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Praia Leaks – XVIII. Felicitações a todos e votos de boa caminhada   
Ponto de Vista

Praia Leaks – XVIII. Felicitações a todos e votos de boa caminhada  

Penso que o poder judicial deve ser urgentemente repensado entre nós, especialmente em matéria do escrutínio disciplinar superior e isento dos magistrados que prevariquem, para que se evite a situação pública a que chegámos, a todos os títulos indesejável, em que poderá começar-se a exceder os delicados limites dum equilíbrio necessário. Na verdade, o poder judicial é, ainda assim, e será sempre a tábua de salvação da Liberdade e da Justiça. Vale a pena lutar por sua recuperação, sua pureza e qualidade em todos os sentidos.

No momento de (fugaz) retoma destes diálogos plurais passou-se o ano de 2020 que Deus haja. A nossa fé, que remove montanhas, olha para a frente com otimismo.

Felicito os autarcas eleitos. Que olhem pelo mundo rural, de onde esperamos alimento natural, olhem pela Cidade como um ser que vive de regras, que respira vida ou é criminógena, olhem pelos munícipes, os que querem viver num abrigo digno, os que investem em construí-lo e trazer outras comodidades coletivas e até os que só querem vender o chão... que seja deles. O país, além de ser um todo, uma Nação, é uma soma de municípios!

E dobremos os sinos por quem, entre os eleitos, se findou com estrondo na madrugada (se isso foi), na assomada duma nova aposta, enquanto a Praia de Santa Maria da Vitória, ou a Nação, aguardam uma homenagem pública a um Filho Ilustre, intrépido guerreiro por valores, gazeado mortalmente por debaixo da porta.

Ficará a saudade de todos os nossos marinheiros naufragados nesse vendaval que Deus haverá. Mas ouçamos, do poeta chileno Pablo Neruda para nós, d´ “O Pranto dos Tristes” alguns extratos:

Choremos, coração, pelos que ficam,

por todos os que um dia se quedaram

com todas as angústias e pesares;

(...)

Pelos que fracassaram e que correm

buscando idealismos que se afastam...

(Se perdem nos limites do caminho

e se vão e se vão e nunca chegam.)

(...)

Mas pelos que morreram não choremos,

deixemos que se afastem sem ouvi-los

e não usemos luto a recordá-los.

Talvez de alguma vida não sonhada,

que, como eles, também conheceremos,

de nós se compadeçam. (...)

(...)

Choremos pelos tristes que se quedam

e pelos que se foram não choremos!

Mas não! Não choremos hoje pelos tristes. Cantemos agindo. Há que lançar corajosamente pontes críticas para a nossa Felicidade como povo!

Após as eleições autárquicas tenho sido “assediado” por muita coisa, sendo de relevante e de referir aqui apenas o seguinte:

Por um lado, é grande a quantidade de pessoas que me procuram pedindo um pronunciamento acerca de problemas pessoais delas relativos ao terreno A ou B, como se pelo facto de ter escrito os textos publicados eu tivesse conhecimento da situação de todos os terrenos de Santiago – o que está a quilómetros de distância da realidade, até por nunca ter sido essa a minha pretensão, que aliás seria coisa de loucos.

Por outro lado, muitas pessoas telefonam-me ou enviam mensagens a querer saber se a nova edilidade da Câmara Municipal da Praia vai levar em consideração o que foi referido nos leaks e a minha resposta tem sido sempre esta: Acredito que sim, pelo menos em alguma medida, por tudo o que ouvi ser dito na campanha eleitoral, mas agora trata-se da responsabilidade de governar, que é diferente, e, obviamente, o Presidente eleito é que, com a sua equipa, saberá o que deva e queira fazer e o ritmo das suas ações – que em regra começam por conhecer os cantos da casa -, sendo certo que ainda é... madrugada.

Direi apenas que a meu ver toda a decisão pública madura e responsavelmente pensada – como presumo venham a ser as do novo edil, pelo perfil que dele se conhece, pelo menos pelos seus escritos - deverá nortear-se pela firmeza, mas também pelo equilíbrio entre o que, mal ou bem, está feito e o que urge fazer para corrigir o Mal e praticar o Bem (entenda-se: anular, modificar, reiniciar..., etc), mormente num país de frágeis equilíbrios como o nosso.

Sobretudo, importa não esquecer que o Município é uma instituição pública territorial, com uma população, e que, mesmo sucedendo-se no seu comando forças políticas diferentes ou até antagónicas, elas não devem sentir-se livres para encarar o passado como juízes dele, ou serem o machado da História sobre a cabeça de ex-governantes que foram eleitos pelo povo.

