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Eleições autárquicas. Entre a luz e a escuridão
Editorial

Eleições autárquicas. Entre a luz e a escuridão

O governo de Ulisses não tem sido capaz de perceber o significado e os fundamentos da palavra SERVIR. E isto, convenhamos, não pode ser tolerado. Servir é sobretudo prestar contas. Não sendo capaz de servir, Ulisses não serve para governar. Tão simples assim! Sem mágoa, sem rancor, o evento de amanhã é o prenúncio do fim de um governo que anda há 8 anos desventrando Cabo Verde. As eleições autárquicas de amanhã são sobretudo uma oportunidade de escolha entre a escuridão e a luz. Haja discernimento!

A campanha para as eleições autárquicas terminou, ontem, sexta-feira. Hoje, sábado, é o dia reservado para reflexão dos eleitores.  A ida às urnas é amanhã, domingo.

Todos os cabo-verdianos residentes nas ilhas são chamados a exercerem o seu direito de voto. O futuro de Cabo Verde precisa do voto de todos os seus filhos no dia 1 de dezembro.

Registe-se que estas eleições assumem um significado particular no processo de desenvolvimento de Cabo Verde e na formatação do nosso futuro coletivo, na medida em que os cabo-verdianos não estarão a escolher apenas os órgãos do poder local, antes estarão a escolher que partido será o próximo governo de Cabo Verde em 2026.

A maior fragilidade da nossa democracia é a sua bipolaridade. Estamos “presos” – por livre escolha nossa, diga-se de passagem - entre o MpD e o PAICV. E vamos continuar nesta “prisão” por largos anos, não só porque os pequenos partidos não têm conseguido afirmar-se na sociedade, mas também, e sobretudo, porque o nosso ordenamento jurídico neste capítulo quase que inibe e conspira contra o crescimento de pequenos partidos… mas isso é conto para outro rosário.

Voltemos ao que interessa neste momento: o evento de amanhã é uma encruzilhada, onde a escolha será entre o passado e futuro, a escuridão e a luz.

Ora bem, votar nos candidatos do MpD é votar no passado. É votar na continuidade do Ulisses Correia e Silva e do seu MpD na liderança do país. Ulisses é seguramente o primeiro-ministro menos transparente que Cabo Verde já teve desde a Independência. Sendo a transparência a luz da democracia, estamos então a falar de um primeiro-ministro que simbola a escuridão para a democracia.

Ulisses chefia um governo que não presta contas. Um governo que faz negócios públicos, em muitos casos altamente prejudiciais para o país, e não dá cavaco a ninguém. Nem mesmo aos eleitos parlamentares!

Os casos de opacidade do governo chefiado por Ulisses Correia e Silva são vários, mas vamos aqui refrescar a mente dos cabo-verdianos com alguns que foram, na perspetivas do autor destas linhas, os mais lesivos do interesse público e mais escandalosos no quadro do princípio da prestação de contas e transparência na gestão da coisa pública, premissas tão cara às democracias.

1. Manuais escolares. Foram encomendados a uma empresa com sede em Londres, consta que propriedade de uma parente do primeiro-ministro. Os manuais não reuniam as qualidades mínimas para serem aplicados no sistema de ensino. Os erros eram de tal monta, que dispensavam uma hipotética correção. O governo não teve outra saída e ordenou a sua retirada do “mercado”. A então diretora nacional de Educação acabou sacrificada, tendo sido demitida, supostamente a seu pedido. Os alunos e os professores ficaram completamente descobertos pelo sistema, perdidos numa selva sem cachorro. Até hoje nenhum cabo-verdiano conhece o desfecho deste processo. Foram milhares de contos do erário público – os valores nunca foram divulgados – geridos de forma nepotista, sem concurso e em claro desrespeito pelas leis da República.

2. Privatização dos TACV. O governo “vendeu” a companhia aos islandeses por 48 mil contos, fiado. Na ocasião, o vice-primeiro ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, anunciara nos órgãos de comunicação social que com este negócio o país passaria a contar, num horizonte de um ano e meio, com 11 boings cruzando o céu das ilhas. Quando questionado sobre os meandros do negócio, o governo fechou em copas, negou prestar informações, argumentando que o “contrato” estava “protegido” por cláusulas de confidencialidade. O que veio a acontecer depois todos os cabo-verdianos assistiram, de um dia para o outro os Islandeses foram-se embora, deixando todos nós a ver navios, sitiados no meio do oceano. Das informações que foram possíveis sair para a rua, sabe-se que os islandeses contraíram créditos perto de 40 milhões de euros, com o aval do governo, cujo paradeiro se desconhece, uma vez que na companhia, que se saiba e se vê, não foram investidos. Sabe-se também que as despesas de aluguer dos aviões que operaram durante esse período ficaram sob a responsabilidade do governo. Sabe-se ainda que após abandonarem Cabo Verde, os Islandeses intentaram uma ação judicial contra o governo. Tudo isso pode parecer grave, mas mais grave é que até este momento ninguém sabe absolutamente nada sobre o desfecho deste processo, altamente lesivo dos interesses dos cabo-verdianos. O governo não presta quaisquer informações aos outros órgãos do poder do Estado, nomeadamente o parlamento, mesmo sendo este o centro do poder político nacional.

