"Sampabadiu" é lançado esta quarta-feira na Biblioteca Nacional
Cultura

"Sampabadiu" é lançado esta quarta-feira na Biblioteca Nacional

O evento está a cargo da Professora Augusta Évora Teixeira, Mana Guta, e terá lugar na Biblioteca Nacional, pelas 17 horas desta quarta-feira, dia 10 de fevereiro.

A nota de imprensa chegada à redação de Santiago Magazine, dá conta que N’Gosi Nelly apresenta aos leitores, “pelas mãos de Mangui Editora, o livro de poesia intitulado “Sampabadiu”, escrito em língua cabo-verdiana, com sabores do Norte e do Sul. O Autor, de seu nome próprio Adolfo Lopes, dá-nos uma grande lição de inclusão e de espírito patriótico, ao convergir, numa única obra, variantes e variedades da língua cabo-verdiana”.

Segunda a mesma fonte, “Sampabadiu” é resultado de uma grande pesquisa de terreno, na variante de Barlavento e de Sotavento. O autor exerceu duas funções neste livro: a função de linguista e a de literato. Ele partilha conosco, tanto a poesia, como o exercício da escrita em língua cabo-verdiana, no alfabeto oficial. Um livro de inclusão linguística e geográfica, concebido com os pés bem fincados na cultura tradicional cabo-verdiana”.

A Temática inclui a Mulher, o feminino, o amor lírico, a emigração para as São Tomé e Príncipe, a música, a apologia da mulher cabo-verdiana, o diálogo e a intertextualidade com figuras da literatura clássica, a juventude e o ativismo politico, o amor sensual, a proteção ambiental, “Hora di Bai”, a Emigração, de uma forma geral.

Aqui vai um pouco de “Sampabadiu”, nesta apresentação em língua cabo-verdiana e portuguesa.

"1 PRIZENTASON

Es Livru é un izemplu dadu pa tudu nos gentis grandi, ki inxina-nu kuda na bida, antis di nu sai na mundu, mas tambi pa gentis joven ki inda sa ta da ses kabidal pa ser imbaxadoris di Kultura Kauverdianu.

É senpri un produtu di grandi valor, tudu trabadju ki fasedu y publikadu na nos língua di tera: pamodi, demu, e ka pamodi livru na kriolu di Kauverdi é sima livro, na purtugês. Tudu livru ki skrebedu, ledu, kumpradu, más kes otu ki inda sta na planu, fóra di kel vida material di fidju parida, e tem un valor spesial ki ta mostra koraji di kenha ki skrebi y ta trazi afetu, prazer y grandesa pa kenha ki le-l. N ta fla si, pamodi ta faze párti di tudu livru na nos língua un valor a más, tanbê, só pamodi el e izisti; pamodi, na nos kondison di antigu skravizadu, donu di kultura ki todjidu duranti munti anu, dja nu sabe ma nen tudu kusa ki izisti ka sta na papel. Y si nos nu ta labuta na un mundu ki kusa skrebedu bali más ki kusa fladu uatxi pran, anton, ora ki un omi o mudjer verdianu poi kusas na papel, na nos língua, nu tem ki fla-l ma e la ke pó.

Si nu raporta, dibra di algen, palavra di ónra, ô soldadu prasa, ta santadu na libru; si kre, na meiu d’es, ten algen ki ka sabe lê ô skrebe, dja nu ten garantia ma kel kompromisu sta suguru. Si nu pensa dretu, nu ta ôdja ma santa na libru é kuza sertu, ki, logu divéra, ta libra-nu di fika kabésa pa riba kabésa pa baxu ku kunpanheru: sen puxa-puxa, sen disdjâ dipôs di dja.

Nos otor e ka sonbra koku, nen e ka agu ki ta bebedu ndjudjun

Sima N ta kustuma difendi, sabedoria di nos gentis grandi otu dja perdi, otu dja skesedu. Si fila, nu krê pa, di gosi pa dianti, memória di nos povu ka kaba más na nada; indamás gosi ki nu ten nôs própi alfabetu, ki bira lei, desdi 1998.

