A língua portuguesa, uma das cinco mais faladas no mundo, não precisa de ser promovida anulando outras. Pelo contrário, o português é hoje uma língua global e pluricêntrica só porque saiu de Portugal, se uniu a outras línguas e mostrou o seu dinamismo. É pelo respeito às outras línguas e aos seus falantes que promovemos a nossa!
Motivada pelo artigo do poeta cabo-verdiano José Luiz Tavares (https://www.buala.org/pt/a-ler/uma-selvajaria-civilizacional-o-caso-da-escolaportuguesa-da-praia), sendo linguista, professora e portuguesa, não posso deixar de lamentar a posição moral e cientificamente ultrapassada, errada e perniciosa tomada pela Escola Portuguesa de Cabo Verde, que proibiu o uso da língua cabo-verdiana pelos alunos, cabo-verdianos, em todos os espaços do seu recinto.
Decisão ultrapassada porque o cabo-verdiano, língua nascida num contexto sociohistórico muito específico (o do século XV), é uma língua que, tal como a portuguesa, tem gramáticas, dicionários e muita investigação que a descreve e regula, assim como literatura que a sustenta. Só aqueles que desconhecem ou ignoram esta realidade continuam a defender o que era feito no passado (durante o período da colonização portuguesa).
Decisão errada porque um estabelecimento de ensino que tem autorização para ensinar o currículo oficial português num país estrangeiro tem a obrigação de conhecer a realidade linguística do contexto em que atua (no caso, bilingue) e de adaptar os seus métodos de ensino ao público-alvo. As escolas de excelência só o são se forem dirigidas e compostas por pessoas com formação atualizada e moralmente superiores.
Decisão perniciosa porque o trabalho que muitos investigadores cabo-verdianos e internacionais têm feito há décadas para dar à língua cabo-verdiana o estatuto que lhe é devido em Cabo Verde, a par da língua portuguesa, é deste modo arrasado, ao incutir na mentalidade dos jovens cabo-verdianos que frequentam a Escola Portuguesa de Cabo Verde (e na das famílias) a ideia de que falar a sua língua materna prejudica a aprendizagem da portuguesa e, pior, de que aquela é inferior a esta.
A língua portuguesa, uma das cinco mais faladas no mundo, não precisa de ser promovida anulando outras. Pelo contrário, o português é hoje uma língua global e pluricêntrica só porque saiu de Portugal, se uniu a outras línguas e mostrou o seu dinamismo.
É pelo respeito às outras línguas e aos seus falantes que promovemos a nossa!
Nélia Alexandre é professora auxiliar do Departamento de Linguística Geral e Românica da Faculdade de Letras; vogal da direção do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa; coordenadora pedagógica do curso online O Meu Português (DLC/FLUL/ADFLUL); diretora do Centro de Avaliação e Certificação do Português Língua Estrangeira (CAPLE) e presidente da Associação de Crioulos de Base Lexical Portuguesa e Espanhola (desde 2017).
Recebeu o grau de Doutoramento em Linguística Geral (especificamente, em sintaxe do crioulo de Cabo Verde) pela Universidade de Lisboa (2009). A sua investigação tem-se centrado nas seguintes áreas da Linguística: sintaxe (comparada), contacto de línguas, variedades do português em África, aquisição do português L2.
É autora do livro
Alexandre, N. (2012). The Defective Copy Theory of Movement: Evidence from Wh-Constructions in Cape Verdean Creole, Creole Language Library 41, Amsterdam: John Benjamins Publ.
Nos últimos 5 anos, foi (co)autora de publicações como Hagemeijer, T.; Truppi, C.; Cardoso, H.; Pratas, F. & Alexandre, N. (eds.). (2019). Lives in Contact: A Tribute to Nine Fellow Creolinguists, Special Issue of the Journal of Ibero-Romance Creoles 9(1).
Alexandre, N. (2019). Um olhar sobre o crioulo de Cabo Verde do século XIX através das cartas de A. J. Ribeiro a H. Schuchardt. Journal of Ibero-Romance Creoles. Ed. especial de T. Hagemeijer; H. Cardoso; F. Pratas; C. Truppi & N. Alexandre (Orgs.), 9(1), 278-305. ISSN 2184-5360.
Alexandre, N. (2019). Aquisição de Português L2 em Cabo Verde: algumas características morfossintáticas do contacto. In M. Oliveira & G. Antunes (orgs.). O Português na África Atlântica. 2ª ed., pp. , Lisboa: Editora Chiado.
Alexandre, N. & Oliveira, M. (2019). Cabo-verdiano e Português: cotejando estruturas focalizadas. In M. Oliveira & G. Antunes (orgs.). O Português na África Atlântica. 2ª ed., pp. , Lisboa: Editora Chiado. ISBN: 978-989-52-6265-6.
Alexandre, Nélia. (2018). Book review of Nicolas Quint (2015). Cape Verdean: Language and Culture (English and Creole Edition). Battlebridge. http://www.amazon.com/Lets-Speak-Cape-Verdean-Language/dp/1903292328. Journal of Pidgin and Creole Linguistics (JPCL) 31:1, 223-227. DOI: 10.1075/jpcl.00012.ale
Alexandre, N. & Gonçalves, R. (2018). Language contact and variation in Cape Verde and São Tome and Principe. In L. Álvarez; P. Gonçalves & J. Avelar (eds.). The Portuguese Language Continuum in Africa and Brazil. 237-265, Amsterdam: John Benjamins Publ.
Alexandre, N. (2017). Book review of Jürgen LANG (ed.). A Variação Geográfica do Crioulo Caboverdiano. In Revista de Crioulos de Base Lexical Portuguesa e Espanhola (RCBLPE), 7, pp.34-39. ISSN 1646-7000 http://www.acblpe.com/revista/volume-7-2017
Cardoso, H.; Hagemeijer, T. & Alexandre, N. (2015). Crioulos de Base Lexical Portuguesa. M. Iliescu & E. Roegiest (eds.). Manuel des Anthologies, Corpus et Textes Romans, Cap. 38, 670-692, Dordrech: Mounton de Gruyter.
Alexandre, N. & Oliveira, M. (eds.). (2015). Proceedings do V Seminário Internacional do Grupo de Estudos de Línguas em Contacto, PAPIA 25(2).
Tem participado em vários júris de mestrado e doutoramento e (co)orientado teses de doutoramento e de mestrado dentro das suas áreas de interesse.
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