Um grupo de personalidades cabo-verdianas, encabeçado pelo escritor e advogado Germano Almeida, enviou uma petição ao Presidente da República para pedir uma “melhor Justiça”, enquanto decorre o julgamento do também advogado Amadeu Oliveira, crítico do sistema no país.
No documento os subscritores começam por lembrar que nos últimos tempos a Justiça em Cabo Verde vem sendo “sacudida por verdadeiras convulsões”, que não tranquilizam os cidadãos, e por um “desnorteamento” que os obriga a dirigirem-se ao chefe de Estado.
Os signatários reconhecem a separação de poderes no país, mas notam que Jorge Carlos Fonseca é o mais alto representante da Nação cabo-verdiana e, em última instância, o garante moral das liberdades e das garantias de paz e de segurança consagradas na Constituição da República.
“Assim, quando os demais poderes se mostram ineficientes em adotar medidas capazes de tranquilizar os cidadãos que aspiram a viver confiantes nesta sociedade, o recurso possível é ir a Vossa Excelência, encorajados pelo poder ainda que apenas influenciador da magistratura presidencial”, explicam os 21 subscritores da carta.
Na sua página oficial no Facebook, Jorge Carlos Fonseca confirmou que recebeu na quinta-feira a petição subscrita por “algumas dezenas de cidadãos sobre a situação da justiça no país”.
“O documento irá, naturalmente, merecer toda a minha atenção e será objeto de minha avaliação, que não se furtará a consultas a colaboradores e a outras entidades pertinentes”, garantiu o mais alto magistrado da Nação cabo-verdiana.
Os cidadãos, encabeçados pelo escritor e advogado Germano Almeida, Prémio Camões em 2018, afirmam que a generalidade dos cidadãos está a viver preocupada e angustiada com as gravíssimas denúncias acusatórias que têm vindo a ser feitas nos diversos meios de comunicação social, acerca da atuação de determinados magistrados.
“Ao dramático atraso na prestação da justiça por parte dos tribunais, facto que por si só desestabiliza a vida da comunidade nacional, no presente tempo veio agora juntar-se um dado muito mais inquietante, e que é a suposta ausência de seriedade em determinadas atuações de determinados magistrados”, lê-se na missiva.
O caso mais recente é do advogado e ativista Amadeu Oliveira, um crítico do sistema de justiça do país, que há vários anos denuncia publicamente alegados casos de fraudes e manipulação de processos judiciais, e agora está a ser acusado de 14 crimes de ofensa e injúria contra os juízes.
O defensor dá como um dos exemplos o caso de um emigrante, que é seu constituinte, que disse foi condenado a 11 anos de prisão em primeira instância, pena reduzida para nove anos pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), mas num processo que considerou ser “fraudulento”, “manipulado” e com “falsificação de provas” por parte de juízes.
Para os subscritores da petição, as denúncias de Amadeu Oliveira vêm ficando cada vez mais vexatórias, e a sociedade inteira aguarda “com grande expetativa” que algo seja feito no sentido de repor o bom nome da Justiça, que consideram está a ser “maltratada por acusações graves”.
As mesmas fontes lembram que foi aberto um inquérito para averiguar essas acusações, mas lamentam que não se lhe conhecem os resultados ou terá sido arquivado por falta de provas.
“Porém, é evidente que um inquérito dessa natureza não dará garantias de credibilidade se não for levado a cabo por personalidades em quem a sociedade deposita confiança por provas da sua independência. Nunca, portanto, por pares desses envolvidos, como terá sido o caso”, sugerem.
Os subscritores referem que têm vindo a acontecer sucessivas interrupções e adiamentos do julgamento de Amadeu Oliveira, por razões que dizem até podem ser atendíveis, mas sublinham que mais não fazem que “desacreditar cada vez mais a instituição judicial”.
“Essas acusações são demasiadamente graves para se ficar em silêncio. Uma averiguação independente justifica ser levada a cabo, de modo a se conhecerem em definitivo e sem margem para dúvida quem são os prevaricadores: se os magistrados postos em causa, se Amadeu Oliveira”, prossegue-se na petição enviada ao Presidente da República.
O julgamento de Amadeu Oliveira foi interrompido na semana passada para ser retomado na próxima sexta-feira.
A detenção do advogado por elementos da Polícia Nacional em 20 de fevereiro, na Praia, originou uma manifestação dois dias depois de centenas de pessoas na ilha de São Vicente também para pedir uma melhor justiça, e nas redes sociais surgiram várias manifestações de apoio, mas também de apelo ao cumprimento das leis do país.
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