DISUMOLA, NHOS LÊ, NHOS PRENDE, NHOS INXINA KENHA KI KA SABE.

Kel livru li skrebedu na izersísiu di ALUPEC, e ta ruspeta Konstituison di Repúblika di Kauverdi, nos Lei más grandi, y tudu stória di nos língua di bersu. E kre ozêrba tudu lei y midida ki bá ta kriadu desdi un bês ti 2015. Otor da más un pasu pa valorizason di nos kultura, ki senpri sta ligadu ku valorizason di nos língua maternu.

Atikaba go, inda e fitxa koraji y e po-l na kes dos varianti, pe mostra ma el e ka kobardu, ma da nos kabesa valor, através di nos língua di identidadi, é más bunitu ki kel grandi bakandesa di nu kuda ma un ilha, un varianti, o un variedadi linguístiku e más nhaku ki kelotu.

Agora nu papia ku kenha ki ka ta ntendi nos língua.

2 APRESENTAÇÃO

N’GOSI NELLY apresenta-nos, pelas mãos de Mangui Editora, o livro de poesia intitulado SANPABADIU, escrito em versos, edição de aproximadamente 50 páginas.

A língua veicular utilizada é a língua cabo-verdiana, com sabores do Norte e do Sul, que o autor faz questão de registar nas duas variantes mais representativas, a de Sotavento (Santiago) e a de Barlavento, e que, por sua vez, congregam nossas variedades dialetais. Esta é, efetivamente, a principal riqueza da obra, pois ela se inscreve, assim, no mosaico do combate à colonialidade.

A Chaga aberta da colonialidade

O conceito de colonialidade está ligado à violência cultural, psicológica e até física que se mantém depois que duas nações assinam oficialmente o acordo da independência e, portanto, de fim do colonialismo. As nações que se tornam independentes depois de um longo processo de colonização continuam vivendo na colonialidade e, por algum tempo, os seus dirigentes continuam suscetíveis à repetição das mesmas práticas que os colonizadores usavam naquelas sociedades coloniais.

Quando nos propomos a estudar questões ligadas a identidades culturais de povos colonizados, descobrimos vários caminhos de estudo, de identificação e de representação que tentam dar respostas que nos levam, por sua vez, a uma variedade de campos temáticos. Inspirados em Stuart Hall (2003), tentamos evitar conceitos e posturas essencialistas e totalitários e abrir veredas a leituras que permitem refletir, social e epistemicamente. Vencer o pesadelo da chaga aberta permitirá pensar de outro modo a colonialidade. Uma discussão com a humildade de quem herdou um país cuja história é o resultado compilado de informações e saberes construídos, dados e reinvenções, apagamentos e memórias; e sobretudo a reprodução de saberes eurocêntricos que se cristalizaram. Uma cristalização que se tornou “conhecimento” sistematizado e reproduzido nas escolas. A independência chegou, mas as binaridades não terminaram em passe de mágica. O conhecimento da “terra dos nossos avós (…) fruto das nossas mãos/da flor do nosso sangue”, por outro lado, não foi necessariamente objeto de pesquisa aturada e reflexão crítica. Assim, com Fanon, sabemos que a colonialidade persiste e que a libertação intelectual continua condicionada, mesmo depois da independência. E também sabemos que a violência tipicamente colonial continua a se manifestar, já que os dirigentes do período pós-independencia não se libertaram automaticamente da colonialidade.

O abandono, a mutilação física e mental, a insularidade, o isolamento e a miséria, são apenas algumas facetas da violência da colonização que o cabo-verdiano sofreu e das quais vários sujeitos se fazem porta-voz. A violência verbal transporta para o discurso toda a carga castradora contra os potenciais sujeitos de resistência.

