A Assembleia Nacional aprovou a prorrogação por 90 dias dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o processo de privatização da Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV), conforme resolução que entrou hoje em vigor.
Na proposta de resolução discutida no parlamento na segunda sessão parlamentar de julho, que terminou na passada sexta-feira, era alegado que o prazo concedido à CPI (180 dias) mostrou-se “insuficiente”, pedindo por isso a prorrogação do prazo inicial por mais 90 dias a contar a partir de 07 de setembro.
A resolução que aprovou o prorrogamento dessa comissão de inquérito foi publicada esta quarta-feira, para entrar em vigor no dia seguinte, conforme Boletim Oficial consultado pela Lusa.
Esta CPI foi solicitada em fevereiro deste ano pelo Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição desde 2016), que, entretanto, acusou o Governo de não fornecer documentos necessários aos trabalhos da comissão, o que levou por várias vezes a troca de acusações no parlamento com os deputados do Movimento para a Democracia (MpD, no poder).
Desde que iniciou funções, os deputados desta CPI já ouviram vários antigos administradores da TACV, bem como a atual presidente do conselho de administração, Sara Pires.
Durante este período, paralelamente, a companhia ficou temporariamente impedida de voar para a Europa, por não ter renovado um certificado, e viu o Governo anunciar um acordo extrajudicial com os islandeses da Icelandair, que lideraram a TACV entre março de 2019 e julho de 2021, devido ao processso que envolveu a sua renacionalização.
Ainda durante a vigência desta CPI, a TACV chegou a acordo com a angolana TAAG para alugar um Boeing 737-700, com o qual já está a voar para Portugal e viu, em julho, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estimar que a companhia vai precisar de 30 milhões de euros do Estado até 2023.
Segundo informação prestada em fevereiro último pelo presidente da Assembleia Nacional, Austelino Correia, esta CPI estava em condições de avançar depois de a Procuradoria-Geral da República ter confirmado que o seu objeto “não colide” com eventuais matérias em investigação.
De acordo com o teor da resolução que a constituiu – de teor obrigatório - esta CPI visa também analisar a liquidação da operação da TACV nos voos domésticos, que desde novembro de 2016 passaram a ser assegurados apenas por uma única companhia aérea privada.
Em março de 2019, o Estado de Cabo Verde vendeu 51% da TACV por 1,3 milhões de euros à Lofleidir Cabo Verde, empresa detida em 70% pela Loftleidir Icelandic EHF (grupo Icelandair, que ficou com 36% da Cabo Verde Airlines – nome comercial da companhia) e em 30% por empresários islandeses com experiência no setor da aviação (que assumiram os restantes 15% da quota de 51% privatizada).
Entretanto, na sequência da paralisação da companhia durante a pandemia de covid-19, o Estado cabo-verdiano assumiu em 06 de julho de 2021 a posição de 51% na TACV, alegando vários incumprimentos na gestão, e dissolveu de imediato os corpos sociais.
Em 26 de novembro, a Loftleidir Cabo Verde anunciou que deu início a um processo arbitral contra o Estado cabo-verdiano alegando “violação dos acordos celebrados entre as partes”, face à renacionalização da companhia aérea de bandeira TACV.
Entre vários argumentos, os deputados do PAICV subscritores da criação desta CPI apontaram “indícios” de que o grupo privado islandês “usufruiu indevidamente de recursos do Estado de Cabo Verde”, e classificam esta privatização como um “negócio leonino”.
“Na verdade, o Estado/Governo, apesar de não ter recebido um único tostão pelo negócio da privatização da TACV/CVA, atribui, pelo menos, quatro avales à CVA, estimados em mais de sete milhões de euros, injeção indireta de capital público que nunca estabilizou a empresa financeiramente”, lê-se.
Entre várias questões colocadas no requerimento, o PAICV quer saber com esta CPI, que terá 180 dias de funções após a sua posse, “qual foi o custo resultante da renacionalização dos TACV”, em julho último, após o impacto da pandemia nas ligações aéreas, e pede vários documentos e relatórios.
“Há indícios de que o Governo agiu de forma contrária à defesa dos interesses públicos nacionais”, aponta o requerimento inicial, apresentado pelos deputados do PAICV.
A TACV suspendeu os voos comerciais em março de 2020, devido às restrições nos voos para conter a pandemia de covid-19 e só retomou a operação, já de novo nas mãos do Estado cabo-verdiano, em dezembro passado, ao fim de 21 meses, com ligações entre a Praia e Lisboa, alargadas já este ano da capital portuguesa também às ilhas do Sal e de São Vicente.
O primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, anunciou entretanto que a companhia vai ter mais uma aeronave ao serviço, para reforçar os voos internacionais, embora sem avançar datas.
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