O Governo vai levar ao Conselho de Ministros um diploma que propõe um aumento milionário dos Suplementos Remuneratórios aos técnicos da DNRE a atingir os 80% do seu vencimento. A atual diretora, por exemplo, levará para casa no final do mês 450 contos limpos – 240 contos de salário mais 210 mil escudos de suplemento remuneratório. Para cobrir essa verba acessória paga acima do salário que esses técnicos já auferem, o Executivo, de acordo com a proposta a ser levada ao CM, assume a responsabilidade de suportar essa despesa milionária mensal de 58 mil contos (700 mil contos por ano) acima da já sobrecarregada máquina pública. A medida, polémica e desajustada da realidade do país, não é pacífica nem na DNRE.
Com os reajustes salariais no Banco de Cabo Verde (aumento de 17 e 18,4%) a martelar ainda na cabeça dos cabo-verdianos, Santiago Magazine descobriu que o Governo não só mantém de pé a proposta do novo Regime Jurídico dos Suplementos Remuneratórios do Pessoal da direção Nacional de Receitas do Estado como decidiu avançar com a sua aprovação.
O projeto de Decreto-lei a ser apresentado ao Conselho de Ministros nos próximos dias, e ao qual este diário digital teve acesso, tem data deste mês de Setembro. E vem confirmar, ou melhor, regulamentar as propostas avançadas por um estudo encomendado pelo secretário de Estado das Finanças, Alcindo Mota, e elaborado por Augusto Fernandes - na verdade, este seria o quarto de tantos outros para analisar esta questão, sendo que os dois primeiros, um feito por um técnico português da PriceWaterhouse e um outro do jurista Mário Silva, não foram levados adiante, apesar de receberem cada um 800 contos pelo trabalho, assim como Fernandes –, e sobre o qual Santiago Magazine já havia noticiado em Março deste ano.
Na proposta fica estabelecido que dos 58.705.709$00 de cobrança mensal de receitas, 46.499.251$00 devem ser canalizados para a distribuição dos Suplementos Remuneratórios aos funcionários da DNRE.
Ao todo, e vale sublinhar este dado, a reforma de remuneração acessória - define suplementos remuneratórios como sendo as resultantes de ajudas de custos, participação nos emolumentos, subsídios de deslocações, coimas, multas, custas e os demais legalmente previstos – abrange 379 funcionários, entre a Direção Geral das Alfândegas e a Direção Geral de Contribuições e Impostos, os dois organismos que formam a DNRE. No entanto, refere o estudo, os funcionários da DGCI sem licenciatura não são contemplados, o que não acontece nas Alfândegas onde todos os funcionários recebem desde há muito remuneração acessória conforme a sua categoria. A ideia do Governo é, precisamente, igualar os rendimentos dos técnicos da DGCI e dos das Alfândegas, mas não colhe a mesma aceitação desses dois sectores que enformam a DNRE.
Os cálculos elaborados e especificados no estudo de Augusto Fernandes, propõem que a Diretora Nacional de Receitas do Estado, Lisa Vaz, passe a receber mensalmente 210.000$00 em Subsídio Remuneratório, o que somado ao seu vencimento mensal de 240.000$00, passa a auferir ao final do mês 450.000$00, um aumento de 80 por cento sobre o seu ordenado. Igual valor de Suplemento Remuneratório passarão a receber os diretores gerais das Alfândegas e de Contribuições e Impostos, o que somado aos respetivos vencimentos mensais de 180.000$00 dará a quantia de 390.000$00 por mês. Com a diferença de que os da aduana já ganham de acordo com esta tabela proposta.
Para os diretores de serviço o Suplemento Remuneratório previsto é de 146.000$00 mensais. Os técnicos das receitas terão mais 145 contos sobre o seu ordenado mensal.
Os limites dos Suplementos Remuneratórios propostos pela consultoria obedecem à tabela salarial prevista no Decreto-Lei nº 8/2021. Fixaram-se em 210.000$00 mensais para a Diretora Nacional e os Diretores Gerais, 190.000$00 mensais para os Diretores de Serviços ou equiparados, 180.000$00 para Subdiretores, Chefes de Repartição, Chefes de Delegação, 173.413$00 para Técnicos de Receitas Especialistas níveis I, II, III, 145.500$00 para Técnicos de Receitas Sénior níveis I, II, III e 123.170$00 para Técnicos de Receitas níveis I, II, III.
De acordo com as recomendações do Decreto-Lei nº 8/2021 e que o estudo resgatou, no momento da aplicação da reforma, nenhum funcionário ou agente deve receber menos do que recebia à data da entrada em vigor do referido diploma e em virtude da aplicação dos limites do Suplemento Remuneratório.
Os Suplementos Remuneratórios podem sofrer alterações nos anos subsequentes. E isto acontece como consequência da alteração do fundo apurado em cada ano, pela transferência dos funcionários de um quadro para outro, ou ainda pelo desaparecimento dos limites transitórios.
De referir que a Reforma de Remuneração Acessória na DNRE já vem se arrastando desde 2012. Na altura, garante fonte de Santiago Magazine, a então ministra das Finanças, Cristina Duarte, desafiara os técnicos da DGCI a apresentar resultados das suas cobranças para adequar à reforma exigida.
Pela carga financeira que essa Reforma representa junto do Tesouro Público, o processo vinha sendo adiado, sendo certo que, a ser implementado, poderá causar algum reboliço, à semelhança do que está a suceder em relação aos aumentos no BCV.