Assim, o valor da memória a se resgatar, a valorização da língua cabo-verdiana, como código de registo e como tecido a se costurar, bem como a utilização do campo literário como espaço de denúncia e mar da construção de afetos resumem a importância do livro.

Efetivamente, de outra forma, ao se impor uma região como referência de cultura e repetindo a herança da binaridade colonial, a outra região teria que ser dominada, excluída e subjugada. Se a cultura, a raça, a língua idealizadas são as dos europeus, por extensão, os embaixadores locais são os que mais tinham legitimidade para ocupar o lugar do colono. A propalada mestiçagem étnico-cultural-racial aparece como a solução que, a gosto do enunciador ocidentalizado, resolve o constrangimento da presença africana no país, empurrando toda a memória referente à África para a ilha de Santiago. E isso se faz, ora de forma explícita e violenta, ora de forma subtil e indireta. A maioria dos enunciadores do discurso não assume que é preconceituoso e tampouco que existe racismo em Cabo Verde. Os preconceitos de cor e de raça têm lugar, mas são tratados de forma dissimulada, ou de forma jocosa, como se não ferissem; ou de forma cínica, como se não existissem; ou ainda de forma a-política, como se não importassem. A nível do discurso, esses preconceitos são disfarçados por um repertório lexical que inclui termos como: particularidade, miscigenação, caldeamento cultural, entre outros.

A nossa “particularidade” e ou “especificidade” também contribuem para uma agenda científica que não responde às questões locais. O Professor Cláudio Furtado, sociólogo, defende que a colonialidade se manifesta também na agenda de investigação. Nós defendemos que a literatura, enquanto espaço de enunciação tem também um papel a desempenhar. E este livro é um gesto claro dessa vitória sobre a colonialidade, por valorizar as diferentes formas de registo regional, no alfabeto oficial ALUPEC.

Componente estética Temática e fruição

No que concerne à temática, sobressaem os temas: Mulher, o feminino, amor lírico, emigração, identidades na diáspora, exploração em contrato para as roças de São Tomé, música, apologia da mulher cabo-verdiana, diálogo e intertextualidade com figuras da literatura clássica como interlocutoras; e ainda juventude e ativismo politico, amor sensual, proteção ambiental, “Hora di Bai”, entre outros.

Notam-se intertextos com figuras do mundo literário e do folclore como Capitão Ambrósio, Gongon, Nhara, Sugunda e uma relação forte com os espaços de afeto de diversas ilhas e lugares, especialmente do Tarrafal de Santiagos, seus artistas e personalidades. São importantes as diferentes propostas de inclusão social, educacional, regional e também relativamente à diversidade de orientação sexual.  Religiosidade e superstição, pinceladas de literatura regionalista, são outros itens que pintam o tesouro das ilhas na sua individualidade.

Variantes e variedades linguísticas trouxeram-nos o resgate e registo de termos de pouco uso atual, mas de grande simbologia; retratos de uma realidade social antigamente desprezada que aqui ganha vez e é dignificada. Assim, defendermos que será sempre relevante que o autor procure continuar a caminhada, tendo em vista um maior amadurecimento no quesito estético, de modo a que sua obra também venha a provocar maior fruição, e que inclua o fator arte, de forma mais robusta e consistente.

E, por fim, reiteramos o contributo essencial da obra: o título demonstra uma postura claramente política do autor que assinala que o sanpadjudu e o badiu devem viver em harmonia, a começar pela valorização das variedades e variantes da nossa língua de berço, como uma questão de identidade, individual e nacional.

Boa leitura!"

 

Partilhe esta notícia

Comentários

  • Este artigo ainda não tem comentário. Seja o primeiro a comentar!

Comentar

Caracteres restantes: 500

O privilégio de realizar comentários neste espaço está limitado a leitores registados e a assinantes do Santiago Magazine.
Santiago Magazine reserva-se ao direito de apagar os comentários que não cumpram as regras de moderação.