noite da TCV, do dia 28, reage o Governo, primeiro, pela voz do Ministro da Educação, dizendo o seguinte: (…) apelo ao bom senso e o sentido de solidariedade aos Professores, neste contexto muito difícil! (…) é preciso ter a noção do país em que vivemos! (…) é preciso termos a solidariedade nacional …! Mais à frente, por sua vez, diz o Primeiro-Ministro que (…) temos de ter a compreensão do momento em que vivemos …!
São reações normais e tudo o que disseram é verdade. No entanto, não deixam de ser reações inquietantes pela carga de incoerência que aportam. O Estado e os seus principais dirigentes, designadamente, o Governo, devem ser os primeiros a dar sinais de reconhecimento da situação difícil por que o país se passa; cultivar o bom senso e revelar o sentido de compreensão do momento difícil em que vivemos, através de atos concretos! É preciso, neste país, aprendermos a alinhar o discurso com a prática, sob pena de continuarmos a assistir o descredito do Estado e das suas estruturas, por parte dos cidadãos. As elevadas taxas de abstenções nas eleições são exemplos que bem elucidam este quadro de descompasso entre o discurso e a prática. Mas mais do que as abstenções, é a pobreza que ainda afeta acentuadamente a muitos cabo-verdianos.
Temos um Governo formado por 28 membros, para um país com menos de meio milhão de população. Estudos internacionais têm demonstrado que os Governos pequenos são mais eficientes (maior eficiência na coordenação) e, consequentemente, mais eficazes. Esta é a tendência recente, por exemplo, na Europa. Se por acaso, o Governo atual, formado em plena crise pandêmica, fosse reduzido para metade (14 membros), estaríamos a poupar montante financeiro significativo ao Estado, o que daria um grande jeito à satisfação das reivindicações dos Professores. Mas há muito por onde cortar neste país se, de facto, queremos encarar, a sério, o seu desenvolvimento, alinhando os discursos políticos “arrojados” que pairam por aí com as ações práticas.
Não tenho a menor dúvida de que se os decisores políticos tomarem essa difícil, mas necessária, decisão de reconfigurar o Estado e as suas estruturas de modo que os recursos passem a ser canalizados, prioritariamente, para a resolução dos problemas deste país e não para o funcionamento das estruturas, os cabo-verdianos, particularmente os Professores, saberão reconhecer e, se for o caso de sacrificar um pouco, como apela o Governo neste momento, não terão dificuldades em sacrificar-se, para o bem de todos nós. Mas o Governo e todos os decisores políticos, no geral, têm de dar o exemplo, em primeira não!
Apelar bom senso e o espírito de sacrifício aos Professores, profissionais que já vivem com grandes dificuldades e sacrifícios, é falta de bom senso e revelador do desconhecimento da vida sacrificada em que levam os Professores Cabo-verdianos. Provavelmente, são os únicos profissionais neste país que, para trabalharem bem, com materiais didáticos de que precisam, sobretudo os do Ensino Básico, sentem-se na obrigação de gastar parte significativa dos seus magros salários na aquisição de materiais, sem se esquecer as despesas com a Internet.
Mas esta realidade de viver, permanentemente, com dificuldades e sacrifícios é extensiva aos Professores do Ensino Superior. Na Universidade de Cabo Verde, as reclassificações e, sobretudo, as progressões e promoções na carreira estão proibidas! Há dias, confrontado com a questão no parlamento, o Ministro da Educação disse que o Governo disponibiliza recurso à Uni-CV e que esta, no quadro da sua autonomia, faz a gestão. Habilidosamente, passou a bola à Uni-CV. No entanto, o próprio afirmou que a contribuição anual do Estado é inferior a 40%. Ora, a Uni-CV não consegue assegurar o desenvolvimento da carreira dos seus profissionais, e nem contratar novos docentes e funcionários, exatamente, porque o recurso que recebe do Estado é, manifestamente, pouco! É certo que, enquanto instituição autónoma, tem de poder mobilizar os seus próprios recursos, mas para isso, primeiramente, o Estado tem de a capacitar, realizando os investimentos necessários nesta fase inicial.
Estudos vários têm demonstrado que o fator-chave para uma boa educação é o Professor, Professor bem qualificado, estimulado e valorizado socialmente. Assim tem acontecido nos países com melhores sistemas educacionais do mundo e, logo, dos mais desenvolvidos.
Uma Política Nacional para a Docência, precisa-se em Cabo Verde! Os Professores precisam ser valorizados e colocados na linha frente, nas dinâmicas do processo de desenvolvimento deste país! É preciso fazer dessa profissão, uma profissão de prestígio, com todo o rigor e cuidado necessário, é certo, mas só assim, estaremos, verdadeiramente, a investir, através da Educação, no Capital Humano e na Produção do Conhecimento, fatores sem os quais não há o tão desejado e propalado desenvolvimento do nosso país. Portanto, não pedem mais sacrifícios aos Professores! Reforcem os investimentos em salários; na melhoria de condições de trabalho, nos estímulos e prestígio social dos Professores Cabo-verdianos e fazem de nós os verdadeiros construtores deste país, à semelhança do que aconteceu e acontece, por exemplo, em Singapura, Finlândia, Coreia do Sul, Japão, entre tantos outros.
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