Réquiem da Coragem Inútil  
Cultura

Réquiem da Coragem Inútil  

A visão do jovem perdido, outrora um símbolo de esperança, / Transfigura-se, enfim, em um réquiem para a humanidade, / Que, em seu orgulho e desvario, busca vencer o imponderável, /Mas é arrastada, inapelavelmente, / para o abismo da própria falência.

Após as sentenças, recorda-se, em trêmulo ensejo,

Que, no vasto teatro dos homens, o imprevisto não traz insígnia,

E a coragem, solitária, resiste sem prestígio,

Enquanto o tempo, como tirano cego, 

subverte a norma e o desejo.

 

A tarde, qual sombra que se alonga lenta,

Carrega consigo o fardo dos males impolutos,

Das almas que gemem na penumbra da dor,

Enquanto se afasta o senso da justa clemência.

 

Esforça-se a jurista por manter intacta a razão,

Que a cabeça não lhe jogue em labirinto a verdade,

Pois, embora a fronte firme se mantenha em sua âncora,

Os olhos cerrados revelam a fragilidade.

 

— Veste-se de coragem, mas a fadiga dilacera a essência,

Pondera no silêncio profundo da ausência.

 

Rememora, inquieta, os filhos e o porvir nebuloso,

O amanhã, onde o acaso tece com fios de ironia,

Talvez surja, de súbito, a perda inominável,

A dor lancinante que a carne não apaga.

 

— Quem se perdeu? — Indaga-se em segredo

Desde o dia em que afrontou o oportunismo que reina,

Agora despojada das perdas que, embora pungentes,

Foram, contudo, as mais necessárias.

 

Mais cerrados ainda os olhos no ensejo se fecham,

À espera do instante preciso para alinhar a sombra do batom.

O sol, qual lâmina dourada, trespassa a janela,

Enquanto o edifício escuta Beethoven em dó menor,

Seguido do eco de uma melodia do fim da tarde.

 

Imagina as flores da praça defronte,

Vermelhas, esplêndidas — contudo, fugazes,

E o café quente nas mãos de um magnata humilde,

Que, ao pé do engraxate, reduz-se à banalidade.

 

A água, que no tanque até então parecia vida,

Chora como viúva desamparada,

Enquanto o odor das flores se transmuta em veneno,

E as águas batismais preparam a unção final.

 

Sente a mente acelerar em uma vertigem absurda:

— Melhor não ceder às armadilhas do destino.

Mas o infortúnio já lhe invade o coração,

Onde o vazio e a dor silenciosamente se aliam.

 

Nesse espaço oco, repousa agora a dor do inesperado,

E o semblante de um jovem, apagado, surge.

— Seria ele? — questiona com amarga incerteza,

Mas é a mente que, inclemente, a força a crer.

 

Na sala onde ressoam pronúncios do julgamento,

Os códigos de civilidade se mostram inúteis,

E as leis, frias e rígidas, perdem o sentido

Frente à inexorável marcha da mortalidade.

 

Ergue os olhos, enfim, em resignada compreensão,

Diante do pranto que se alastra, eco após eco.

Com a mão sobre o decreto, pondera o fardo:

— Não há lei que suspenda o curso da morte.

 

Morrer jovem é eternizar a beleza na ruína,

Onde o tempo, traidor, concede a imortalidade do efêmero.

E o sorriso daquele que partiu,

Fica, gravado, como um último relance de um destino inútil.

 

A visão do jovem perdido, outrora um símbolo de esperança,

Transfigura-se, enfim, em um réquiem para a humanidade,

Que, em seu orgulho e desvario, busca vencer o imponderável,

Mas é arrastada, inapelavelmente, 

para o abismo da própria falência.


 
 
 
 

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