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Governo discute esta sexta-feira proposta milionária para técnicos da Direção Nacional de Receitas do Estado. DGCI e Alfândegas em puxa-puxa
Economia

Governo discute esta sexta-feira proposta milionária para técnicos da Direção Nacional de Receitas do Estado. DGCI e Alfândegas em puxa-puxa

Um estudo encomendado pelo secretário de Estado das Finanças, através da Direcção Nacional de Receitas do Estado, propõe um aumento exponencial dos Suplementos Remuneratórios aos técnicos da DNRE, com maior impacto nas Contribuições e Impostos que passam a igualar nos rendimentos dos funcionários das Alfândegas. Para cobrir essa verba acessória paga acima do salário que esses técnicos já auferem, o Governo poderá vir a alocar por mês 58 mil contos, um valor elevado, que faz ressurgir uma antiga rixa entre os técnicos das Alfândegas e os da DGCI sobre as regalias de cada qual e a sua contribuição para o Tesouro nacional. O pessoal aduaneiro acha injusta a proposta porque, a seu ver, será a secção das alfândegas a arcar com as despesas para essa remuneração suplementar, apontando para um défice de cobrança a nível das Contribuições e Impostos junto dos Grandes Contribuintes, enquanto os técnicos da DGCI lembram que os aduaneiros já recebem remuneração acessória em valores comparáveis ao proposto pelo estudo.

A negociação entre o Sindicato representativo dos trabalhadores da DNRE e o secretário de Estado das Finanças, Alcindo Mota, para Reforma de Remuneração Acessória, está prevista para esta sexta-feira, 24 de março, e se se chegar a acordo, o Tesouro do Estado vai ter que suportar mais esta despesa de funcionamento da máquina pública, que pode atingir o montante de 700 mil contos anuais, num momento de crise e de severa restrição orçamental e financeira.

De acordo com o estudo encomendado pelo secretário de Estado das Finanças, Alcindo Mota, e elaborado por Augusto Fernandes - na verdade, este é o terceiro de tantos outros para analisar esta questão, sendo que os dois primeiros, um feito por um técnico português da PriceWaterhouse e um segundo do jurista Mário Silva, não foram levados adiante, apesar de receberem cada um 800 contos pelo trabalho, assim como Fernandes –, dos 58.705.709$00 de cobrança mensal de receitas, 46.499.251$00 vão ser canalizados para a distribuição dos Suplementos Remuneratórios aos funcionários da DNRE.

Ao todo a reforma de remuneração acessória ora em negociação - define suplementos remuneratórios como sendo as resultantes de ajudas de custos, participação nos emolumentos, subsídios de deslocações, coimas, multas, custas e os demais legalmente previstos –  irá abranger 379 funcionários, entre a Direção Geral das Alfândegas e a Direção Geral de Contribuições e Impostos, os dois organismos que formam a DNRE. No entanto, refere o documento, a que Santiago Magazine teve acesso, os funcionários da DGCI sem licenciatura não são contemplados, o que não acontece nas Alfândegas onde todos os funcionários recebem desde há muito remuneração acessória conforme a sua categoria. A ideia, sabe Santiago Magazine, é igualar os rendimentos dos técnicos da DGCI e dos das Alfândegas, mas não colhe a mesma aceitação desses dois sectores que enformam a DNRE.

Com efeito, dos cálculos elaborados e especificados no estudo de Augusto Fernandes, a Diretora Nacional de Receitas do Estado, Lisa Vaz, passará a receber mensalmente 210.000$00 em Subsídio Remuneratório, o que somado ao seu vencimento mensal de 240.000$00, auferirá ao final do mês 450.000$00. Igual valor de Suplemento Remuneratório passarão a receber os diretores gerais das Alfândegas e de Contribuições e Impostos, o que somado aos respetivos vencimentos mensais de 180.000$00 dará a quantia de 390.000$00 por mês. Com a diferença de que os da aduana já ganham de acordo com esta tabela proposta.