Lá diz o ditado: “Quando os elefantes brigam quem paga é o capim”. E esta é uma verdade que nunca será demais repetir, pois desde a Independência Nacional – e isso será comprovado ainda no decorrer destes “Leaks” - o país tem sofrido as consequências de ações de Governantes destinadas apenas a acusar e julgar os antecessores.

Isso não raro com total desprezo pelo cidadão, que muitas vezes paga pelo facto de, tendo traçado opções e caminhos, programado a sua vida com base em legítimas espectativas geradas por práticas instituídas, de repente vê desmoronar-se tudo, com enormes prejuízos morais e materiais.

Nada é mais pernicioso numa sociedade do que a constante imprevisibilidade das políticas, feitas ao sabor de interesses partidários, que sempre têm a ver com a chegada ao poder, ou a manutenção nele, como já dizia o insuperável Maquiavel nos séculos XV - XVI.

Breves exemplos para o que acaba de ser dito:

A Câmara Municipal da Praia ignorou por completo o Plano Detalhado (PD) de Palmarejo B, alterando os seus parâmetros de altimetria e não só a seu bel´prazer (ou ao bel´prazer de FS/NANÁ, na sequência do Memorandum de Entendimento de 2014, assinado por Ulisses Correia e Silva)? Como irá a nova Câmara agir?

Seja como for, a meu ver deverá respeitar no máximo possível os direitos adquiridos, mesmo na base da ilegalidade de atuação da Câmara anterior e deverá harmonizar tudo para não prejudicar as expectativas que sejam legítimas dos cidadãos e procurar o ponto de equilíbrio arquitetónico ou outro da própria urbe.

Outro exemplo:

O PD referido prevê lotes de habitação unifamiliar de 300 m2 ou menos, havendo um ou outro que, por especial configuração, se abeire dos 500 m2. Apenas NANÁ obteve um lote de 2.050 m2 (mais de seis vezes a área do lote máximo regra). A alguns metros de distância, Colégio Semear conseguia adquirir 4 lotes para juntar e ter uma área total de 1.220 m2.

Ora bem, num plano urbanístico inicial estava previsto um cruzamento no desembocar da Avenida de S. Vicente, na sequência do qual haveria uma ponte a dirigir-se a Achada de Santo António, onde se entroncaria no alinhamento da rotunda junto ao edifício do PNUD. Um muro baixo ali ainda espera por essa ponte.

“Consta que dizem que talvez” se chegou à ideia por mero acaso - estando o Presidente da República e um seu homólogo estrangeiro a passear na marginal à beira-mar junto à malcheirosa Estação de Tratamento de Águas Residuais, numa tarde de Verão, ocorreu um equívoco que poderia ter deflagrado um conflito diplomático: De repente, de cara amargurada pelo inamistoso odor, o confiado estrangeiro olhou desconfiado para o nosso Boss que, ofendido mas patriota, aproveitou, astuto, para pedir logo uma cooperação Norte – Sul que traçasse uma ponte para ultrapassar o oloroso problema a um nível mais elevado, ficando tudo compreendido.

Acontece que se mudou de opção e agora, em vez de se avançar do simples cruzamento para uma rotunda, está quase concluída no local (ainda que sem placa legal visível), uma moradia uni-familiar enorme, dum ex-governante democrata, fechando parcialmente as vistas do desembocar da Av. de S. Vicente.

Esperemos que, ao menos, não esteja totalmente inviabilizada, como parece, a hipótese de rotunda, ainda que menor, e que não se crie mais um lote aí, acabando com o sonho duma ponte a olhar para o oceano, respirando ar puro.

E falemos agora duma medida inexcedivelmente grave, em que foi o capim (os cidadãos) a pagar as consequências. Trata-se do caso rudemente contrário ao Direito, consubstanciado na Deliberação da Câmara Municipal da Praia de n.º 13/2008, de 11 de setembro, publicada no BO n.º 38, II Série, de 08.10.2008.

Com efeito, vencendo as eleições, o novo edil, Ulisses Correia e Silva, praticamente assumiu as dores de Jacinto Santos/FS-NANÁ/TECNICIL contra as posições de Felisberto Vieira (que analisaremos no próximo artigo, com factos), sujeitando este a vexante julgamento público, através dessa deliberação.

Como se pode ler no BO em causa, foi uma longa, inédita e cansativa sentença, com furiosas acusações contra a atuação do edil anterior por falta de transparência, violação de bons costumes, enfim, todas as palavras que foi possível arrebanhar na circunstância, para declarar a nulidade de venda de quase duas centenas de lotes em Cidadela feita a munícipes.

