Prova de exame de história do 12º 2025. Uma pergunta, várias lições sobre a nossa escola, a política e os erros de uma reforma educativa mal conduzida
Ponto de Vista

Prova de exame de história do 12º 2025. Uma pergunta, várias lições sobre a nossa escola, a política e os erros de uma reforma educativa mal conduzida

A pergunta da discórdia não é apenas uma falha de um professor ou de uma comissão de exames. É um sintoma claro de um sistema que precisa de mais vigilância, mais debate e, sobretudo, mais respeito pela complexidade do passado e mais competência da parte de seus gestores. Se queremos formar cidadãos livres e críticos, a História deve ser ensinada com fontes plurais, vozes contraditórias e narrativas abertas — e nunca como uma lição ditada pelo poder do momento.

No meio da habitual “tranquilidade” das provas finais do 12.º ano, uma pergunta do exame nacional de História gerou polémica — e não sem razão. O que parecia, à primeira vista, uma questão normal de interpretação da história recente, revelou-se um espelho de problemas mais profundos do sistema educativo cabo-verdiano.

Mais do que uma tentativa deliberada de instrumentalização ideológica da escola, esta pergunta tornou-se um sinal claro de uma falha estrutural: o insucesso da reforma educativa em garantir rigor, equilíbrio e pensamento crítico no ensino da História.

A Pergunta Polémica

A questão em causa, inserida no tema “Percurso da institucionalização da democracia”, apresentava dois documentos: uma declaração política do MPD, datada de 14 de março de 1990, e uma afirmação recente do Presidente da República (35 anos depois do primeiro documento), exaltando Carlos Veiga como “champion da liberdade e da democracia”. Com base nestes textos, os alunos deviam:

- Identificar fatores internos e externos que levaram ao fim do regime de partido único;
- Comentar o papel de Carlos Veiga na institucionalização da democracia.

Onde Está o Problema?

À primeira vista, a pergunta parece cumprir os objetivos curriculares: leitura de documentos históricos, contextualização e análise crítica e, especificamente, Descrever o papel de Carlos Veiga, do seu governo e do novo parlamento na produção legislativas de reforço do Estado Democrático, conforme consta do Programa de História – 12.º Anos de escolaridade – Componente de Formação Específica – Área de Humanística, pagina 16. No entanto, uma análise mais atenta revela diversos erros pedagógicos e epistemológicos.

1. Fontes desequilibradas e descontextualizadas
Os dois documentos apresentados são de natureza diferente. Um é um manifesto partidário de 1990; o outro é uma homenagem feita 35 anos depois, por uma figura institucional. Não há equilíbrio temporal nem institucional. O documento adequado como contraponto ao do MPD seria, logicamente, um posicionamento do PAICV (mencionado no excerto) emitido na mesma época, e não uma reflexão institucional tardia, e ainda feita pelo Presidente da República.

2. Confusão entre facto histórico e opinião política
Apresentar um documento do MPD como fonte histórica objetiva ignora que se trata de um texto opinativo, de um partido em formação, claramente interessado em construir uma narrativa própria. O programa curricular exige que o aluno “interprete factos na linha do ofício dos historiadores” e “analise teorias históricas”. Isso pressupõe o uso de fontes plurais, factuais e contraditórias — o que não aconteceu.

3. Exaltação unilateral de uma figura política no próprio programa
A prova convida implicitamente os alunos a glorificarem Carlos Veiga, sem margem para o debate. Isso fere a neutralidade exigida no espaço escolar. O próprio programa de História (p. 16) refere Carlos Veiga como figura central da transição democrática. Mas esta leitura é redutora e historiograficamente incorreta. O processo de abertura começou com o discurso de 19 de fevereiro de 1990, ainda sob a liderança do PAICV. O multipartidarismo foi uma conquista coletiva, fruto de fatores internas e externos, e não de um único homem.

4. Seleção incorreta dos conteúdos programáticos
A prova concentra-se no ponto 2.4.4 do programa — “O papel de Carlos Veiga na institucionalização do Estado de Direito” — ignorando os passos e atores anteriores e essenciais da transição democrática, como:
- A abertura política (2.4.1),
- A criação do MPD (2.4.2),
- As primeiras eleições democráticas (2.4.3).

Focar apenas no último ponto é inverter a lógica da história. Como se a democracia tivesse surgido depois da vitória e não antes dela.

Uma Reforma que Precisa de Reforma

Este episódio evidencia o que muitos educadores vêm alertando: esta reforma segue sem a correta vigilância epistemológica, os programas (do 12.º, incluído) foram mal testados, mal acompanhados e mal corrigidos. A experimentação não foi devidamente monitorizada. Como consequência, erros conceptuais e pedagógicos escaparam ao crivo da avaliação, tornando-se normativos — e agora aparecem em exames nacionais.

O ensino da História não pode ser usado como palco de elogios de instituições partidárias e seus agentes nem de promoção de narrativas enviesadas. O espaço da escola exige pluralidade, rigor e pensamento crítico.

Conclusão

A pergunta da discórdia não é apenas uma falha de um professor ou de uma comissão de exames. É um sintoma claro de um sistema que precisa de mais vigilância, mais debate e, sobretudo, mais respeito pela complexidade do passado e mais competência da parte de seus gestores.

Se queremos formar cidadãos livres e críticos, a História deve ser ensinada com fontes plurais, vozes contraditórias e narrativas abertas — e nunca como uma lição ditada pelo poder do momento.

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