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Há lodo no cais V. Quando a tirania trai o tirano!
Colunista

Há lodo no cais V. Quando a tirania trai o tirano!

Afinal, o lote das vacinas AstraZeneca que Cabo Verde recebeu é diferente ou não do lote que está sob suspeita na Europa? Se as autoridades nacionais não tinham certeza sobre este assunto, o que as moveu a dar ao país uma certeza que não tinham? A partir de agora, há condições para o povo acreditar nas palavras deste governo? Os poderes públicos, não só devem, como têm, de ser confiáveis. Em assuntos relacionados com as tradicionais funções do Estado, como a saúde, a “conversa pública” tem de ser uma só. Sim, não. O que passa disso é heresia. E o caso em apreço, objeto desta crónica, é evidente. O governo já não consegue falar direito para os governados. É o fim da picada. Efetivamente, há lodo no cais.

Não cabe amizade onde há crueldade, onde há deslealdade, onde há injustiça. Quando os maus se reúnem, fazem-no para conspirar, não para travarem amizades. Não são amigos, são cúmplices.” Etienne de La Boétie

 

A frase em epígrafe é uma afirmação de um filósofo francês do Séc- XVI. Etienne de La Boétie, que teve uma vida curta - morreu aos 33 anos de idade, em 1563 – aprofundou-se com profusa acutilância nos atalhos da tirania e seus efeitos na “coisificação” das massas.

Hoje, cinco séculos depois, os pensamentos sobre a tirania dessa grande figura da história da filosofia continuam atuais. Todavia, nada que fosse estranho ou insondável. O livro de Eclesiastes, datado do período entre 450 e 180 a.C. já ensinava que nada há de novo debaixo do sol.

De modo que, como bovinos a caminho do matadouro, o homem vai seguindo o seu destino, ora calado, ora reclamando, mas sem quaisquer sinais de mudança de percurso, eventualmente cumprindo a profecia de que “o mundo jaz no maligno”.

Todos os países atravessam a crise pandémica – covid-19 – considerada muito perigosa e de efeitos ainda desconhecidos pelas autoridades mundiais. Já vai para mais de um ano que o novo coronavírus chegou e até ainda não foi possível identificar a cura.

De repente aparecem as vacinas. O governo corre atrás dos “Grandes”. Quer vacinar o povo. E consegue as parcerias e as vacinas.

Recebe a primeira leva de 24 mil doses de vacinas AstraZeneca. Isto na sexta-feira passada, dia 12, para 2 dias depois, receber mais 5. 850 doses, desta vez da Pfizer.

Não se consegue saber se por sorte ou azar, na mesma ocasião em que as vacinas eram recebidas com “Honras do Estado”, começaram a chover notícias na Europa relacionadas com os efeitos colaterais das mesmas, concretamente as vacinas AstraZeneca, com países a suspenderem as aplicações.

Como é natural nesta era das redes sociais, com as notícias vindas do velho continente, as pessoas começaram de imediato a manifestar preocupações, a sugerir medidas e soluções, muitas delas se convergindo no sentido da não aplicação das mesmas, sem que as suspeições que estão surgindo sejam clarificadas.

As autoridades públicas não se fizeram de rogadas e vieram a público falar do problema. Primeiro apareceu o primeiro ministro a tranquilizar o povo, afirmando que tudo estava sob controlo, e até marcou o início da vacinação para o dia 18.

De seguida, apareceu o Presidente da República dando sequência à missão pública de tranquilizar o povo.

Porém, as notícias que vinham chegando dos ditos países do Primeiro Mundo eram cada vez mais gravosas. E com o clamor do povo a subir de tom, o governo aparece, pela boca do diretor nacional da Saúde, a rematar: os lotes recebidos por Cabo Verde são diferentes dos que estão sendo contestados na Europa!

Isto, ontem, 15, no final da tarde.

Uff… até que enfim! Então vamos sempre avançar com a vacinação. Que governo!

Entretanto, não se percebe por que golpe de mágica, o ministro da Saúde, passadas alguns horas após o anúncio do seu diretor nacional, vai ao seu perfil do facebook e anuncia a suspensão de vacina. Até que sejam esclarecidas as dúvidas.

É evidente que há aqui um ziguezaguear público do Governo, a todos os títulos, inadmissível.

Afinal, o lote das vacinas AstraZeneca que Cabo Verde recebeu é diferente ou não do lote que está sob suspeita na Europa? Se as autoridades nacionais não tinham certeza sobre este assunto, o que as moveu a dar ao país uma certeza que não tinham? A partir de agora, há condições para o povo acreditar nas palavras deste governo?

Os poderes públicos, não só devem, como têm, de ser confiáveis. Em assuntos relacionados com as tradicionais funções do Estado, como a saúde, a “conversa pública” tem de ser uma só. Sim, não. O que passa disso é heresia. E o caso em apreço, objeto desta crónica, é evidente. O governo já não consegue falar direito para os governados. É o fim da picada. Efetivamente, há lodo no cais!         

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SOBRE O AUTOR

Domingos Cardoso

Editor, jornalista, cronista, colunista de Santiago Magazine