3. Mercado do Coco. Uma obra do Ulisses Correia e Silva, iniciada em 2011, com um orçamento de 350 mil contos. Em 2020, quando o MpD perdeu a Câmara Municipal da Praia pelo PAICV, o Mercado do Coco já tinha consumido quase 1 milhão de contos do erário público. As várias tentativas da oposição e da sociedade civil cabo-verdiana no sentido de se obter informações sobre este processo não surtiram quaisquer efeitos. A bancada parlamentar do MpD chegou inclusive a negar uma proposta dos deputados do PAICV no sentido de autorizar e criar as condições logísticas e financeiras ao Tribunal de Contas para fazer uma auditoria, visando tirar o negócio a limpo e assim garantir aos cabo-verdianos o direito constitucional de serem informados sobre os negócios do Estado. O Mercado do Coco é a todos os títulos um escândalo e um crime financeiro. A grande maioria dos cabo-verdianos sente e pensa assim. Mas o governo de Ulisses continua a assobiar para o lado como se nada fosse com ele, numa omissão e opacidade inadmissíveis nas democracias.

4. Transportes Marítimos Inter-ilhas. É uma vergonha e um crime público o que acontece em relação a este dossier. O Governo despreza uma empresa e os armadores nacionais, concedendo a exploração dos transportes marítimos inter-ilhas a um grupo estrangeiro. Este grupo não faz qualquer investimento, não traz novos barcos, as operações saem do sofrível para medíocre ou mau, conforme os casos e momentos, mas a ninguém é sacada responsabilidades. Os prejuízos para a economia das ilhas, para o rendimento dos comerciantes e para a saúde mental e física dos cabo-verdianos são insuportáveis. Entretanto, a companhia recebe subvenções proibitivas do Estado, sem nunca prestar contas a seja quem for, com os cabo-verdianos “presos” nas ilhas, muitas vezes com pouca ou nenhuma oportunidade para realizar a sua vida e o seu negócio.

5. Emprego. Ulisses não foi capaz de criar emprego para os jovens. Ninguém tem dúvidas de que os jovens estão sem alternativas em Cabo Verde. A corrida para o estrangeiro é a única opção que resta a esta importante camada da sociedade cabo-verdiana. O país está a despir-se da sua força de trabalho. É uma situação dramática, mas o governo anda feliz porque esta corrida dos jovens para o exílio tem sido um alívio, na medida em que se traduz em menos pressão sobre a sua incapacidade de responder à demanda da sociedade. Um governo que vê a emigração dos jovens como uma alívio para a administração do Estado é um governo inconsequente e indigno da credibilidade e confiança popular.

6. Segurança. Os cabo-verdianos sentem-se inseguros. A criminalidade, em particular no que respeita à insegurança e à delinquência juvenil, mas também o desemprego, sobretudo entre os jovens, parecem ser, por esta ordem, as duas principais preocupações na capital cabo-verdiana e um pouco por todo o arquipélago. Pelo menos é este o traço comum de vários estudos publicados nos últimos tempos, de que sobressai o da Afrosondagem. Entretanto, o governo persiste com a narrativa de que o país está seguro, quando aquilo que os cabo-verdianos vivem e sentem é absolutamente diferente.

7. Obesidade do governo. Ulisses impôs ao cabo-verdianos um governo gordo, preguiçoso e despesista. Só a título de exemplo, em 2024 o governo orçamentou 700 mil contos só para passeios (o nome oficial é viagens e estadias). Para o próximo ano esta rubrica vai subir para 1 milhão e 100 mil escudos. Mas o governo não fica por aqui, prevê ainda um “saco azul” de mais de 6,4 milhões de contos destinados a serviços não especificados, violando uma das regras basilares do orçamento do Estado que é precisamente a especificação detalhada de despesas e receitas.

Estamos, pois, perante um governo que não consegue servir o país, antes serve-se do país. Efetivamente, o governo de Ulisses não tem sido capaz de perceber o significado e os fundamentos da palavra SERVIR. E isto, convenhamos, não pode ser tolerado. Servir é sobretudo prestar contas. Não sendo capaz de servir, Ulisses não serve para governar. Tão simples assim! Sem mágoa, sem rancor, o evento de amanhã é o prenúncio do fim de um governo que anda há 8 anos desventrando Cabo Verde.

 As eleições autárquicas de amanhã são sobretudo uma oportunidade de escolha entre a escuridão e a luz. Haja discernimento!

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SOBRE O AUTOR

Domingos Cardoso

Editor, jornalista, cronista, colunista de Santiago Magazine

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