Nesta segunda-feira, 06, o presidente da República de Cabo Verde foi distinguido em Lisboa com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Lusófona, num ato público que contou com a presença do presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa. José Maria Neves dissertou sobre o percurso de Cabo Verde, as fragilidades da democracia, o ascenso da extrema-direita e do discurso do ódio, e, à margem da cerimónia endereçou “recado” à governação.
Na cerimónia solene na Universidade Lusófona de Lisboa, José Maria Neves começou por citar Jean-Paul Sarte a propósito de um prefácio que escreveu para “Os condenados da terra”, de Franz Fannon: “cada geração deve, na relativa opacidade do seu tempo, descobrir a sua missão, cumpri-la ou traí-la.” E foi a partir dessa interpelação que o novo Honoris Causa fez o ponto de partida para uma reflexão sobre este nosso tempo, com um apelo urgente a esta geração.
Na sequência da citação de Sartre, o presidente da República considerou que “também nós [os cabo-verdianos] somos desafiados a descobrir qual é a missão que nos cabe assumir”, partindo da experiência das gerações anteriores que nos legaram “exemplos Luminosos”, que passou a referir: “a geração da criação, que deu nome às ilhas, inventou uma língua, modelou o corpo e a alma da Nação e testou-nos a bravura para superar as impossibilidades; a geração dos nativistas, que redescobriram as ilhas e pleitearam o direito à palavra, ao pão e à dignidade; a geração da claridade, que trouxe luzes e abriu caminhos novos para a liberdade de espírito; a geração da independência, que transformou a utopia em realidade soberana; e a geração da transição democrática, que consolidou instituições e abriu espaços à liberdade”.
Na intervenção intitulada "O Compromisso de uma geração", José Maria Neves alertou para a "policrise" global aprofundada pelas desigualdades e salientou que a missão desta geração é tripla: “resolver a pobreza e a crise climática, revigorar a democracia e construir um futuro partilhado de esperança”.
Travar a polarização a o ascenso dos extremismos
O presidente da República apontou, ainda, a “falha da democracia” ao não cumprir a “promessa de igualdade” e defendeu a necessidade de travar a polarização a o ascenso dos extremismos. Aludindo a Cabo Verde, disse ser prioridade "reaprender a discordar sem romper", fortalecendo a confiança institucional para garantir o bem comum. E, nesta linha, convidou à cidadania ativa e ao serviço ético, reafirmando que o caminho da Nação se constrói com pensamento crítico, cultura e a energia da juventude e da diáspora.
Alertando para o crescimento dos “movimentos extremistas e anti- sistémicos”, citando vários pensadores do passado e da atualidade, José Maria Neves alertou para “a polarização e o discurso de ódio”, tendo como consequência “a deterioração gradual da democracia” e dando exemplos: “governos que intimidam a imprensa, politizam instituições, perseguem opositores, manipulam a lei e exploram o medo”.
E considerou, ainda, que “mesmo onde a direita radical não chega ao poder, subsiste o risco de cedência a pressões nativistas e restrição das liberdades, como é o caso das leis anti-imigração, sem resolução das condições materiais que alimentam o descontentamento” dos povos.
Um “recado” à governação
No final da cerimónia, em declarações à Inforpress e aludindo ao seu futuro, José Maria Neves garantiu querer continuar a trabalhar e servir Cabo Verde, querendo ver uma democracia consolidada e com os problemas de energia, água e transportes resolvidos o “mais rapidamente possível”, setores que, para ele, são decisivos para a competitividade da economia e para aceleramento do ritmo de crescimento económico de Cabo Verde.
“É claro que são resultados da opção política do Governo, que tem toda a legitimidade para optar em termos de políticas públicas, mas, essas ineficiências acabam também por corroer os pilares da própria democracia”, alertou o presidente da República.
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