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Terrenos de Praia Baixo. Todos contra todos
Sociedade

Terrenos de Praia Baixo. Todos contra todos

Os herdeiros de Manuel Lopes Afonso, que alegam serem os donos legítimos de grande extensão de terra em Praia Baixo, São Domingos, agora envolta em polémica, apresentaram ontem, 28, uma queixa-crime na Polícia Judiciária contra António Santos Ferreira, que na terça-feira, 27, os havia acusado de falsificar documentos com apoio do Património do Estado e Câmara Municipal de São São Domingos. Para provar que não têm respaldo destas entidades - como denunciou Santos Ferreira -, os herdeiros de Lopes Afonso mostram uma queixa crime que intentaram há precisamente um mês contra o próprio Estado de Cabo Verde e que há um contencioso com a CMSD no STJ desde 2017 numa outra acção judicial. E Santos Ferreira também apresenta uma sentença de 23 deste mês em que o Tribunal da Praia lhe dá razão e recusa posse aos herdeiros de Lopes Afonso. Quem engana quem?

A notícia de Santiago Magazine sobre uma suposta máfia de terrenos na localidade de Praia Baixo, no concelho de São Domingos - "Terrenos de Praia Baixo. A máfia que se segue?" - está a fazer explodir para a praça pública uma polémica antes mantida apenas no circulo judicial.

Ontem, 28, em reação às declarações bombásticas do empresário Anrtónio Santos Ferreira, sócio-gerente da Poseidon Nauticlub, e que reivindica ser dono de 10 mil m2 na zona marítima de Praia Baixo, os herdeiros de Manuel Lopes Afonso, principais visados nas denúncias de falsificação de documentos feitas por Santos Ferreira, publicaram aqui neste diário digital um direito de resposta onde desmentiram todas as acusações e devolveram ao empresário as acusações de falsificação de documentos para se apoderar dessas terras.

E no mesmo dia, os herdeiros de Lopes Afonso, representados pelo seu advogado Valdir Frederico, apresentaram na Polícia Judiciária uma queixa-crime contra António Santos Ferreira pelo cometimento de "um crime de falsificação de documentos com o objectivo de causar prejuízos aos Herdeiros de Manuel Lopes Afonso" e "falsiidade de registo".

Trata-se, segundo dizem, do prédio 1470, que se encontra inscrito na matriz predial, com o n.º 31968/20150408 , extratado da descrição nº 1470/R:/ Lv:15/ Fls: 564/V em nome dos Requerentes. "Os Requerentes foram habilitados como herdeiros de Manuel Lopes Afonso, avô paterno e autor da herança deixada por escritura pública. A propriedade 1470 encontra se registada na Conservatória do Registo Predial da Praia desde 08 de Outubro 1873, compreendendo pelo Montainho desde o Pé da Ribeira passando o Covão até o Cume do Monte Cellado e do Cume deste Monte, tirando uma recta que vai até o Mar, seguindo sempre pelo Lombado do Monte. O prédio possui as suas confrontações exactas, que perfaz uma àrea de 1.994.208.250 m2 ( um milhão, novecentos e noventa e quatro mil duzentos e oito virgula duzentos e cinquenta e quatro metros quadrados) conforme a certidão predial, confirmada com base na sentença judicial de partilha cujo Autor foi Manuel Lopes Afonso e a Ré Magdalena Pereira Robalo emanada nos autos existentes no Cartório".

De acordo com Valdir Frederico no texto-resposta a Santos Ferreira, os seus constituintes "adquiriram o prédio em causa por escritura pública de partilha da herança deixada pelo Manuel Lopes Afonso). No Registo Predial, não existe dúvidas nas suas descrições e nem existe dúvidas que o prédio, 1470, pertence aos queixosos, facto esse devidamente comprovado pelas autoridades, através dos pareceres do Património do Estado, Instituto de Gestão de Território, bem como o registo da Conservatória dos Registos Prediais). Na certidão predial, comprova-se que há mais de 140 anos, o imóvel descrito nos autos já se encontrava na posse dos seus antecessores e era objeto de propriedade particular, antes da transmissão dos mesmos aos sucessores ora queixosos".

Mais, garantem que são os herdeiros de Lopes Afonso "que pagam o respectivo IUP- Imposto Único sobre o Patrimônio (Imposto Municipal sobre Imóveis) relativamente a tais prédios, agindo à vista e com conhecimento da generalidade das pessoas, sem a mínima oposição de quem quer que seja e, por isso, em termos absolutamente pacíficos, de forma continuada e sem qualquer interrupção e com a isenção e a convicção de exercer um próprio direito de propriedade sobre tais prédios".

