No debate sobre o turismo, realizado esta quarta-feira, 26 de junho, com o primeiro ministro de Cabo Verde a líder do PAICV, Janira Hopffer Almada, desafiou o governo a trabalhar para vencer o desafio da competitividade no sector que é considerado o motor do desenvolvimento das ilhas, contribuindo com 25% para a riqueza nacional.
Num tema proposto pelo maior partido da oposição, Janira Hopffer Almada questionou o executivo sobre como tenciona atingir a meta de um milhão de turistas se a oferta de voos entre os principais mercados de voos é dominado por duas ou três companhias 'charters', essencialmente para as ilhas do Sal e da Boavista.
"Como, se o transporte inter-ilhas - agora em monopólio [da Binter Cabo Verde] - é insuficiente, ineficaz e pouco previsível, e os preços das passagens são tendencialmente elevados?", questionou a líder partidária.
A deputada classificou ainda de "constrangimento crítico" a concentração da oferta hoteleira em duas ilhas e numa tipologia, sol e praia.
"Se queremos apostar seriamente no desenvolvimento do turismo, temos que enfrentar, com determinação, os desafios da diversificação da oferta, do aproveitamento das potencialidades de cada ilha, da potencialização de cada recanto do país, da inserção dos cabo-verdianos nesta cadeia de produção de valores e da projeção de outros setores com efeitos diretos na vida das pessoas", apontou a líder do maior partido da oposição cabo-verdiana.
Confira a intervenção da líder do PAICV.
"Senhor Primeiro-Ministro,
Cabo Verde sempre foi um país de morabeza, bafejado pelo sol e acarinhado pelas águas límpidas do oceano!
Cabo Verde sempre teve um Vulcão – o Vulcão do Fogo.
Cabo Verde também sempre teve belíssimas montanhas que se cobrem de verde, nas épocas de chuva – quando há chuva – e que mantêm a sua beleza nas épocas de seca, com a eterna esperança que caracteriza o cabo-verdiano.
No entanto, e apesar destas maravilhas, há 20 anos atrás o turismo não era o motor da nossa economia, como acontece hoje!
Cabo-verdianos de Santo Antão à Brava, e na nossa Diáspora,
Nós sempre confiamos em Cabo Verde!
Nós sempre estivemos conscientes das nossas potencialidades.
E sentíamos – como sentimos - que esta Terra tem qualquer coisa de especial, que não se consegue explicar, mas que faz com que todos que aqui venham queiram voltar.
Era preciso, então, trazer os Turistas a Cabo Verde, para se apaixonarem por este sol, por estas Praias e pela nossa morabeza!
Mas, como fazê-los cá chegar?
Para que o sol, o mar, as praias, o vulcão e as montanhas pudessem integrar os nossos postais, transformando-se num chamariz para milhares de turistas, foi preciso acreditar, ultrapassar dificuldades e vencer barreiras.
Foi preciso acreditar! Foi preciso construir uma Visão, definir uma Estratégia, Implementar medidas de política e avançar.
Avançar, desde logo, com as Infraestruturas Gerais que o país precisava.
E foi assim que foi construída uma rede de portos e aeroportos… mesmo quando outros questionavam esta opção, pondo em causa, por exemplo, a construção dos Aeroportos Internacionais da Boavista e de São Vicente ou apoucando a construção do Aeroporto Internacional da Praia.
Foi assim que foram ampliados e modernizados os aeródromos de São Nicolau, do Maio e do Fogo, mesmo perante o desagrado da então Oposição na altura.
Foi assim que foram construídos mais de 500 Km de estradas asfaltadas, mesmo perante vozes que diziam que as estradas não se comiam.
E foi assim que se investiu fortemente em infraestruturas para mais água e mais saneamento, através de dois MCA, mesmo perante a feroz campanha contra, feita por Deputados da então Oposição, que envidaram robustos esforços para que esses apoios não chegassem a Cabo Verde.
Para além das infraestruturas gerais, a governação anterior não esqueceu a aposta na produção de água e energia, e a capacitação dos recursos humanos, para que tivéssemos mais e melhores condições de formação, na perspetiva de qualificarmos a prestação dos serviços turísticos, e, consequentemente, o nosso destino turístico.
Fez-se sim! Fez-se muito!
E se fez com convicção, porque o Povo destas Ilhas merece o melhor que o Governo – qualquer Governo – puder fazer por este País.
Por isso mesmo:
- Passamos de 88 estabelecimentos em 2000, para 233, 3m 2016 (triplicou).
- Passamos de 2.391 quartos, em 2000, para 11.000, em 2016 (cresceu 5 vezes).
- Passamos de 145.076 entradas em 2000, para 650.000, em 2016 (quadriplicou).
- Passamos de 684.733 dormidas, em 2000, para 4.000.000, em 2016 (cresceu 5 vezes).
Não foi obra do acaso! Foi resultado do trabalho dos cabo-verdianos – todos - que se engajaram numa visão e numa agenda de transformação, que conseguiu optimizar aquilo que a natureza nos deu, para servir o País e as suas gentes!
Foram lançadas bases sólidas, que demonstraram, na prática, com números, de que o caminho escolhido era o adequado.
Mas, é evidente que não foi feito tudo. Não seria possível fazer tudo, pois o desenvolvimento é uma cadeia de acontecimentos, que faz emergir, a cada momento, novos desafios e novas ambições.