A análise jurídica ali apresentada é de tal pormenor e tão deslocada para uma simples deliberação camarária, que deixa transparecer a consciência da gravidade e ilegalidade da medida e a preocupação de tentar convencer o público da razoabilidade de uma Câmara Municipal, substituindo-se ao poder judicial, declarar a nulidade de vendas de terrenos por ela mesma feitas.

A deliberação publicada “fuma” logo ordem à conservatória do registo predial da Praia para anular os registos eventualmente já efetuados em nome dos cidadãos adquirentes e manda enviar tudo ao Ministério Público para o procedimento criminal contra Felisberto Vieira.

Foi uma deliberação claramente oferecida para aprovação à Câmara Municipal pela entidade interessada e, juraria eu, redigida por certo jurista, ex-governante e ex-magistrado, habituado a esse tipo de atuações horrorizantes da lei e do Estado de Direito, no caso concreto violando o princípio da separação de poderes.

O facto central alegado na deliberação para anular as alienações foi, para além do infindável rol de acusações sonoras como falta de transparência e quejandos, que se tratava de venda de lotes criados em áreas dotacionais previstas no PUD, logo inalienáveis. Mas a Câmara sabia ser isso falso para a maioria dos lotes e sabia que a deliberação se baseava em facto falso quando dizia (transcreve-se):

 “Tendo em conta que: a) O Plano Urbanístico Detalhado (PUD) de Achada Palmarejo, Cidadela, foi aprovado, homologado e publicado nos termos legais (Cfr. BO n.º 10, II Série de 6 de Março de 2000).

Na verdade, vimos, no leak IX, que esse PUD não foi nem homologado, nem publicado no BO de 6 de março de 2000, nem em lado nenhum. A publicação só viria a ocorrer em 2016, no contexto duma alteração do PUD informal.

Isso não são opiniões, são factos e basta consultar os documentos! Opinião é dizer, como digo e seguramente nenhum jurista contestaria, que, legalmente (pelo Estatuto dos Municípios), não tendo sido homologado nem publicado, tratava-se dum PUD “inexistente”.

Muito provavelmente a causa desse distúrbio residia no contrato assinado por Jacinto Santos em 4 de fevereiro de 2000, pelo qual ele cedia à empresa futura Tecnicil áreas públicas que por lei não podiam ser cedidas – contrato que era do conhecimento da Câmara, como havemos de ver.

Entretanto, a grande maioria desses lotes “inalienáveis” cuja venda ou aforamento foi anulada viria a ser alienada pelo mesmo edil a outras pessoas, provocando isso distúrbio urbanístico, com lotes já registados em nome do primitivo adquirente (pois os conservadores ignoraram obviamente a deliberação) e a CMP a impedir a este de construir. É questão com que, quase de certeza, a nova Câmara vai ter de lidar.

O grupo da Ordem dos Advogados (OACV) e seu bastonário não se apercebeu desse atentado ao Estado de Direito?!

Hã, hã, hã, hã!...

Muito provavelmente, o homólogo da OACV do tempo do Partido Único - o Instituto do Patrocínio e Assistência Judiciários (IPAJ) -, não teria deixado passar em claro essa monstruosidade anti-jurídica e abusiva.

Os munícipes sabiam que não valeria a pena enfrentar nos tribunais o novo poder municipal, com a faca e o queijo nas mãos, desde a fase de aprovação de projetos, de licenças de construção, etc., etc., mais valendo mostrar-se brandos e negociar.

Do poder judicial falaremos em outro lugar, entrando na perspetiva histórica, das sementes lançadas para a sua captura e dos frutos disseminados dessa “degradância”. Ainda que habitado por muitos juízes competentes (alguns talvez incorruptíveis), é hoje um sistema corporativista obscuro e não escrutinado, em que os melhores pagam a fatura dos incompetentes e menos sérios.

Penso que o poder judicial deve ser urgentemente repensado entre nós, especialmente em matéria do escrutínio disciplinar superior e isento dos magistrados que prevariquem, para que se evite a situação pública a que chegámos, a todos os títulos indesejável, em que poderá começar-se a exceder os delicados limites dum equilíbrio necessário.

Na verdade, o poder judicial é, ainda assim, e será sempre a tábua de salvação da Liberdade e da Justiça. Vale a pena lutar por sua recuperação, sua pureza e qualidade em todos os sentidos.

Finalmente, lamento e confesso-te, caro leitor: Não me falta saúde nem amor, mas razão "incontornável" obriga-me a suspender aqui estas publicações até que, mais tarde ou mais cedo, a possa contornar... pois a nossa fé remove montanhas.

 

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