1. Na tarde do Fim de Ano do dia 31 de dezembro de 2018, quando as famílias já estavam todas reunidas no espírito de passagem de ano, eis que responsáveis ligados à Câmara Municipal da Praia chegam ao conjunto habitacional Casa para Todos, em Achada Grande Frente, subúrbio da Praia. Segundo uma jovem mãe de família, esse foi o dia escolhido pela Câmara da Praia para dar início ao processo de obrigar esses moradores a assinarem um novo contrato com a duração de apenas dois anos – lançando dúvidas e insegurança para essas pessoas que até já tinham um contrato de uma década assinado com o mesmo Estado de Cabo Verde, através da Imobiliária Fundiária e Habitat, mais conhecida por IFH. Há uma beneficiária deste agrupamento de Casa para Todos que já fizera um longo caminho, desde a altura da inscrição no programa, em que lhe tinham dito que a renda seria entre seiscentos a três mil e quinhentos escudos, até agora em que chega a Câmara da Praia e lhe aflige com uma renda de 10.800$00 mensais, ficando expresso que a assinatura do contrato vai depender do pagamento prévio de todas as dívidas até à data. Esta é a hora em que os moradores ficam todos com a boca amarga. Nas palavras de uma jovem mãe de família, “és kaba ku tudu festa”!
2. Além da tremenda falta de sensibilidade humana revelada, o caso do Programa Casa para Todos oferece-nos uma excelente oportunidade de análise sobre um dos mitos que têm vindo a ganhar espaço na sociedade caboverdeana e que consiste na ideia de que os partidos políticos são todos iguais. Há diversas razões para muitas pessoas pensarem assim, razões essas que podem ir desde a escolha por seguir a moda dominante sobre a avaliação dos partidos até a uma possível falta de informação sobre as características dos partidos em geral. Em todo o caso, se olharmos de forma um pouco mais atenta para os partidos políticos, facilmente, percebemos diferenças de fundo. Aliás, é bom lembrar que há partidos que se afirmam mesmo: “somos diferentes, fazemos diferente”;
3. Num artigo publicado anteriormente, falamos de indicadores enquanto elementos que estabelecem uma relação entre uma ideia e a realidade. A ideia existe apenas nas nossas cabeças, enquanto a realidade pode ser observada por todos. É nesta base que podemos distinguir os partidos políticos, através das ideias que defendem e as práticas que materializam enquanto estão no poder. Esta é uma forma infalível de avaliar os partidos políticos e identificar diferenças entre si, mas tem de se analisar e comparar aquilo que dizem na oposição com aquilo que fazem na governação. Acima de tudo, para além de permitir avaliar e distinguir os partidos, o que as ideias e as práticas de governo revelam é algo ainda de longe maior! Expõem para todos nós a própria noção de Estado que o partido no poder defende e implementa. Há um vasto conjunto de ideias e práticas que podem ser analisadas, entre as quais, o valor atribuído ou não à transparência nos negócios do Estado, a decisão pela venda ou pelo desenvolvimento das empresas públicas, ou ainda, a opção pelo assistencialismo às empresas privadas ou o assistencialismo aos pobres e mais necessitados.
4. O que é fundamental perceber é que é em função dessas ideias que o Governo assume a sua própria definição de Estado e, consequentemente, decide por projetos e programas de governação que são conformes com essa definição de Estado assumida. A criação do Programa Casa para Todos é o assumir da ideia de um Estado que adota o seu papel de promotor da justiça e equidade sociais numa área crucial para o bem-estar dos caboverdeanos que é o acesso à habitação condigna. O inverso também é verdadeiro: o desprezo de um programa como o Casa para Todos é sinal claro da ideia e forma de atuação de um Estado defendido pelo partido que faz esse desprezo. Opta por excluir o Estado da sua responsabilidade primeira com os mais desfavorecidos – os 179 mil novecentos e nove caboverdeanos mais pobres e desprovidos de recursos – representando 35,2 % da população do país, condenados a jamais terem uma casa condigna na vida. Pior ainda, é aproveitar para guardar as casas para serem utilizadas em tempo de campanha eleitoral;
5. Se há um partido que coloca a questão do acesso à habitação como prioritária na governação e, por isso, idealiza, projeta e implementa um programa específico; enquanto um outro partido, mesmo tendo encontrado os seis milhares e dez casas construídas, opta por desprezar essas casas, deixando muitas fechadas e abandonadas à degradação, então não podemos dizer que estamos perante dois partidos iguais! Mas, como disse ainda a mesma jovem mãe de família: “ses ka xintaba, es ka ta konxeda”. A exposição da Governação é a exposição à avaliação! Permite medir as distâncias entre o discurso na oposição e aquilo que se materializa quando se chega à governação.
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