Alfândegas vs DGCI
A reforma dos suplementos remuneratórios reacendeu uma antiga e mal resolvida relação de animosidade entre os funcionários da DGCI e das Alfândegas, que foram metidos sob o mesmo chapéu, a DNRE, ainda no tempo do Governo de José Maria Neves.
Os aduaneiros, que já gozavam dessas regalias, não gostaram de saber que os seus ‘colegas’ da DGCI irão receber os mesmos montantes de suplemento remuneratório, porquanto entendem que “se trata de uma injustiça premiar os técnicos de receitas das contribuições e impostos se não conseguem fazer cobrança e equilibrar a balança de arrecadação de receita para os cofres do Tesouro”, segundo desabafou um inspector aduaneiro, logo seguido por um ex-diretor das Alfândegas, para quem “a unificação da DGCI e das Alfândegas estragou tudo”.
O estudo de Augusto Fernandes, que serve de base para a reforma dos suplementos remuneratórios na DNRE, estabelece claramente que “os suplementos remuneratórios estarão sujeitos à produtividade da cobrança dos valores que enformam os suplementos remuneratórios e da produtividade individual dos funcionários da DNRE”.
Para os técnicos da DGCI a perspectiva é outra. “Primeiro, o pessoal das Alfândegas já tinha essas regalias e o que o ministro das Finanças, Olavo Correia, defende é que todos, ou seja, tanto a DGCI quanto as Alfândegas, devem ter o mesmo tratamento, estando sob uma única instituição, a DNRE. Eles não querem isso, como se perderiam um centavo com a nova proposta. Nada disso, continuam a beneficiar dessas verbas acessórias na mesma medida, sem tirar nem pôr”.
Justificação do Governo
A nota explicativa ao projeto de Decreto-Lei que o Governo já elaborou para levar ao Conselho de Ministros ainda este ano, lembra que “a Direção Nacional de Receitas do Estado (DNRE) surgiu da fusão da Direção-geral das Contribuições e Impostos (DGCI) e da Direção-geral das Alfândegas (DGA), numa perspectiva de maiores ganhos de eficácia e de eficiência na cobrança das receitas do Estado. No entanto, essa fusão não foi acompanhada de um estatuto unificador do seu pessoal, gerando desequilíbrios e situações de desigualdade potencialmente conflituantes entre o pessoal da mesma Direção Nacional, de molde a fragilizar a consecução dos objetivos definidos aquando da sua criação”.
O mesmo texto faz notar ainda que “só muito recentemente o legislador enfrentou o problema e, deste modo, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 8/2021, de 27 de janeiro, que regulou o estatuto do pessoal da DNRE, sob a designação abrangente de carreira de técnicos de receitas, mas ficou por abordar a matéria dos suplementos remuneratórios, deixado para diploma próprio”.
“Na verdade, a situação atual é caracterizada por uma profunda diferença nos montantes pagos ao pessoal da DGA, em comparação com o da DGCI, levantando a este propósito, o problema do tratamento desigual de funcionários e agentes de uma mesma Direção Nacional”, continua o documento em preparação e acedido por Santiago Magazine, onde também pode-se ler que “os suplementos remuneratórios atuais, em média, são quase o dobro do salário base, mas foram constatadas situações de funcionários que auferem suplementos remuneratórios em montantes extremos, que ultrapassam sete vezes o salário base, invertendo completamente a função desta última, e a política remuneratória na Função Pública”.
Para garantir então uma justa e transparente distribuição dos suplementos conforme as cobranças vai ser criada “uma Comissão de Gestão composta por três membros, sendo um designado pelos funcionários e agentes da Direção-geral das Contribuições e Impostos, um designado pelos funcionários e agentes da Direção-geral das Alfândegas, e um terceiro, que preside, designado pelo Diretor Nacional de Receitas do Estado, desempenhando o membro mais novo as funções de Secretário”.
E será o Governo a arcar com as despesas de distribuição dos suplementos remuneratórios, alocando mensalmente 58 mil contos à DNRE, cerca de 700 mil contos por ano. “Uma vez que existe disparidade na distribuição dos suplementos, nos termos referidos, admite-se que o Estado possa, transitoriamente, proceder à transferência para a referida conta especial do montante necessário para a igualização dos suplementos remuneratórios entre o pessoal das estruturas administrativas que integram a DNRE, sendo certo que os saldos remanescentes no final de cada exercício financeiro, em virtude do estabelecimento dos limites, são transferidos para o tesouro, até à completa liquidação do montante da transferência eventualmente efetuada”.
“Mandou-se aplicar o presente diploma à Polícia Fiscal, no respeitante aos limites transitórios, não vá acontecer os efetivos desta unidade auferirem suplementos remuneratórios superiores ao pessoal da DNRE, quando trabalham lado a lado na vigilância pela aplicação das normas aplicáveis. A complexidade histórica e atual da situação dos suplementos remuneratórios exigiu alguma prudência do legislador na sua abordagem, tendo por isso estabelecido que a Comissão de Gestão, remete ao Diretor-Nacional de Receitas do Estado, um relatório semestral sobre a aplicação do presente diploma, incluindo as dificuldades encontradas na sua aplicação, de molde a que possa atuar e corrigir rapidamente eventuais falhas detectadas. A aprovação do presente diploma põe fim a todas as situações referidas, recupera os bons princípios da política salarial e completa a fusão da DNRE, numa perspectiva formal e material, com ganhos para todos. Foi ouvido o sindicato do pessoal da DNRE”, observa a nota explicativa do projeto de decreto-lei que será levado à aprovação pelo Conselho de Ministros a qualquer momento.
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