Mas, e agora?
Senhor Primeiro-Ministro,
Há desafios, no Turismo, que o seu Governo tem de assumir, com coragem!
Há constrangimentos que o seu Governo não pode continuar a esconder, sob pena de não serem ultrapassados.
Peço-lhe, pois, que façamos um Debate de ideias, com base na verdade e em dados reais.
Peço-lhe que respeitemos o povo que nos elegeu – cada um na sua função - e que sabe, perfeitamente, aquilo que foi feito, aquilo que não foi feito, aquilo que foi prometido e aquilo que deve ou pode ser feito, agora!
O “Agora” e o “Amanhã” obrigam-nos a ser responsáveis, recusando a baixa política, elevando a nossa postura, e demonstrando, cada um de nós, o que estamos dispostos a fazer por este País e, neste Sector, em particular.
E o “Agora”, Senhor Primeiro-Ministro, obriga-nos a perguntar se estamos a vencer o desafio da competitividade!
Se assim é, qual a nossa disponibilidade de recursos culturais e de recursos naturais?
Que trabalho o seu Governo está a fazer para melhorar a nível da saúde e do saneamento?
Que respostas o seu Governo tem em curso para, de facto, dar as respostas que o país precisa a nível da segurança?
Qual é o nível de prontidão das TIC?
Qual a disponibilidade de recursos humanos e que prioridade tem sido dada aos sectores de viagens e turismo, nas políticas do seu Governo?
Senhor Primeiro-Ministro,
Temos o dever de pensar no “Hoje” e no “Amanhã”!
E o Amanhã nos impele a perguntar se estamos a vencer o desafio da sustentabilidade no Turismo!
O que o seu Governo está a fazer pra reduzir os elevados custos de contexto (como na electricidade e na água), garantindo, assim, a sustentabilidade económica do turismo?
O que o seu Governo está a fazer para garantir a participação dos produtores locais na cadeia de valor do turismo?
Que tipo de sustentabilidade social o seu Governo está a garantir neste Sector?
Que investimentos públicos fez o seu Governo nestes 3 anos, e com 4 OE aprovados, para propiciar o equilíbrio social desejado, e inibir o surgimento de bairros degradados, ou a sobrecarga das infraestruturas de saúde, educação e saneamento?
E que sustentabilidade ambiental o seu Governo está a promover, para que a médio e longo prazo a sobrecarga turística não afecte, negativamente, os frágeis equilíbrios ambientais do ecossistema do nosso arquipélago?
Caros cabo-verdianos,
Não podemos nos esquecer que o nosso Turismo é caraterizado por diversas concentrações. Concentração na origem, no destino, nos operadores, nos transportadores e nos fornecedores de produtos.
Mas, ainda mais importante do que constatar esse factor critico, é analisar, hoje, quais os impactos do Turismo na melhoria das condições de vida dos cabo-verdianos.
O Governo vem nos dizer que a sua meta é chegar a 1 milhão de turistas até 2021 e esta meta sempre se revelou possível! Aliás, esta meta já foi mais ambiciosa – 1 milhão e 200 mil turistas até 2021, com o País a crescer a 1%!
Mas, não nos diz como pretende fazer isso, de forma sustentável e com impactos positivos na vida dos cabo-verdianos!
Por isso perguntamos:
Como conseguir isso, se, passados 3 anos, o Governo prefere se esconder na propaganda, e não começa efectivamente a trabalhar para resolver os constrangimentos nos ACESSOS?
Como, se a oferta de voos entre os principais mercados de voos é dominado por 2 ou 3 Companhias Charters, essencialmente para as Ilhas do Sal e da Boavista?
Como, se o transporte inter-ilhas – agora em monopólio - é insuficiente, ineficaz e pouco previsível, e os preços das passagens são tendencialmente elevados?
Como, se a nível dos transportes terrestes/urbanos de passageiros, orientados para o turismo, temos uma deficiente organização, regulação e fiscalização?
Como, se passados 3 anos e a nível das INFRAESTRUTURAS GERAIS, o Governo não apresentou uma política consistente de habitação, e nem está a ajustar à procura (actual e potencial) os serviços de educação, de saúde e de saneamento?
Como, se passados 3 anos e a nível das INFRAESTRUTURAS TURISTICAS, o Governo ainda não entendeu que a concentração da oferta hoteleira em 2 Ilhas e em uma tipologia é um constrangimento critico?
Como, se passados 3 anos, e apesar dos avanços a nível de formação de mão-de-obra para o sector, o Governo não compreendeu que ainda persistem desafios de qualificação do pessoal ao longo de toda a cadeia de valor do turismo?
Se queremos apostar seriamente no desenvolvimento do turismo, temos que enfrentar, com determinação, os desafios da diversificação da oferta, do aproveitamento das potencialidades de cada ilha, da potencialização de cada recanto do país, da inserção dos cabo-verdianos nesta cadeia de produção de valores e da projecção de outros sectores com efeitos directos na vida das pessoas.
Caros cabo-verdianos,
Para nós, o Turismo deve ser encarado como um meio para melhorar as condições de vida dos cabo-verdianos. Não como um fim, em si mesmo!
Por isso mesmo, defendemos que os objetivos do Governo e as políticas públicas para os alcançar deveriam ser orientados no sentido de se maximizar o impacto do turismo no bem-estar dos cabo-verdianos, numa perspetiva sustentável e inclusiva."
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