Demite-se todo um governo porque há suspeitas de corrupção, escandalosos relacionamentos de amizade e dinheiro escondido, querelas eróticas em gabinetes de ministros, arremessos de velocípedes e outros engenhos verdes, conversas parvas no WhatsApp enviadas por sujeitos, provavelmente, alcoolizados em festas no Príncipe Real, maconhas escondidas no gavetão das meias e pijamas axadrezados. Um rol de acontecimentos trágico-cómicos semelhantes aos vividos na corte de Luís XIV. E a culpa é dos outros!
Foram meses de forte contestação social, com as ruas ocupadas por milhares de pessoas em protesto por melhores condições de vida e de trabalho. Durante esta intensa agitação social, e apesar dos ânimos mais ou menos exaltados, das inúmeras arreliações ministeriais e outros tantos alaridos mediáticos, nenhum governante foi molestado, raptado ou impedido de sair do seu gabinete.
As greves, convocadas por diversos sindicatos, foram cumpridas e respeitadas por todos, até pelos fura-greves, sem sublevações e (ou) rebeldias espontâneas. Abençoadas sejam a ordem e o respeito dominantes, parabéns a todos os envolvidos.
Perante este quadro de normalidade reivindicativa, num cenário de disfarçada paz social, quando todas as forças pareciam domadas, eis que numa ensolarada manhã de novembro, o Primeiro-Ministro comunica ao país a sua demissão. A surpresa foi tal que, logo nas primeiras horas, muitos portugueses não perceberam o que havia motivado a radical e implacável decisão de António Costa.
Com a devida distância temporal, com a necessária serenidade emotiva, podemos hoje afirmar que essa repentina decisão de António Costa, representou mais uma das muitas encenações a que nos foi habituando ao longo da sua carreira política. Mais uma intrincada narrativa urdida por António Costa, com duplos objetivos, por um lado agilizar a sua saída do governo e preparar o seu (outro) futuro político, por outro, evitar beliscar a imagem do Partido Socialista.
Como tem sido seu apanágio, o malabarista Costa, contando com os conselhos e os tentáculos dos seus assessores de comunicação, criou uma narrativa para sustentar os seus interesses pessoais, a qual se transformou num convincente soundbite, rapidamente propalado por todos os importantes OCS - Estamos numa grave crise política, provocada pela devassa da vida privada de membros do governo, práticas ilegais, tráfego de influências, dinheiro escondido em livros e caixas de vinho no gabinete do melhor amigo do primeiro-ministro. Provavelmente, (afirmaram os pivôs televisivos) o mais catastrófico desastre artificial da história recente de Portugal.
Assim que foram apresentadas as razões do distúrbio emocional de António Costa, bem como a direta consequência dos seus atos para o sistema democrático, o tempo das antenas televisivas passou a incidir exclusivamente sobre o tema, preterindo e subalternizando os conflitos armados na Ucrânia e o genocídio em Gaza, silenciando as ações de protesto e reivindicações dos diversos setores de atividade. Os médicos foram esquecidos, os professores ignorados. O poderoso Costa havia criado uma densa e eficaz cortina de fumo, com a qual separou os castelos do povo. Um denso nevoeiro que se instalou sobre as contestações sociais e o tempo de antena em todos os OCS. Por tudo isto, prolfaças a todos os assessores de comunicação do governo pelo serviço prestado à(s) nação(ões).
Peripécias e facécias à parte, que miserável país este em que vivemos!
Demite-se todo um governo porque há suspeitas de corrupção, escandalosos relacionamentos de amizade e dinheiro escondido, querelas eróticas em gabinetes de ministros, arremessos de velocípedes e outros engenhos verdes, conversas parvas no WhatsApp enviadas por sujeitos, provavelmente, alcoolizados em festas no Príncipe Real, maconhas escondidas no gavetão das meias e pijamas axadrezados. Um rol de acontecimentos trágico-cómicos semelhantes aos vividos na corte de Luís XIV. E a culpa é dos outros!
Mantém-se um governo incompetente, inoperante e incapaz de resolver os reais problemas na habitação, saúde e educação. Quase dez anos de desastrosa governação que tem levado milhares de cidadãos à desgraça, milhares a manifestarem-se na rua por melhores condições de trabalho, greves intermináveis e escolas fechadas. Milhares de médicos a pedirem escusa de responsabilidade, gerando o caos em centros de saúde e hospitais, filas de espera intermináveis e urgências fechadas.
O presente caos instalado, em setores chave da sociedade, num qualquer país civilizado levaria a uma inevitável responsabilização dos decisores políticos e governativos, precipitando o a sua inevitável exoneração de funções. Pois neste Portugal miserável, para além das encenadas reuniões de concertação social e promessas vãs, que nunca tiveram como objetivo resolver os problemas do país, ainda fomos brindados com sorrisos de escárnio dos governantes envolvidos e com a clássica frase, repetida aos microfones das televisões com o objetivo de apaziguar as opiniões públicas - é a democracia a funcionar!
Vivemos numa democracia consolidada! Gritam os vigilantes do sistema - tut va bien! Regozijam-se. No entanto, a crua e dura realidade é outra.
Esta não é apenas mais uma crise política, é sim uma congénita anomalia social, que necessita de ser urgentemente corrigida.
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