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Operação voo da águia – Primeira parte
Cultura

Operação voo da águia – Primeira parte

I CENA

No salão de cabeleireiro «Giselay», por volta das 19h00, Droganesa está sentada a arranjar o cabelo. Moringo para um Jipe topo de gama à porta do «Giselay», entra, diz “boa noite”, senta-se com os pés cruzados e fica a ver televisão.

GISELA – Estou quase a despachar-me, compadre.

MORINGO – Pode estar à vontade. Fico a ver televisão.

Gisela acaba de arranjar o cabelo à Droganesa, lava as mãos e vai cumprimentar Moringo. Droganesa fica de pé atrás dela.

GISELA – Compadre, esta é uma amiga. (Para Droganesa) Droganesa, este é um compadre meu.

DROGANESA (estende-lhe a mão) – Prazer… o meu nome é Droganesa.

MORINGO (levanta e dá-lhe dois beijos) – Chamo-me Moringo. Prazer em conhecer-te.

GISELA – Quer ir connosco beber um cafezinho? (Para Droganesa) Desculpa-me por este atrevimento.

Droganesa sorri.

MORINGO – Se fazem questão… (Saem à rua) vamos a pé ou querem boleia?

DROGANESA – Se nos dá boleia… vamos de carro. Estou farta de andar sobre solas!

GISELA – É aqui já, Droganesa!… Para quê irmos de carro?

MORINGO – A não ser que queiram dar uma volta para mais longe…

DROGANESA – Por mim, podemos ir beber água de coco lá no Falucho.

GISELA – Em Santiago… agora?!

MORINGO – Não há crise… se quiserem!

DROGANESA – Da minha parte também não há problema. Não tenho filhos pequeninos!

MORINGO – E marido?

DROGANESA – Marido?!… Não sei se tem-no Deus ou Satanás.

MORINGO – Porquê? És viúva?

DROGANESA – Mais ou menos.

MORINGO – Desculpa-me, mas o teu marido era o homem mais descuidado deste mundo!

DROGANESA – Porquê? Tu o conhecias?

MORINGO – Deixar uma máquina destas, sozinha no mundo a enferrujar! Acredito que esteja mas é no inferno.

Dão todos, umas gargalhadas.

GISELA – O meu compadre não deixa das suas brejeirices.

Moringo abre a porta do carro com o comando à distância. Gisela senta-se do lado do pendura e Droganesa no banco de trás. Arrancam.

II CENA

Na esplanada do Falucho, em cima de uma mesa estão três «cocos de água» preparados com palhinhas, três latas de coca-cola, uma garrafa de whisky velho, três copos, uma travessa com postas de moreia frita e uma pequena caixa térmica com gelo.

DROGANESA (põe-se de pé) – Dêem-me licença, vou à casa de banho!

GISELA – Também vou. (Levanta-se) Há muito que estou aflita.

MORINGO – Por isso que as mulheres não vão à tropa. Dizem que antes, iam. Que uma vez, durante a guerra, uma delas foi urinar e todas as outras a seguiram. Os inimigos surgiram e tomaram o quartel sem muito esforço. (Elas riem-se e saem, Moringo aproveita e telefona ao Djondjon) Alô!

DJONDJON [V. O.] – Diz coisas, Mórings.

MORINGO – Estás onde?

DJONDJON – Estou a descer a estrada nova, a caminho da Assomada.

MORINGO – Vais fazer o quê em Assomada?

DJONDJON – Oh, rapaz!… esqueceste que hoje é fim-de-semana?!

MORINGO – Estás sozinho?

DJONDJON – Sim.

MORINGO – Então vem ter comigo ao Falucho! Estou aqui a beber água de coco com a Gisela e mais uma amiga.

DJONDJON – A Gisela está aí contigo?

MORINGO – Neste momento ela e a amiga foram à casa de banho.

DJONDJON – Chego já. Estou à entrada do Porto.

MORINGO – Então até já.

DJONDJON – Até já.

Gisela e Droganesa voltam da casa de banho e sentam-se nos seus respetivos lugares. Gisela olha para a entrada e vê Djondjon a aproximar-se.

GISELA – Olha quem vem aí!

Moringo e Droganesa olham para Djondjon.

DJONDJON – Vêm ao Falucho e não convidam o amigo!

GISELA – Para quê convidar-te? És como uma centopeia! Apareces sempre quando menos te esperam. Tenho que saber se não és bruxo. Se não tens rabo.

DJONDJON – Se queres saber se sou ou não bruxo, baixo as calças e mostro-te que só tenho um furo. Eu tenho um rabo só, no sítio onde todos os homens têm.

Djondjon cumprimenta a todos, senta-se e a Empregada vai ter com ele.

EMPREGADA – O que é que sai, Djondjon?

DJONDJON – Traz-me um copo e um coco de água.

