Garantir a autonomia do pólo universitário de São Vicente é uma das três prioridades de Eurídice Monteiro, candidata ao cargo de Reitora da Uni-CV nas eleições que acontecem no dia 19 de Janeiro. Saiba tudo o que ela pensa da universidade pública nesta entrevista.
Santiago Magazine - Por que decidiu concorrer ao cargo de Reitora da Uni-CV, cuja eleição acontece no dia 19 de Janeiro?
Eurídice Monteiro – As motivações são várias. Mas a mais forte resulta do facto de ter percebido que a Uni‑CV precisa mudar. Por exemplo, precisa mudar o seu estilo de gestão. Esta tem sido muito centralizada e centrada na pessoa de quem ocupa a Reitoria. É enorme desperdício, porque importantes profissionais da universidade, designadamente no que diz respeito à classe docente e ao corpo técnico e administrativo, são afastados das actividades da gestão da instituição, quando todos deveriam poder contribuir para o bom desempenho da mesma e para o seu sucesso. Também a Uni-CV precisa mudar no sentido de deixar de ser uma instituição que olha para o seu próprio umbigo. Precisamos de uma Universidade pública que seja referência, que, assim, esteja em consonância com a sociedade cabo-verdiana e os anseios e desafios do nosso tempo, que olhe para o presente e projecte o futuro. Ou seja, uma Universidade do nosso tempo, útil, aberta à sociedade e ao exterior, dinâmica, criativa, cooperativa, pólo de excelência no domínio da produção do conhecimento científico, escola de formação de profissionais altamente qualificados. É consensual que a Uni-CV, apesar do seu reconhecido potencial, está longe de ser a universidade aberta, prestadora de serviços, que todos almejamos. Temos pensado nessas preocupações e chegado à conclusão que os problemas que a Uni-CV vive resultam de um estilo de liderança. Portanto, se se quer mudar, é preciso ter na Reitoria uma equipa capaz de liderar para a mudança. Nós temos essa proposta e queremos ser a alternativa perante o contexto actual.
- O seu lema “Mudar É Preciso: Para uma Universidade Aberta à Sociedade Cabo-verdiana e suas Instituições e ao Mundo” pressupõe ruptura e mudanças na actuação da Universidade. O que quer mudar em concreto? E como pretende fazê-lo?
- Como já referi, pretendemos mudar o estilo de gestão centralizada para um estilo aberto e participativo, de gestão descentralizada, de delegação de competências nas pessoas, equipas, órgãos de estrutura e pólos. Por exemplo, não faz sentido não delegar amplos poderes de gestão no pólo universitário da Uni-CV em São Vicente e criar as condições para a sua autonomia. Pretendemos ajustar os cursos e a sua organização e curricula aos desafios de Cabo Verde. A Uni-CV deve formar para o futuro próximo; deve ter a capacidade de prever quais serão as necessidades de recursos humanos do país no médio e no longo prazo e formá-los. Precisamos abrir a nossa instituição ao mundo, a outras universidades e institutos de produção do conhecimento científico, nacionais e estrangeiras. Precisamos estar inseridos em redes transnacionais de produção do conhecimento científico e do saber. O fundamento da formação que fazemos deve ser a produção do conhecimento científico e não o contrário. Precisamos fazer da Uni-CV uma instituição que expõe, tanto internamente como no exterior, o conhecimento científico que produz. Faremos tudo isso criando o ambiente compatível com a investigação científica, investindo na classe docente, discente e não docente, tanto em termos científicos e técnicos como pedagógicos, descentralizando e desconcentrando atribuições e competências, estimulando o trabalho em equipa, promovendo o espírito académico, fazendo da universidade um centro, por excelência, de prestação de serviços especializados, de elevado conteúdo científico. E fazendo da Uni-CV uma escola de valores.
- Também fala de abertura da Uni-CV à sociedade e ao Mundo? A Universidade pública é tão fechada assim? Como tenciona abri-la ao Mundo?