Pelo que, lê-se na queixa a que Santiago Magazine teve acesso, "os queixosos ainda continuam na posse dos bens que pertenciam ao falecido Manuel Lopes Afonso. A posse dos Requerentes sobre o terreno 1470 vem desde 1873. Em 2002, o senhor António dos Santos Ferreira, entrou dentro da propriedade dos Requerentes , de forma ilegal, ocupou o terreno tendo inscrito a propriedade a seu favor. Não restam dúvidas que o Senhor António dos Santos Ferreira, dolosamente falsificou os documentos de livre e consciente vontade e com a intenção de diminuir a propriedade dos queixosos e prejudicar os seus interesses. O Levantamento do topográfico bem com os pareceres do INGT comprovam claramente que o prédio n. 202 inscrito a favor do senhor Antonio dos Santos Ferreira encontra-se dentro da propriedade 1470. A Certidão predial passada pela Conservatória dos Registo comprova claramente que a propriedade 1470 encontra-se registada desde 1873 e esta pertence aos Requerentes. O que comprova que o título apresentado pelo senhor António dos Santos Ferreira é falso".

Queixa contra o Estado

Nas denúncias feitas terça-feira por António Santos Ferreira consta que os herdeiros de Manuel Lopes Afonso - Maria Amélia Afonso Barros, Olívio Lopes Afonso e Maria Filomena Barros Semedo e demais -, assim como os actuais proprietários das parcelas adquiridas, ter-se-ão "aproveitado dos laços partidários para conseguirem junto do Património do Estado os documentos que lhes estão a conferir poisse ilegal dessas propriedades, assim como a anterior gestão da CMSD".

Para provar que não tiveram respaldo dessas entidades, os herdeiros de Lopes Afonso afirmam que ainda no passado mès, mais precisamente no dia 28 de Junho, intentaram uma Acção Declarativa de Condenação, com processo ordinário, contra o próprio Estado de Cabo Verde, representado pelo Ministério Público e Estradas de Cabo Verde por supostamente terem ocupado ilegalmente parte das terras em litígio em Praia Baixo para construção de estradas de acesso.

"Em Fevereiro de 2021, os autores tiveram conhecimento que o Estado de Cabo Verde (1º réu) com apoio da Estradas de Cabo Verde (2º réu) invadiram a propriedade 1470 sem nenhuma autorização, cortaram o terreno, alargaram estradas, ocupando cerca de 10.335 m2 para construção de pontes e estradas", lê-se na queixa ao Tribunal de São Domingos, na qual pedem que sejam indemnizados no valor de 37.644.000$00.

No caso da CMSD, há um contencioso que vem desde 2017 e é referente a um pedido para rectificação da área que os herdeiros de Lopes Afonso reclamam serem donos legítimos. A Câmara, por sua vez, não o fez, alegando que, apesar de haver habilitação de herdeiros, "dela não decorre a incorporação do património hereditário no património pessoal dos herdeiros".

"Com a aceitação da herança, o que se adquire é a herança na sua globalidade - com os concretos bens que lhe pertencem, por certo - mas sem que isso envolve qualquer automática diluição do património formado pela herança no património do herdeiro. Sendo vários herdeiros e antes de se efectuar a partilha (C. Civil, artº 2047º) não tem cada um deles qualquer direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um desses bens, mas somente a um quinhão hereditário", escrevia então, o ex-assessor jurido da CMSD, Abner Pina, no recurso ao STJ, ainda por decidir.

Sentença de 23 de Julho

Nesta "guerra" jurídica, há uma sentença proferida pelo Tribunal da Praia no passado dia 23 deste mês e que António Santos Ferreira, sócio-gerente da Poseidon Nauticlub que era ré nesse processo, faz questão de fazer juntar à sua defesa.

Nessa sentença, a juiza Samira dos Anjos pega nos mesmos argumentos do advogado Abner Pina para absolver a Poseidon Nauticlub, na medida em que, apesar de reconhecer a aceitação da habilitação de herdeiros, refere à não existência da partilha, daí considerar que "a qualidade de herdeiros dos autores não se mostra comprovada nos autos".

"Não sendo nenhum herdeiro, por si mesmo, titular de qualquer direito real sobre bens concretos da herança, detendo apenas o direto a um quinhão hereditário, não poderiam os ora autores fundar a sua pretensão dominial em relação ao prédio reivindicado na titularidade de uma herança que embora aceite não foi partilhada", esclareceu a juiza Samira dos Anjos.

Nesta disputa entre todos contra todos, resta saber quem está a enganar quem, ou melhor, quem é ou são os vilões nesta trama de terrenos em Praia Baixo, a nova máfia fundiária.

Francisco Moreira nega envolvimento

Francisco Moreira, cujo nome acabou sendo citado nas declarações de António Santos Ferreira como sendo um dos proprietários - segundo levantamento das certidões matriciais feitas na Câmara Municipal de São Domingos -, chamou Santiago Magazine para dizer que não tem e nunca teve qualquer parcela de terreno em Praia Baixo. Entretanto, preferiu não prestar mais declarações a este jornal, que ameaçou levar a tribunal, assim como Santos Ferreira, de modo a repôr o seu bom nome num assunto que não que lhe diz respeito.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine