• Praia
  • 29℃ Praia, Cabo Verde
O solo é a solução
Ponto de Vista

O solo é a solução

Restaurar 350 milhões de hectares de terras degradadas até 2030 pode reverter a presença de entre 13 e 26 gigatoneladas de gases de efeito estufa na atmosfera. Para cada dólar gasto na recuperação de terras podem ser esperados pelo menos 9 dólares de benefícios económicos. Restaurar terras não gera apenas oportunidades de empregos verdes numa ampla gama de indústrias, mas também nos permitirá cultivar alimentos mais nutritivos, garantir maiores reservas de água potável, lidar com a perda de biodiversidade e mitigar as alterações climáticas.

 

O que é que pensa quando ouve a palavra “desertificação”? Dunas de areia que invadem lentamente abundantes terras agrícolas? Sahara e o Gobi a conquistarem a África e a Ásia? Rios e riachos que secam? Estes fenómenos contribuem certamente para a desertificação. Porém, o principal impacto da desertificação está na degradação da terra – de tal forma que o solo fica tão danificado que se torna incapaz de gerar vida.

O solo é muito mais do que terra e pó. Um solo saudável é essencial para um planeta saudável. O solo que pisamos está repleto de um mundo oculto de plantas, animais e micróbios – muitos, demasiado pequenos para serem vistos a olho nu mas essenciais para a nossa sobrevivência. Esta reserva negligenciada alimenta a nossa agricultura e indústrias alimentares. Ajuda a regular as emissões de gases de efeito estufa e mantem as plantas, animais e seres humanos fortes.

Contudo, hoje, mais de um quinto das terras do planeta - incluindo mais de metade das nossas terras agrícolas - está a sofrer. Todos os anos, mais de 12 milhões de hectares de terra são perdidos devido à desertificação, à degradação da terra e à seca. Esta perda atinge mais de 3 mil milhões de pessoas, principalmente nas comunidades pobres e rurais dos países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, quando a terra é convertida, apressadamente, em terreno agrícola, sem considerar a saúde do nosso meio ambiente, o carbono e o óxido nitroso são libertados para a atmosfera. As alterações climáticas aceleram, a biodiversidade decresce e as doenças infeciosas propagam-se. Tudo isto coloca em risco o abastecimento de água, os meios de subsistência e a nossa capacidade de enfrentar desastres naturais e eventos climáticos extremos.

A menos que atuemos agora, esta situação só vai piorar. Nos próximos 25 anos, a degradação da terra pode reduzir a produtividade global de alimentos até 12%, levando a um aumento de 30% dos preços mundiais dos alimentos. Nunca alcançaremos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável se permanecermos complacentes.

Mas há muitos motivos para ter esperança - e muita coisa que podemos alcançar juntos. Como vimos com o rápido desenvolvimento das vacinas contra a COVID-19. Quando a vontade existe e os recursos são disponibilizados, a humanidade pode realizar feitos realmente surpreendentes.

Restaurar 350 milhões de hectares de terras degradadas até 2030 pode reverter a presença de entre 13 e 26 gigatoneladas de gases de efeito estufa na atmosfera. Para cada dólar gasto na recuperação de terras podem ser esperados pelo menos 9 dólares de benefícios económicos. Restaurar terras não gera apenas oportunidades de empregos verdes numa ampla gama de indústrias, mas também nos permitirá cultivar alimentos mais nutritivos, garantir maiores reservas de água potável, lidar com a perda de biodiversidade e mitigar as alterações climáticas.

Quer estejamos a falar de pessoas da cidade que precisam de acesso a fruta e a vegetais, ou hoteleiros em ilhas que contam com praias protegidas e palmeiras ondulantes para atrair turistas, ou pacientes de hospitais, cujas vidas dependem de medicamentos derivados da natureza, uma coisa é certa: não há uma pessoa no planeta - ou qualquer ser - cuja existência não esteja ligada à terra.

Então, o que é que pode fazer para ajudar a proteger a nossa terra e o nosso solo? Um passo simples é não desperdiçar alimentos - porque quando os agricultores trabalham a terra para os produzir e nãos os consumimos, estamos a esgotar os nossos solos desnecessariamente. E se vive na cidade, poderá trabalhar com as autoridades locais para tornar a sua cidade mais verde - através de métodos inovadores como jardins no telhado e florestas verticais.

Aqui nas Nações Unidas, promover a regeneração de terras é uma parte crítica do nosso trabalho. Nos próximos meses, as principais conferências de acompanhamento das três Convenções do Rio - a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC) e a Convenção sobre a Biodiversidade (CDB) – acontecerão, pela primeira vez, no mesmo ano. Esta é uma oportunidade única para refletir sobre a saúde do nosso planeta - e sobre o que podemos fazer para melhorá-la e proteger a nossa própria existência.

Da minha parte, a 20 de maio, irei organizar uma reunião de alto nível sobre desertificação, degradação da terra e seca, na icónica sala da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. Esta reunião - a primeira deste tipo em mais de uma década, terá como base os avanços já alcançados, destacará as lacunas nos nossos esforços coletivos e estimulará a ação. Lembrar-nos-á que a degradação da terra é real e precisa de ser combatida. Mostrará como três questões aparentemente diferentes - clima, biodiversidade e desertificação - estão na verdade intrinsecamente ligados e aumentará a ambição de uma ação mundial.

A Assembleia-Geral é o único órgão onde todos os 193 Estados-membros das Nações Unidas se sentam como iguais. Portanto, não há lugar melhor para enfrentar os problemas que transcendem fronteiras e nos afetam a todos. Quando se trata da própria terra em que estamos - o solo que nos sustenta - não há tempo a perder. As conferências de alto nível podem não melhorar a situação da noite para o dia mas ao certificarmo-nos de que estamos todos na mesmo barco, partilhando as melhores práticas e dando passos reais juntos, podemos mudar a trajetória da desertificação. Iremos reverter a desertificação, a degradação dos solos e a seca - porque não temos outra escolha.

No entanto, precisaremos trabalhar juntos. Precisamos mudar algumas das nossas práticas. E espero que as Nações Unidas possam contar com o seu apoio.

Saiba mais em: www.un.org/pga/75/event/high-level-dialogue-on-desertification-land-degradation-and-drought/

*Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas

 

 

Partilhe esta notícia