A ignorância política que grassa em Cabo Verde atingiu o cúmulo do ridículo esta semana por causa de um post do deputado do MpD, Emanuel Barbosa, a rejeitar Amílcar Cabral como figura do Estado. O seu partido, ainda que pela pena indirecta do secretário-geral ventoinha, Miguel Monteiro, já se demarcou da tal afirmação, mas ainda assim sai prejudicado.
É sabido que o MpD, de ideologia centro-direitista, não morre de amores pelo legado de Amilcar Cabral e, sobretudo, dos seus discípulos que haveriam depois por instalar o Estado cabo-verdiano. Mas o partido ventoinha nunca teve o desplante e o desrespeito pelo fundador da nacionalidade cabo-verdiana a ponto de o desprezar ao nível a que se atreveu o deputado Barbosa.
Efectivamente, mexer com Cabral é mexer com a história do nosso próprio país e quem o faz está explicitamente a desonrar a nação que lhe dá identidade. Mesmo sendo um post no facebook, logo, pessoal, não deixa de ter relevância o facto de Barbosa ser deputado nacional, que é como quem diz, alguém com responsabilidades acrescidas sobretudo no campo comunicacional e político, na medida em que as suas acções, ainda que fora da esfera parlamentar, têm sempre efeitos na sua avaliação política.
Outrossim, Amílcar Cabral é anterior e muito mais do que qualquer partido político em Cabo Verde, precisamente por ter sido ele a liderar a luta independentista que nos deu asas para sermos este Cabo Verde e, principalmente, permitiu a este arquipélago dar os primeiros passos da liberdade para cada um expressar como quiser. É esse legado de Cabral que possibilitou Emanuel Barbosa de dizer o que disse e de hoje estar sentado no Parlamento cabo-verdiano, com os votos de cabo-verdianos, e afirmar que também é cabo-verdiano.
Ora, não reconhecer Cabral como figura de Estado tem, na prática, a sua lógica, porquanto, Amílcar nunca presidiu ou governou este país. Mas, convenhamos, o Estado de Cabo Verde só existe por causa de Cabral. Isto é como não reconhecer Jesus Cristo como figura máxima do Catolicismo porque não fundou a Igreja Católica. Enfim, Cabral tem direito a estar sim em todos os locais públicos do país, onde se quiser colocar a sua imagem.
O secretário-geral do MpD, Miguel Monteiro, já se demarcou da posição algo absurda do deputado Barbosa, mas o partido, a contra-gosto, sai também beliscado desta celeuma. Para já fica evidente – e não só aos ventoinhas – que deve haver melhor critério dos partidos na escolha de quem indica para representar o povo no parlamento, uma vez que as acções, responsáveis ou não, dos deputados eleitos pelas suas listas terão sempre reflexo na hora do voto. Sendo assim, todos os partidos serão responsáveis pelo comportamento dos seus deputados.
Apesar de viver hoje fora de Cabo Verde, continuo atento ao que se passa na minha terra, de modo que, a meu ver, este assunto acaba, no fundo, por trazer à ribalta o tabu que se tornou Amilcar Cabral em Cabo Verde. Uma figura internacional, um pan-africanista estudado em universidades europeias e americanas e que está no panteão dos grandes pensadores do continente, continua a ser aniquilado pelos seus. Ou seja, Cabo Verde, tirando a Fundação que lhe dá nome, pouco ou nada vem fazendo para perenizar Cabral, através do ensino dos seus pensamentos nas escolas, por exemplo.
Emanuel Barbosa foi longe, sim, mas o sistema político no geral não está ileso desta nova morte de Cabral. O pai da nacionalidade cabo-verdiana vem sendo assassinado todos os dias por nós mesmos e só damos por isso quando a sua nova morte é horrenda. Como esta, em que quem senta no Parlamento que ele, Cabral, idealizou lhe desfere golpes letais. Com a faca de Brutus!
Comentários