José Pinto Almeida, com a sua esposa, Maria Ribeiro Marques Pinto, o seu irmão, Valentim Almeida Pinto, o vereador, Osvaldino Silva Évora, o diretor do Gabinete Técnico Municipal, Jorge Teixeira, e o assessor Paulo Santos, terão lesado a ilha da Boa Vista em qualquer coisa como 304 mil contos em negócios de terrenos para benefícios próprios.
Com os olhos perdidos no horizonte anilado se perdendo na bravura do mar, embalsamado num cerúleo a inundar o céu e a terra, enquanto a bela e exótica baía de Chaves ondula e se serpenteia na curvatura das areias brancas a brilhar sob um sol ameno, meio morno, de um princípio da tarde igual a muitos outros, alguém deixa escapar este lamento, pesado, estoico: Boa Vista poderia muito bem ser a ilha fantástica… mas…!
Mas Boa Vista não é uma ilha fantástica. Se em algum momento da sua existência o foi, esse momento passou à história. Terra de expectação, como o próprio nome indica, a corrida ao vil metal, a ganância material, o jogo do poder, e a corrupção de quem jurou trabalhar para promover o seu desenvolvimento, haveria de mergulhar este povo no lamaçal da miséria e do escárnio, e hoje, a Boa Vista é uma ilha esquartejada pela corrupção.
Sal-Rei é, em certas circunstâncias, uma cidade fantasma. Perscruta-se pelas suas ruas esburacadas, íngremes, sobretudo na parte histórica, um gemido de abandono, um sentimento de frustração, de cansaço e de desistência. Ninguém fala, ninguém reclama, prevalecendo o sentimento de que o que não tem remédio, remediado está. Uma cidade sem autoestima, portanto!
Passando um breve olhar às contas municipais, rapidamente se percebe que nos últimos 10 anos a Câmara Municipal da Boa Vista terá arrecadado mais de 1 milhão de contos só em Impostos Sobre o Património.
No quadro de uma gestão séria e consequente dos recursos públicos locais, este dinheiro haveria de ajudar na materialização de muitas obras e atividades vocacionadas para o bem-estar coletivo, e assim promovendo a competitividade da ilha.
Todavia, a realidade nos aponta que esse dinheiro não serviu para pagar um serviço de saneamento digno desse nome, para calcetar as ruas históricas da cidade, para embelezar a praça central, para pagar infraestruturas básicas adequadas, ou para introduzir que seja um modesto programa de planeamento urbano, vinculado a uma região turística por excelência, salvaguardando o interesse público, para realizar a satisfação das necessidades coletivas públicas.
Não se conhece ao certo o destino dado a essas receitas. Mas vê-se, por exemplo, que não serviu para urbanizar o Bairro da Esperança – onde vivem mais de 8 mil almas e cerca de 80% de força de trabalho da ilha, porque a recente requalificação foi executada pelo governo e com o fundo do turismo – e muito menos para realojar os habitantes do bairro “Farinação”, onde vive uma importante comunidade de famílias oriundas da ilha de Santiago, e que se ocupam da pesca, da venda ambulante e de pequenos afazeres pontuais.
A ilha dos grandes hotéis de luxo, das belas praias de areia branca, das tartarugas, das tamareiras, dos terrenos a preço de ouro, não conseguiu criar as condições básicas para o saneamento, para a habitação, para o emprego, para o empreendedorismo, e para enfrentar as carências primitivas de uma população que nada mais quer, ou espera, a não ser uma vida com um pouco de dignidade, cotada, no mínimo, pela justa proporção dos recursos que a ilha produz ou dispõe.
Boa Vista é, hoje, uma ilha desigual, injusta, violadora dos direitos primários e basilares dos seus filhos e residentes. A especulação territorial, a corrupção na distribuição do solo, o jogo do poder, o silêncio das instituições, e a destruição da autoestima coletiva, empurraram a ilha para uma mesquinha e ultrajante situação de paralisia funcional e organizacional, a demandar por medidas tutelares e judiciais de curto prazo, visando a salvaguarda do Estado de Direito e da justiça social.
As denúncias públicas do cidadão, comerciante e empresário, Sérgio Corra’, sobre a forma como as autoridades municipais têm feito a gestão de solos na cidade de Sal Rei, se não servirem para acordar a terceira maior ilha do país, que sirvam ao menos para despertar o governo, o parlamento e as instâncias judiciais sobre a necessidade de se tomar medidas, quanto mais não seja para preservar a honra das instituições democráticas e apregoar o bom nome do país junto da comunidade internacional.
Sérgio Corra
Nas denúncias de Sérgio Corra, que facultou boa parte da documentação que Santiago Magazine teve acesso, está evidente que o antigo presidente da Câmara Municipal da Boa Vista, José Pinto Almeida, terá adquirido cerca de 1.548 metros quadrados de terreno, na zona de Estoril, uma das mais nobres da cidade, mais 1.548 metros quadrados ao lado Banco Interatlântico, área essa que era reservada para Lar de Estudantes. O valor desses terrenos, a preços do mercado, é de qualquer coisa como 70 mil contos, se vendido em hasta pública como recomenda a lei e os regulamentos municipais.
Entretanto, segundo o denunciante, José Pinto Almeida terá pago pouco mais de 2.477 contos, que é o preço praticado pela Câmara Municipal. Feitas as contas, esse antigo autarca terá lesado a sua ilha em mais de 67 mil contos.
Mas isto ainda é pouco. Muito pouco! Consta que a sua esposa, Maria Ribeiro Marques Pinto, terá adquirido, sempre no Estoril, 2.210 metros quadrados, mais 290 metros quadrados, na zona do Liceu, que segundo Corrá, em 2014, foi tirada à força para criar novos lotes, reduzindo o espaço do novo liceu, pagando a quantia de pouco mais 2.300 contos, cujo valor no mercado é superior a 30 mil contos, lesando assim a ilha em mais de 27 mil contos.
O irmão, Valentim Almeida Pinto, terá adquirido cerca de 4.544 metros quadrados de terreno, também na zona de Estoril e industrial, tendo pago, segundo o denunciante, cerca de 5 mil contos. O valor do mercado desses terrenos está avaliado em cerca de 120 mil contos, o que significa que a sua esposa e o irmão terão lesado os cofres municipais em cerca de 143 mil contos.
Trata-se de uma enorme erosão financeira e patrimonial para o município, supostamente perpetrado por entidades que tinham a faca e o queijo na mão.
O antigo vereador, Osvaldino Silva Évora, também terá adquirido 1.275 metros quadrados de terrenos, nas zonas de Estoril e Bom Sossego, mais uma barraca de madeira sobre um terreno vendido para a sede da Caixa Económica, pagando pouco mais de mil e 300 contos. Entretanto, a avaliação desses terrenos no mercado chega aos 46 mil contos, pelo que esse antigo vereador terá lesado a sua ilha em quase 44 mil contos.
A mesma postura terá tido também o ex-director do Gabinete Técnico Municipal, Jorge Teixeira, ao adquirir 524 metros quadrados de terreno, sendo 300 metros quadrados em Estoril e 244 em Riba Dolte, na qual terá pago no total cerca de 389 mil escudos. No mercado, esses terrenos estão avaliados em cerca de 12 mil contos, pelo que este antigo dirigente autárquico terá lesado a ilha em mais de 11 mil contos.
Segundo Corrá, Paulo Santos, que foi assessor de José Pinto Almeida, terá também comprado, por meio da empresa Edeal Lda, sempre no Estoril, 4.760 metros quadrados de terreno, tendo pago cerca de 6 mil contos, quando o valor do mercado desses terrenos está avaliado em 45 mil contos. Se assim for, o antigo assessor de José Pinto Almeida terá também lesado Boa Vista em cerca de 39 mil contos.
Em resumo, temos que o José Pinto Almeida, com a sua esposa, Maria Ribeiro Marques Pinto, o seu irmão, Valentim Almeida Pinto, o vereador, Osvaldino Silva Évora, o diretor do Gabinete Técnico Municipal, Jorge Teixeira, e o assessor Paulo Santos, terão prejudicado a ilha da Boa Vista em cerca de 304 mil contos em benefícios próprios.
Este primeiro apanhado, assegura Sérgio Corra ao Santiago Magazine, é apenas uma ponta do grande icebergue do que tem sido a gestão do solo materializada pela Câmara Municipal da Boa Vista do ano 2000 a esta parte. Porque a situação, diz Corra, é bem mais complexa e grave!
Um estudo realizado pelo Governo, em 2014, terá concluído que a Boa Vista é o único concelho autossustentável do país. Terra do turismo, tudo indica que esse estudo esteve firmado em dados concretos e fiáveis, tendo em conta os investimentos turísticos aqui introduzidos nas últimas duas décadas e a consequente procura de terrenos a que se tem assistido por estas bandas do eldorado cabo-verdiano.
Nos próximos dias, este diário digital estará a trabalhar para trazer para os seus leitores o essencial sobre um dossier que, de certeza, fará correr muita tinta no país.
Com efeito, este é apenas um artigo-chapéu de uma série de matérias sobre esta suposta teia gigante de corrupção na Boa Vista e que Santiago Magazine trará ao convívio dos leitores nos próximos dias, com versões dos visados e posição da Procuradoria Geral da República. Aliás, para a produção desta peça inicial SM tentou ouvir o presidente da Câmara Municipal da Boa Vista, mas disseram-nos que José Luis do Santos se encontrava fora do país, pelo que iremos enviar as questões por email e aguardar a resposta.
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