Comunicado da administração provoca ainda mais contestação interna na RTC
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Comunicado da administração provoca ainda mais contestação interna na RTC

O comunicado (sem data, mas tornado público na última sexta-feira) emitido pelo Conselho de Administração (CA) da Rádio Televisão Cabo-verdiana (RTC) e assinado pela PCA Karine Miranda, ao contrário de apaziguar os ânimos dentro da empresa, veio criar ainda mais contestação interna. O comunicado passa por cima de uma deliberação da ARC, que dá razão à diretora da TCV, Dina Ferreira, e condena a conduta do CA. E também não tem em conta o parecer do Conselho de Redação da televisão pública.

Passando por cima da deliberação da Autoridade Reguladora para a Comunicação Social (ARC), datada de 22 de outubro, onde se afirmava com toda a clareza que o CA da RTC praticou interferência na grelha de conteúdos da Televisão de Cabo Verde (TCV) e condenou a empresa ao pagamento de uma coima de 350 mil escudos, o Conselho de Administração reincide nas acusações à diretora da TCV, Dina Ferreira, passando também ao lado do parecer do Conselho de Redação, datado de 30 de outubro e subscrito por todos os seus membros, onde se consideram improcedentes as alegações do CA ao mover o processo disciplinar contra a jornalista e diretora da TCV, que assumiu funções na sequência de um concurso interno.

Trabalhadores contra a decisão do Conselho de Administração

O Conselho de Redação da TCV exige a “imediata anulação da decisão de suspensão” da diretora “por ausência de fundamento e violação dos princípios da boa administração pública”, reafirma a “defesa da independência editorial da TCV, enquanto valor inegociável do serviço público de televisão”, expressa “solidariedade total” com Dina Ferreira e anuncia que vai “implementar uma estratégia de concertação com os sindicatos, no sentido de mobilizar os trabalhadores da RTC para a reposição da legalidade e da normalidade do ambiente laboral” na empresa.

Voltando ao comunicado do CA da RTC, não deixou de chamar a atenção a advertência feita à Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC), quando se refere que o sindicato, antes de se pronunciar sobre o caso, “deveria primeiro pedir todas as informações necessárias à empresa, para evitar conclusões erradas ou baseadas em suposições”.

Jornalistas da TCV, ouvidos por Santiago Magazine, foram perentórios na avaliação: “o Conselho de Administração não tem mesmo noção do ridículo e da legalidade, já se havia permitido interferir nos conteúdos da grelha da TCV, agora pretende dizer à AJOC o que deve ou não deve fazer”.

O presidente da AJOC, Geremias Furtado, reagiu ao comunicado considerando que “todas as notícias sobre este caso tiveram origem num documento oficial do próprio Conselho de Administração da RTC, tornado público e largamente divulgado”, pelo que o jornalista deixa a pergunta no ar: “então, para quê ouvir o CA sobre o que já estava formal e publicamente assumido” por ele próprio?

Vaga de fundo em defesa de Dina Ferreira

O Conselho de Administração da RTC parece estar a conseguir o que, nos últimos anos, a luta sindical não havia alcançado: a unidade dos trabalhadores da empresa, neste caso, em solidariedade com a jornalista Dina Ferreira.

“As pessoas estão bem agitadas e isto é inédito”, refere uma das nossas fontes da RTC. Efetivamente, parece ser um sentimento geral que este Conselho de Administração já só o é do ponto de vista formal, “porque já perdeu a empresa”, é “um conselho que começou mal”.

É voz corrente que as pessoas colocadas à frente da empresa “não têm experiência nenhuma de gestão”, nem o mínimo sentido de liderança”. Um facto que “desde o início foi dando sinais”, referem as nossas fontes.

Pese essa circunstância, as nossas fontes esclarecem que “no início, todos nós fizemos vista grossa”, no entanto, “quando se trata de trabalhar com pessoas arrogantes, sem experiência e de má fé, as coisas acabam por descambar uma hora ou outra”. O que veio a acontecer mais cedo do que se esperava.

Depois, ainda segundo as nossas fontes, “há outra coisa, em relação a esta gente, que é a visão ideológica que eles têm”. Uma visão ideológica que “começa naquele conceito de que ‘nós somos os pais da democracia’ e que a democracia “é uma propriedade grupal”. E que “a liberdade de imprensa e as liberdades de uma forma geral, são muito boas de momento que não sejam contrariados”.

Factos indesmentíveis, reconhecidos pela ARC e por toda a gente

As alegações para a instauração do processo disciplinar a Dina Ferreira - que foram apenas subscritas pela PCA, Karine Miranda, e pelo administrador Vítor Varela, já que o administrador Humberto Santos se opôs - são consideradas improcedentes por toda a gente: a ARC, a AJOC e o Conselho de Redação da própria TCV. E começou com um incidente de ingerência do CA nos conteúdos da grelha da televisão pública, cujas decisões são exclusivas da diretora da TCV, como aliás decorre da própria lei.

Tudo começou com um contrato ilegítimo assinado pela administração (mais uma vez, sem a anuência de Humberto Santos) com uma empresa privada para a produção de um programa de informação, sem que Dina Ferreira tivesse sido consultada. Aliás, a diretora da TCV só veio a ter conhecimento da assinatura do contrato através da própria produtora privada, que a contactou.

Dina Ferreira recusou-se a colocar o programa na grelha, uma competência sua, e só após esse incidente é que o CA lhe enviou o contrato, através de um e-mail do administrador Vítor Varela. No e-mail, o administrador exigiu que a diretora colocasse o programa no ar. E foi nessa ocasião que, perante a insistência, Dina Ferreira reagiu, reiterando a sua recusa, e informou Varela que iria recorrer à ARC.

Na mesma semana, a diretora da TCV pretendeu realizar uma emissão em direto do Show da Manhã no Tarrafal, em Santiago, um programa com conteúdo editorial sem qualquer encargo financeiro para a empresa e sem qualquer intervenção administrativa ou comercial. No entanto, Vítor Varela indeferiu o direto, inviabilizando a disponibilização de meios técnicos, com a alegação que a diretora teria de pedir autorização.

Estes dois factos conjugados é que estiveram na origem do processo disciplinar que mereceu a deliberação da ARC, considerando que a jornalista tinha razão e que se tratava de uma clara violação da lei por parte do CA da RTC.

Aliás, convirá dizer que, em 41 anos de existência, foi primeira vez na história da TCV que um conselho de administração impediu a realização de um programa na área editorial.

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