Parcerias Público Privadas. Cabo Verde - três casos de insucesso
Ponto de Vista

Parcerias Público Privadas. Cabo Verde - três casos de insucesso

Setor da Energia e Água -1.º Caso de Insucesso

O primeiro caso de insucesso em termos de PPP, em Cabo Verde, aconteceu no setor da energia. A Electra, empresa cabo-verdiana concessionária do transporte e distribuição de energia elétrica, de transporte e distribuição de água e de recolha e tratamento de águas residuais para reutilização, foi criada em 1982. Cedo começou a enfrentar sérias dificuldades para dar resposta à crescente demanda de água e energia devido ao rápido crescimento urbano e em virtude de diversas circunstâncias relacionadas principalmente com a subida acentuada do preço dos combustíveis e o crescimento sucessivo do défice tarifário.

A posição financeira da ELECTRA deteriorou-se gravemente, criando uma situação insustentável dada a dificuldade do Estado de Cabo Verde em repor o equilíbrio financeiro da concessão e em criar um regulamento tarifário adequado à realidade da ELECTRA.

Em 1998, o Estado montou um projeto de reforma do setor de água e energia, orçado em quarenta e oito milhões de USD. O Governo e alguns parceiros internacionais (BM, EU, Fundo da OPEC, Áustria) financiaram o projeto num valor equivalente a 25.8 milhões de USD.

Neste contexto, e com a intervenção do Governo Português, o grupo EDP/AdP apresentou uma proposta ao Governo de Cabo Verde para solucionar a crise energética instalada no país e procurar promover a viabilização da ELECTRA. Foi feito com o Estado de Cabo Verde um Acordo de Princípio que consubstancia esse entendimento.

Assim, em 1999 a EDP/AdP (empresas de energia e água de Portugal) constituíram um consórcio (60% para a EDP e 40% para a AdP) e foram escolhidos/convidados, pelo governo de Cabo Verde, para adquirir 51% da Electra por um valor de 45,4 Milhões de Euros.

O Estado de Cabo Verde detinha uma golden share que lhe dava poderes decisivos em relação a aspetos que implicassem alterações ao contrato, fusão, cisão, transformação e dissolução da sociedade e à aprovação do plano estratégico.

Aquelas empresas assumiram a gestão da ELECTRA em Janeiro de 2000.

A PPP consistiu na privatização, seguida de contrato de concessão assinado em 2002. Inicialmente previsto para 50 anos, o contrato de concessão acabou por situar-se nos 36 anos.

A dita parceria estratégica não trouxe solução aos problemas estruturais da Electra. Os sucessivos cortes de energia, alguns prolongados, levou à contestação da presença de Portugal na Electra, pois tornava-se necessário encontrar soluções sustentáveis, que permitissem a melhoria do serviço e a redução dos custos.

Graças às boas relações políticas com o governo português foi possível chegar, rapidamente, a uma solução que desse satisfação tanto ao Estado de Cabo Verde como ao consórcio EDP/AdP, tendo-se assim evitado a procura de soluções através dos prolongados e excessivamente onerosos processos de arbitragem que, seguramente, tornariam a situação muito mais difícil.

Tamanha era a gravidade da situação e tanta era a pressão dos cabo-verdianos que o então primeiro-ministro de Cabo Verde chegou a dizer que gostava que as duas empresas portugueses saíssem o mais rapidamente possível de Cabo Verde.

Na experiência fracassada da Electra, a privatização prevista para 36 anos, apenas durou 6.

A solução foi a RENACIONALIZAÇÃO DA ELECTRA. Com efeito, em 2006 foi assinado o acordo que formalizava a saída da EDP/AdP do capital na Electra, tendo as ações sido adquiridas por preço simbólico pelo estado cabo-verdiano às empresas portuguesas.   

Apesar das dificuldades que todos conhecemos, temos hoje uma Electra bem diferente, a principal responsável pelos ganhos consideráveis que foram alcançados no domínio da energia e água. Isso não foi conseguido com a Electra privatizada.

Qual a razão do fracasso? Da opção de privatização? Da parceria montada na privatização? Do processo de privatização? Vale a pena procurar a resposta para dela se retirar os ensinamentos que se impõem.

 

Praia, 2 de setembro de 2020

Jorge Lopes

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