Efeméride: Há 49 anos Amílcar Cabral era assassinado pelos seus pares do partido em Conacry
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Efeméride: Há 49 anos Amílcar Cabral era assassinado pelos seus pares do partido em Conacry

A 20 de Janeiro de 1973, Amílcar Cabral era assassinado em Conacry e, a 21 do mesmo mês, Sékou Touré, Presidente da República, anunciava ao mundo a morte do pai das independências da Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Segundo o historiador bissau-guineense Julião Soares Sousa, no seu livro “Amílcar Cabral-Vida e morte de um revolucionário africano”, nessa mesma noite foram revelados à imprensa os nomes dos alegados autores materiais. Eram eles: Inocêncio Cani, Momo Touré, Bacar Cani, Aristides Barbosa, João Tomás Cabral, Mamadú Indjai, Koda Nabonia, entre outras dezenas de indivíduos.

“Fazendo fé no relato do jornalista moçambicano Aquino de Bragança, e no discurso oficial, Cabral regressava de uma recepção na embaixada da Polónia quando foi surpreendido pelos seus próprios homens”, escreve o historiador, acrescentando que ao longo do dia o líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) se tinha desdobrado em várias actividades, nomeadamente uma visita à escola-piloto, enquanto no secretariado do partido despachara assuntos políticos com Aristides Pereira.

De acordo com a mesma fonte, Cabral teve ainda tempo para receber uma delegação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), chefiada por Samora Machel, de visita a Conacry.

Consta que esta delegação moçambicana tinha informações, através de “fonte digna de confiança”, de que um atentado contra Amílcar Cabral estava a ser planeado.

Vários outros autores, prossegue Julião Soares Sousa, entre os quais se destaca Oleg Ignatiev, autor do livro “Três tiros da Pide”, avançaram ainda a versão segundo a qual Cabral teria recebido a visita de dois diplomatas amigos que o informaram acerca de rumores de que um possível atentado contra a sua vida estaria a ser orquestrado.

Estes dois diplomatas, ao que tudo indica, eram elementos dos serviços de segurança da embaixada da Checoslováquia em Conacry.

Há quem defenda que o líder histórico do PAIGC teria sido morto por militantes da Frente Unida de Libertação da Guiné-Bissau (FULGB), “constituída exclusivamente de naturais autênticos da Guiné-Bissau, hostil a Amílcar Cabral e ao seu estado-maior cabo-verdiano”.

Julião Soares Sousa avança a hipótese de o plano para o assassinato de Amílcar Cabral ser do conhecimento do Presidente Sékou Touré.

Citando José Pedro Castanheira, autor do livro “Quem mandou matar Amílcar Cabral?”, o investigador aponta que entre as motivações que podem ter levado Sekou Touré a interessar-se pela eliminação física do líder histórico do PAIGC ou pelo menos, facilitá-la, podiam estar os “ciúmes pelo protagonismo cada vez mais evidente de Amílcar [Cabral] e a ambição do Presidente da República da Guiné-Conacry em criar um único Estado na costa ocidental de África (‘A Grande Guiné’) integrado no projecto de unidade africana”.

Entretanto, Aristides Pereira, primeiro Presidente de Cabo Verde, no livro do jornalista José Vicente Lopes, “Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História”, admite que não pode afirmar, “de forma categórica”, que Sékou Touré não estivesse envolvido na morte de Cabral.

“No entanto, dentro de uma certa lógica, e dos próprios interesses de Sékou Touré, não vejo por que razão haveria ele de estar interessado que Cabral desaparecesse”, disse Aristides Pereira, reconhecendo, no entanto, que na altura em que o líder foi morto, a imagem do Sékou Touré, no exterior, “estava em franco declínio e um dos elementos que ainda lhe dava algum prestígio era ter, rectaguarda segura, um movimento de libertação considerado brilhante em África, o PAIGC”.

“(…) Não estou a ver o Sékou a ser tão estúpido para acabar com essa réstia de credibilidade que ainda conservava.

Aliás, é justamente nessa altura que notei nele muito mais atenção a nós”, defendeu Pereira, concluindo que graças ao PAIGC Touré “podia arvorar-se em defensor da causa africana, projectando a sua imagem em todo o continente”.

Aristides Pereira lembra que já tinha havido “várias outras tentativas” de liquidar Cabral e cita o exemplo de Madina do Boé.

“Cabral ia sempre a Madina do Boé, até porque essa era a frente dele. Nessa ocasião, já estava tudo preparado para matá-lo, com gente nossa, militantes guineenses. Descobre-se isso, mas o Cabral não estava, estava em viagem”, explica Aristides Pereira.

Segundo ele, os implicados na intentona foram julgados por um Tribunal Militar que, na altura, já tinha sido criado, os condenou à pena de morte.

E Cabral, prossegue Pereira, quando toma conhecimento do fuzilamento dos que pretendiam atentar contra a sua própria vida, disse: “Eu não vim para a luta para a gente vir matar-se entre nós. Se é para isso, largo tudo e cada um vai tratar da sua vida como bem entender”.

A cerimónia fúnebre de Amílcar Cabral realizou-se a 01 de Fevereiro de 1973, no Estádio Nacional de Conacry, na presença de milhares de espectadores. Compareceram delegações de vários países, movimentos de libertação de vários lugares e organizações internacionais.

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