EMPREGADA – E vocês não precisam de mais nada?

GISELA – Mais nada. Muito obrigada.

DJONDJON – Qual é o destino… depois daqui?

GISELA – Praia Maria, direto.

DJONDJON – Tu já estás cota, rapariga!

GISELA – Eu… cota?! Só tenho 22 anos.

DJONDJON – Nem parece. Uma jovem de 22 anos a pensar ir para a cama tão cedo, num fim-de-semana?!

MORINGO – Comadre, hoje você não vai tão cedo. Daqui vamos para o Sonho de Ontem e depois deixo-a em casa. E tu, Droganesa, também queres ir já para cama?

DROGANESA – Eu não! Quando saio para a paródia… é até nascer o próximo sol. (Para a Gisela) Fica connosco. O ambiente está tão bom!

GISELA – Só se o Djondjon jurar que não me vai chatear a cabeça.

DROGANESA – Chatear-te a cabeça… como?

MORINGO – Ela está a dizer assim, porque Djondjon anda atrás dela.

GISELA – Oh, Gisela… chatear-te por isso?

DJONDJON – Eu já lhe disse que se não quer que a chateie, que aceite namorar comigo. Ela sabe que eu gosto dela.

DROGANESA – “Ela sabe que eu gosto dela…” Que palavras românticas!

GISELA – Palavras românticas, agora. Quando tudo estiver nos strings, vais ver. Vais perguntar-me porque é que tenho um olho negro, ou porque uso óculos escuros.

Riem-se às gargalhadas. A Empregada chega com a serventia.

III CENA

Droganesa está sentada em cima da cama, em camisa de noite. Acaba de rezar o Pai Nosso e de se persignar, o telemóvel toca.

DROGANESA (olha para o visor do telemóvel) – Oi Gisela!

GISELA [V. O.] – Tenho saudades tuas. Agora muito poucas vezes vens visitar-me!

DROGANESA – Talvez passe aí amanhã. Tenho uma coisa para te contar.

GISELA [V. O.] – Ah, é! Coisa boa?

DROGANESA – Não me parece. Estou mesmo preocupada.

GISELA [V. O.] – O que se passa? Também estás a deixar-me preocupada.

DROGANESA – Já passou uma semana e o período… nem sinal.

GISELA [V. O.] – Isso é boa notícia, minha amiga! Estás grávida?

DROGANESA – Mas eu não quero ter um filho agora. Não estou preparada. Sabes que tenho um, e que sempre fui mãe e pai sozinha.

GISELA [V. O.] – Deus é que dá o pão, minha amiga. Cada filho que vem ao mundo, vem já com o seu.

DROGANESA – Isso é pretexto dos pobres para poderem ter muitos filhos. Foi assim que o meu pai teve 30, e fez 15 à minha mãe.

GISELA [V. O.] – Porque não fazes o teste, para teres a certeza?

DROGANESA – Já fiz. Deu positivo. (Ela sente o Moringo a meter a chave na porta) Depois falamos. O Moringo acabou de chegar.

GISELA [V. O.] – Ok. Mas acredita que já fiquei muito contente.

O Moringo entra com um saco cheio na mão.

DROGANESA – Oi, meu amor, tudo bem?

MORINGO (dá-lhe o saco) – Guarda-me isto bem guardado.

DROGANESA – O que tens aqui dentro?

MORINGO – Dinheiro.

DROGANESA – Tanto dinheiro assim?! Por que não guardas no banco?

MORINGO – Dá muita chatice… se quiser comprar uma coisa tenho que ir fazer levantamentos… não tenho paciência.

DROGANESA – Ok. Eu guardo-o.

MORINGO – Obrigado. (Abraça-a e dá-lhe um beijo) Vou ser franco contigo, querida. Este dinheiro é do esquema. Não posso guardá-lo no banco.

DROGANESA – Está descansado. Fica entre nós, no segredo dos Deuses.

MORINGO – Muito obrigado. És um amor.

DROGANESA – Posso sugerir-te uma coisa?

MORINGO – Podes.

DROGANESA – Quando te conheci, e soube que tinhas uma empresa de construção, fiz logo uma ligação com o meu trabalho. Como eu compro quintinhas, recupero-as e vendo, pensei que podíamos fazer sociedade. Já agora… porque não me pões a trabalhar contigo… não me metes no esquema?

MORINGO – Não penses nisso.

DROGANESA – Mas eu estou a precisar muito de dinheiro.

MORINGO – Há outras formas de ganhar dinheiro.

DROGANESA – Seria uma mais-valia para ti. Eu fui talhada para isso. Sou bonita, ambiciosa, determinada, organizada, perfecionista. Combinaria perfeitamente com o teu status.

Abraçam-se e caem em cima da cama.

IV CENA

Dia seguinte, a Droganesa fica deitada, Moringo levanta-se e veste-se.