- A Uni-CV justifica-se a si própria. Está virada para o próprio umbigo, como disse. Mas uma universidade moderna não pode ser isso. Terá que ser uma instituição com a mais ampla relação com a sociedade, as suas empresas, a administração pública, comprometida com o país e os seus desafios.
- No geral, quais são os pilares do seu programa eleitoral?
- Em termos das áreas de actuação da universidade, pretendemos focalizar três questões principais: 1) a nível da formação, é urgente uma viragem paradigmática, no sentido de uma aposta na qualificação do sistema de ensino superior nacional, de modo a formar competências e disseminar valores que possam ser válidos para o acesso ao mercado de trabalho dentro e fora do país, apostando nas línguas, nas ciências e na tecnologia; 2) a nível da investigação, é preciso fomentar a invenção científica e tecnológica para o desenvolvimento, promovendo uma agenda de investigação endógena em articulação com as prioridades nacionais e mobilizando recursos financeiros, equipamentos e logísticas que proporcionem um ambiente académico estimulante e acolhedor para a produção científica e a inovação; 3) a nível da extensão universitária, é preciso priorizar a prestação de serviços como uma das fontes de receitas e, de igual modo, é importante a diversificação das ofertas sociais e culturais relevantes de extensão universitária.
- Denota uma certa confiança em como irá vencer a corrida – há mais três candidatos, incluindo a actual Reitora. Conta com quem para vencer as eleições?
- Alunos, professores e corpo administrativo. Conto com todos os que desejam ter uma universidade do nosso tempo, e que são, de facto, a maioria. Estamos a dar o nosso melhor, com todo o sacrifício e espírito académico. O resultado, seja lá o que Deus quiser, será positivo em todas as circunstâncias. A nossa candidatura é uma candidatura positiva, pela Academia e por Cabo Verde.
- O facto de, entre todos os concorrentes, ser mais mediática – é comentadora frequente na rádio e TV públicas, além de escritora – poderá favorecer a sua candidatura e ser uma vantagem em relação aos seus adversários?
- Julgo que não. Quem vai a votos é a universidade: alunos, professores e corpo administrativo. Portanto, é um problema interno à universidade. Obviamente que toda a sociedade deve ficar atenta, porque é a universidade pública de Cabo Verde, a universidade de todos nós.
- A qualidade do Ensino Superior em Cabo Verde é muitas vezes posta em causa, tanto pelo nível dos alunos que saem formados, quanto pela docência, que é acusada de estar mais preocupada com a quantidade do que com a qualidade. Concorda? Como pensa trabalhar este aspecto?
- Penso que a introdução do sistema de qualidade no ensino, em Cabo Verde, é um desafio de primeiro grau e o mais importante. É, também, um desafio ao ensino universitário. Mas para conseguirmos um elevado grau de sucesso, neste domínio, as mudanças a nível universitário apenas não são suficientes. Todo o sistema educativo cabo-verdiano precisa de uma profunda reforma, tanto no que aos conteúdos se refere como no domínio pedagógico. A Uni-CV terá que apostar muito mais nas TICs como fonte de recursos pedagógicos.
- Já agora, quais as primeiras medidas que tomará, caso for eleita no dia 19 de Janeiro?
- Já temos o programa desta candidatura pronto e podemos avançar desde já que, de entre tantas medidas urgentes, as três primeiras serão: 1) trabalhar com organismos nacionais e internacionais para assegurar o aumento das bolsas de estudo para os estudantes da Uni-CV, mas também para a formação contínua e avançada de docentes e do pessoal não docente, de acordo com as políticas estratégicas para o desenvolvimento do país e na base de uma proposta da nossa candidatura para uma Política Institucional para a Qualidade na Uni-CV, com impacto directo na formação de profissionais altamente qualificados; 2) estabelecer um diálogo directo, franco e aberto com o Governo para a implementação dos estatutos da Uni-CV e da sua sucessiva revisão, mas também para a participação efectiva da universidade como agente estratégico no processo de desenvolvimento nacional; 3) garantir a autonomia do Pólo de São Vicente e das Unidades Orgânicas (Faculdades, Escolas, Centros de Investigação). Tudo isso deve ser com carácter de urgência.
