
Cabo Verde, por natureza geofísica, foi sempre marcado por secas cíclicas e chuvas torrenciais originadas pelas depressões tropicais formadas na nossa região oceânica.
Neste arquipélago, formado por ilhas de origem vulcânica, geralmente montanhosas, com uma estrutura geológica frágil, sujeito à uma constante erosão originada ora por vento, ora por água resultante das chuvas torrenciais, tem-se notado uma progressiva diminuição do solo arável.
Todavia, com o andar do tempo, o povo aprendeu a viver com esta fatalidade. A cada ano que passa, os nossos heróicos camponeses têm procurado, com muito sacrifício, repor os solos levados pelo vento e pelas cheias resultantes das chuvas torrenciais. Pelo que conheço, os prejuízos têm sido enormes, mas nunca desmotivantes.
O sector rural, onde vive a maior parte da população no limiar da pobreza, nunca teve a devida atenção dos sucessivos governos, originando o êxodo da população para os maiores centros urbanos, resultando no surgimento dos bairros de lata, criminalidade de subsistência, e problemas sérios de saneamento e saúde pública.
O abandono do meio rural, pelos sucessivos governos, parece ter sido intencional na medida em que quase todos os projectos de ordenamento e protecção rural que no passado foram directamente geridos pelos financiadores, não encontraram o devido apoio das autoridades nacionais. Sempre preferiram o dinheiro e fazer dele o que bem entenderem.
Não é por acaso que muitos países abandonaram os projectos que financiavam e geriam em Cabo Verde. Temos o caso da Alemanha que financiava e executava o projecto “Monte Genebra, na Ilha do Fogo, a Dinamarca que financiava e coordenava o projecto agro-pecuário de Santa Cruz em Santiago , os Estados Unidos da América que, através da USAID, financiava e executava o ordenamento das bacias hidrográficas de Santiago e Santo Antão, a Áustria que financiava e coordenava o projecto de combate biológico de pragas agrícolas, em São Jorge dos Órgão-Santiago, etc. etc.
No caso da cooperação com os Estados Unidos através da USAID, sou um testemunho vivo. Na qualidade de técnico da USAID que financiou e administrou a Watershade Management Project - Ordenamento das Bacias Hidrográficas de Santiago e Santo Antão, sempre tivemos resistência, falta de apoio e colaboração do então Ministério do Desenvolvimento Rural.
Durante a vigência da Watershade Management Project, o Senegal foi o nosso melhor parceiro. Frequentemente, me deslocava à Universidade de Dakar para intercâmbios técnicos, impressão de cartas topográficas, palestras sobre o ordenamento rural em Cabo Verde, etc.
O nosso Ministério queria o dinheiro vivo e não o trabalho feito. A negligência associada à incompetência não permitiu que dessem continuidade aos trabalhos financiados e executados directamente pela USAID, durante vários anos.
Com o andar do tempo, os governos da segunda república começaram a ver para além do nariz, e verificaram que Cabo Verde jamais desenvolveria sem uma economia rural sólida. O primeiro passo seria a construção de grandes reservatórios, nas bacias hidrográficas dos vales para reter a água das chuvas. Todos sabemos que, depois de longos anos de seca, vinham sempre chuvas torrenciais que arrastavam tudo para o mar.
Foi de facto uma óptima ideia a construção dessas represas (barragens). O camponês precisava de água para a actividade agro-pecuária. Previa-se o fim da monocultura de sequeiro e o surgimento de uma moderna e diversificada agricultura gota-a-gota nas encostas dos vales.
Seria o prelúdio de um novo mundo rural. Só que o único projecto que resultou foi a represa de Poilão, por ter sido financiado e construído pela República Popular da China. Se tivessem apenas financiado a construção, metade do dinheiro ia para os bolsos dos oportunistas, e a represa seria um falhanço, como os demais.
É exactamente o que aconteceu com a construção das outras represas. Sem estudos geológicos adequados, sem consultar os residentes (sábios da terra), resolveram construir muros gigantes nas bacias hidrográficas das ribeiras, e deram-lhes o nome de “Barragens”.
Hoje temos represas por tudo quanto é canto. Com boa chuvada, transbordam rapidamente porque entra mais areia e pedras do que água. Meses depois a água milagrosamente desaparece!
A ciência adverte que nunca se deve construir Represas (Barragens) vedando totalmente a bacia hidrográfica de um vale. Deixa-se sempre espaço para passagem das enxurradas, para evitar o assoreamento, que é muito difícil e custoso de se fazer.
Faltou o investimento no leito das ribeiras. Devia-se construir drenagens adequadas para levar a água das cheias, e só água, às represas e no momento exacto.
A prova de incompetência e descaso para com o mundo rural retrata-se na construção das infra-estruturas de “Canto Cagarra” e “Banca Furada”.
Tudo indica que o principal objectivo não era a construção das represas (barragens), mas sim apoderar-se dos milhares que foram para os bolsos de muitos dirigentes corruptos, sem sentido de estado, mandatados para dirigir um país.
HOMENS DE ESTADO precisam-se em Cabo Verde. De CORRUPTOS estamos fartos.
Mindelo, 10 de Setembro de 2020.
ALCINDO AMADO
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