No que se refere aos diretores de serviço o Suplemento Remuneratório previsto é de 146.000$00 mensais. Os técnicos das receitas terão mais 145 contos sobre o seu ordenado mensal.

Os limites dos Suplementos Remuneratórios propostos pela consultoria obedecem a tabela salarial prevista no Decreto-Lei nº 8/2021. Fixaram-se em 210.000$00 mensais para a Diretora Nacional e os Diretores Gerais, 190.000$00 mensais para os Diretores de Serviços ou equiparados, 180.000$00 para Subdiretores, Chefes de Repartição, Chefes de Delegação, 173.413 para Técnicos de Receitas Especialistas níveis I, II, III, 145.500$00 para Técnicos de Receitas Sénior níveis I, II, III e 123.170$00 para Técnicos de Receitas níveis I, II, III.

De acordo com as recomendações do Decreto-Lei nº 8/2021 e que o estudo resgatou, no momento da aplicação da reforma, nenhum funcionário ou agente deve receber menos do que recebia à data da entrada em vigor do referido diploma e em virtude da aplicação dos limites do Suplemento Remuneratório.

“A proposta de diploma ainda prevê que o Estado pode, transitoriamente, proceder a transferência ao sistema SR, do montante necessário para que nenhum funcionário ou agente receba menos do que aufere à data da entrada em vigor do presente diploma e em virtude da aplicação dos limites referidos no ponto anterior. O diploma proposto contempla o imperativo dos descontos tributários e de previdência social sobre os SR”, lê-se no documento, acedido por Santiago Magazine.

Os Suplementos Remuneratórios podem sofrer alterações nos anos subsequentes. E isto acontece como consequência da alteração do fundo apurado em cada ano, pela transferência dos funcionários de um quadro para outro, ou ainda pelo desaparecimento dos limites transitórios.

De referir que a Reforma de Remuneração Acessória na DNRE já vem se arrastando desde 2012. Na altura, garante fonte de Santiago Magazine, a então ministra das Finanças, Cristina Duarte, desafiara os técnicos da DGCI a apresentar resultados das suas cobranças para adequar à reforma exigida.

Pela carga financeira que essa Reforma representa junto do Tesouro Público, o processo vem sendo adiado até este momento, sendo certo que, a ser implementado, será uma grande machadada no agravamento das despesas de funcionamento da administração pública, num momento particularmente difícil para o país e para os contribuintes.

Ao Santiago Magazine, um funcionário de topo do sector aduaneiro mostrou, em números  que os mais de 46 mil contos mensais a serem canalizados para suportar a reforma, estarão a cargo das receitas oriundas da Direção Geral das Alfândegas. Isto porque, asseveram, a Direção Geral de Contribuições e Impostos vem tendo dificuldades de cobrança, com uma acumulação de dívidas fiscais por cobrar de mais de 19 milhões de contos junto dos Grandes Contribuintes (as grandes empresas), facto relatado pelo semanário A Nação no ano passado.

Briga de protagonismo

A reforma que esta sexta-feira estará em discussão, com o secretário de Estado das Finanças, Alcindo Mota, a liderar o processo, veio reacender uma antiga e mal resolvida relação de animosidade entre os funcionários da DGCI e das Alfândegas, que foram metidos sob o mesmo chapéu, a DNRE ainda no tempo do Governo de José Maria Neves.

Os aduaneiros, que já gozavam dessas regalias, não gostaram de saber que os seus ‘colegas’ da DGCI irão receber os mesmos montantes de suplemento remuneratório, porquanto entendem que “se trata de uma injustiça premiar os técnicos de receitas das contribuições e impostos se não conseguem fazer cobrança e equilibrar a balança de arrecadação de receita para os cofres do Tesouro”, segundo desabafou um inspector aduaneiro, logo seguido por ex-director das Alfândegas, para quem “a unificação da DGCI e das Alfândegas estragou tudo”.