- Se perder, irá colaborar com o vencedor? E se ganhar, terá os seus adversários nesta corrida como seus colaboradores e parte da sua equipa directiva?
- Colaborar, sempre, é a minha forma de estar na vida. Estou, do ponto de vista moral e profissional, absolutamente vinculada a isso. Todos somos poucos face aos grandes desafios que temos pela frente.
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Quem é Eurídice Monteiro | Breve Biografia
Socio-Politóloga, é Doutorada pela Universidade de Coimbra. Fez um curso avançado de Administração Pública em Bridgewater State University e um curso executivo de Liderança em Harvard Kennedy School, nos EUA. É Diretora da Cátedra Amílcar Cabral da Universidade de Cabo Verde, desde 2015; Co-coordenadora do Programa de Mestrado e Doutoramento em Ciências Sociais; professora nos cursos de Ciências Sociais, Relações Internacionais e Diplomacia, Jornalismo, Filosofia, Ciências da Educação e em programas de mestrado e doutoramento da UNICV.
Paralelamente à experiência de docência universitária, tem se também dedicado à investigação sobre a democracia e os processos políticos, sociais e culturais em Cabo Verde. Recebeu vários prémios científicos e distinções pelo seu trabalho de investigação e intervenção pública: em Dezembro de 2007, foi galardoada com o “Prémio Nacional dos Direitos Humanos”; em 2015, com uma Menção Honrosa no âmbito da 9ª Edição do “Prémio CES-UC para Jovens Cientistas Sociais de Língua Portuguesa”; em 2016, foi uma das contempladas com a bolsa Mandela Washington Fellowship for Young African Leaders (YALI), um programa da administração do Presidente Barack Obama.
Para além de artigos científicos em revistas especializadas e em colectâneas, é autora dos livros Mulheres, Democracia e Desafios Pós-coloniais: Uma Análise da Participação Política das Mulheres em Cabo Verde, publicado pelas Edições UNICV, em 2009, e Entre os Senhores das Ilhas e as Descontentes: Identidade, Classe e Género na Estruturação do Campo Político em Cabo Verde, publicado no Brasil pela Editora da UFPE, em 2014, e em Cabo Verde pelas Edições UNICV, em 2015. Em 2016, publicou o seu primeiro romance, intitulado "A Ponte de Kayetona".
Como professora universitária e investigadora, Eurídice Monteiro já recebeu convites para participar em conferências internacionais, pesquisar e lecionar em várias universidades em África, Europa, Estados Unidos e América Latina. Foi Pesquisadora Visitante em Brookings Institution, Estados Unidos, em 2016; Professora Visitante na Universidade Federal de Minas Gerais e UNISINOS, Brasil, em 2016; Professora Visitante da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, em 2014; Pesquisadora Convidada no Observatório Lusófono dos Direitos Humanos (OLDHUM) na Faculdade de Direito da Universidade do Minho, Portugal, desde 2014; Pesquisadora Visitante da Universidade de Boston, Estados Unidos, em 2010. Recentemente, em 2017, foi Professora Internacional no Seminário virtual “Luta das Mulheres no Sul: América Latina, África e Oriente”, na Especialização e Curso Internacional em Epistemologias do Sul, organizado pelo Centro de Estudos Sociais (CES, Portugal) e o Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO).
É Membro Fundadora nº 29 da Academia Cabo-verdiana de Ciências e Humanidades; Membro da American Political Science Association (APSA), desde 2016; Membro da Associação Portuguesa de Ciências Políticas (APCS), desde 2004; Membro do Conselho de Supervisão da Associação Internacional de Língua Portuguesa das Ciências Sociais e Humanas (AILP-CSH); e Membro Voluntário da Associação Zé Moniz (AZM), uma ONG que promove os direitos humanos. Desde Setembro de 2016, é Comissária Nacional de Direitos Humanos, nomeada pelo Governo de Cabo Verde, na administração do Primeiro-Ministro Ulisses Correia e Silva.
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