DROGANESA – Fiz o teste de gravidez e deu positivo. Mas eu não quero ter esse filho. Deixa-me dinheiro que vou abortar.

MORINGO – Ok. Deixo-te dinheiro em cima da mesa.

Moringo acaba de se arranjar. Droganesa está de cara virada para a parede. Ele apanha o saco que lhe dera à noite para guardar e sai. Droganesa levanta-se, vai à sala e encontra uma nota de cinco contos em cima da mesa. Liga ao Moringo.

DROGANESA – O dinheiro que deixaste em cima da mesa é para quê?

MORINGO [V. O.] – É o dinheiro que me pediste.

DROGANESA – Cinco contos?!

MORINGO [V. O.] – Sim. Não tenho mais.

DROGANESA – Não achas que é uma ofensa, para uma mulher como eu?

MORINGO [V. O.] – Se queres, aceitas; se não queres, não aceitas.

DROGANESA – Volta imediatamente e vem buscá-lo de novo. Esse aí vai metê-lo dentro do cu. Sou mulher de mendigar cinco contos?!

MORINGO [V. O.] – Não tenho mais.

DROGANESA – Se não tens mais, estes aqui fazem-te falta.

Ela desliga o telemóvel e fica a resmungar. Vai à procura do saco e não o encontra. Arranja-se e sai.

V CENA

Conduz enquanto fala ao telemóvel.

DROGANESA – Olha!

MORINGO [V. O.] – O quê?

DROGANESA – Como os cinco contos que deixaste em cima da mesa te fazem falta, deixei-os lá e fui tirar uma maleta da tua casa.

MORINGO [V. O.] – O quê?!

DROGANESA – Tirei!

MORINGO [V. O.] – Se não fores lá pô-la imediatamente eu mato-te. Tenho 250 mil euros lá dentro.

DROGANESA – Tu não disseste que não tinhas dinheiro?

MORINGO [V. O.] – Já te disse. Dou-te um tiro!

DROGANESA – Dás-me um tiro?! Vou apresentar queixa na PJ por ameaça de morte. Se me acontecer alguma coisa, as pessoas já sabem! E vais ter de explicar como é que tens tanto dinheiro dentro de casa!

Ele desliga o telemóvel e ela fica a tentar ligar sem sucesso. Fica com medo.

VI CENA

Moringo chega a casa da Droganesa, furioso. Receando o agravar da situação, Droganesa usa um estratagema. Confessa-se arrependida e pede desculpas.

MORINGO – Onde está a maleta?

DROGANESA – Tem calma, querido.

MORINGO – Não há calma nem meia calma. Onde puseste a maleta?

DROGANESA – Já vi que não devia ter brincado contigo. Desculpa-me.

MORINGO – Brincar comigo?!

DROGANESA – Sim, meu amor. Eu estava a brincar contigo.

MORINGO – Então onde está a maleta?

DROGANESA – Está em tua casa. Eu só estava a brincar. Achas que eu ia tirar a maleta sem a tua autorização?

MORINGO – Ok.

DROGANESA – Já me perdoaste?

MORINGO – Já.

DROGANESA – Obrigada. (Dirige-se a ele e dá-lhe um beijo) Sabes como é a cabeça de uma mulher grávida!

MORINGO – Quanto é que custa um aborto?

DROGANESA – Numa clínica privada, com condições dignas, custa entre 20 a 25 contos.

MORINGO – Tive muitos prejuízos ultimamente. Só um brasileiro deu-me uma banhada em vários quilos.

DROGANESA – Eu também estou cheia de dívidas… não consigo dormir tranquila.

MORINGO – Então… se quiseres, fazemos assim: conheces a Lixívia, uma assistente de bordo dos TACV?

DROGANESA – Sim, porquê?

MORINGO – Ela pode dar um jeito.

DROGANESA – Em quê?

MORINGO – Levar droga para fora. Se conseguires convencê-la… orientamo-nos.

DROGANESA – Não sei se ela aceita. Aliás, não sei se terei coragem para lhe falar disso.

MORINGO – Não custa nada tentar. Fala com ela num sítio acantoado… sozinhas. Aí se ela arranjar estrilo não terá testemunhas.

DROGANESA – Ok. Vou telefonar-lhe e marcamos encontro num café.

MORINGO – Se falares bem com ela… não creio que ela irá recusar.

DROGANESA – Vou tentar.

MORINGO – Não vás direta ao assunto. Leva-a de voltas, só depois é que abres o jogo.

DROGANESA – Já tenho tudo pensado como lhe dizer.

MORINGO – Eu sei que não és nenhuma parva.

DROGANESA – Claro! As armas devem ser experimentadas antes de serem levadas para a guerra.

MORINGO – Desde que não gastes as balas todas em experiências…

Abraçam-se entre risos.

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