“Quem irá alimentar esse fundo não se sabe. No nosso entender, será a secção aduaneira a assegurar essa verba, já que o pessoal da DGCI tem tido dificuldades para efectuar cobranças”, reforça o nosso interlocutor que critica ainda o facto de ser o próprio secretário de Estado das Finanças, Alcindo mota, a liderar esse processo “em que uma das principais beneficiadas é a sua companheira, Ana Rocha, técnica de nível III e antiga directora-geral das Contribuições e Impostos, daí a sua pressa em ver esta proposta aprovada o quanto antes, sem se acautelar da justiça remuneratória”.

O estudo de Augusto Fernandes, que serve de base para a reforma dos suplementos remuneratórios na DNRE, estabelece claramente que “os suplementos remuneratórios estarão sujeitos à produtividade da cobrança dos valores que enformam os suplementos remuneratórios e da produtividade individual dos funcionários da DNRE”.

Mas, para os técnicos da DGCI, com os quais Santiago Magazine falou, a perspectiva é outra. “Primeiro, o pessoal das Alfândegas já tinham essas regalias e o que o ministro das Finanças, Olavo Correia, defende é que todos, ou seja, tanto a DGCI quanto as Alfândegas, devem ter o mesmo tratamento, estando sob uma única instituição, a DNRE. Eles não querem isso, como se perderiam um centavo com a nova proposta. Nada disso, continuam a beneficiar dessas verbas acessórias na mesma medida, sem tirar nem pôr. Em termos de peso, devo sublinhar que até 2019 tínhamos arrecadado maiores receitas que as Alfândegas, foi em 2020-2021 que tivemos menos receitas por causa da pandemia. E veja que nós temos que ir atrás (nossa receita vem de taxas, multas e coimas, enquanto as Alfândegas não precisam correr atrás de ninguém, entra carga e cobram)”, elucida uma técnica da DGCI que participou em vários encontros de discussão sobre o modelo ideal para a remuneração suplementar na DNRE.

A mesma nega haver discriminação entre licenciados e não licenciados no estudo proposto, só que no documento que  vai ser debatido esta sexta-feira está escrito que “a questão dos funcionários que ficaram na carreira subsistente está a ser analisada”. “Para o caso de funcionários em regime de contrato ou de em mobilidade e que tem SR_MM superiores aos salários, também foram criados limites transitórios. Para caso de funcionários em regime de contrato e que tem SR_MM inferiores aos salários, foram enquadrados SR iguais aos salários, por força da proposta de Lei”, esclarece o estudo-proposta.

E diz mais: “O valor total mensal da cobrança, destinada a financiar a reforma dos suplementos remuneratórios é 58.705.709 ECV, que garante o financiamento da reforma, que se prevê ser de 46.449.251 ECV mensal. O rácio de cobertura da necessidade da reforma pelo total da arrecadação é de cerca de 79,2%. No entanto é de se referir que, no quadro, estão integrados valores afetos ao Estado, através do mecanismo de distribuição atual da cobrança. Como existem diplomas específicos, que legislam sobre a distribuição das arrecadações pelos rendimentos acessórias (suplementos remuneratórios), recomenda-se uma análise jurídica dos mesmos, de forma a serem ultrapassados as questões de legalidade”.

Seja como for, a verdade é que esta Reforma nos Suplementos Remuneratórios na DNRE veio escancarar a paz podre entre a DGCI e as Alfândegas, metidas a contra-gosto sob o mesmo tecto e obrigadas a trabalhar como ‘amigos-inimigos’.

Até à hora em que editamos este artigo não tinhamos conseguido chegar à fala com o secretário de Estado das Finanças, nem com o sindicato que irá mediar o encontro desta sexta-feira, 24, e que é membro da Confederação dos Sindicatos Livres (CCSL), liderado por José Manuel Vaz.

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