Estamos a falhar...!?
Ponto de Vista

Estamos a falhar...!?

"Acho que a independência vale sempre a pena, porque representa a liberdade, a não subjugação, a possibilidade e o direito de os cabo-verdianos escreverem a sua própria história e conduzirem o seu próprio destino. Entretanto, confesso-vos que, atualmente, não raras vezes, dou comigo a questionar se, efetivamente, tem sido notável o nosso percurso, ou se, pelo contrário, falhamos e continuamos a falhar."

Há alguns anos, ainda no tempo da Televisão Nacional de Cabo-Verde (TNCV), atual RTC/TCV, numa reportagem de rua, o Jornalista perguntou a uma criança, qual era o seu maior sonho e ela respondeu que, o maior sonho da vida dela era emigrar, para poder vir passar férias em Cabo Verde. Hoje, lembrei-me dessa reportagem, porque não sei se é impressão minha ou se, realmente, é impressionante a quantidade de cabo-verdianos, sobretudo jovens que, nos últimos tempos, desejam sair do País. Não sei se o motivo é igual ao da criança da reportagem.

Dir-me-ão, em primeiro lugar, que é a sina do povo cabo-verdiano, um povo aventureiro que, desde tempos idos, sempre desejou a emigração, à procura de melhores condições de vida noutras paragens, por causa da estiagem e da pobreza da terra. O querer ficar, mas o ter de partir, como escreveu o Poeta.

De referir que, nada tenho contra a mobilidade de pessoas e de mão de obra. Até porque os fluxos migratórios (imigração e emigração) desempenham um papel fundamental no ajustamento do mercado de trabalho, em termos de quantidades e salários. O mercado de trabalho é global e de oportunidades infinitas, as pessoas desejam quebrar fronteiras e correr atrás dos seus sonhos. Hoje, como disse Thomas L. Friedman, “O Mundo é Plano” e com as as novas tecnologias, é possível trabalhar de qualquer parte do mundo, em qualquer parte do mundo e para qualquer parte do mundo. Sei que muitos que estão a sair de Cabo Verde, estão a fazê-lo, pelas razões expostas neste parágrafo.

Não obstante, julgo que isso não nos deve eximir de questionar sobre as razões pelas quais, volvidos mais de 08 séculos sobre o achamento de Cabo Verde e 48 anos sobre a independência, milhares de cabo-verdianos, sobretudo jovens, continuam a desejar sair de Cabo Verde e ir à procura de oportunidades, noutras paragens. Só que agora, parece-me, que muitos são jovens qualificados e até gente da classe média/alta que, aparentemente, têm um “bom emprego” e uma “vida estável”, estão a vender os seus bens, a desfazer-se de tudo e a sair de Cabo-Verde.

Cabo Verde tem feito avultados investimentos na educação, na formação técnico-profissional e no ensino superior dos jovens, no País e no estrangeiro, que ficam sem retorno, porque jovens que, depois de terminarem a sua formação, querem sair do País e jovens que, depois de concluírem a sua formação no exterior, não regressam ao País. Estamos a desperdiçar o dividendo demográfico e a perder, em massa, capital humano e população economicamente ativa e, quando assim é, ficamos mais pobres.

Acho, portanto, que devemos fazer uma reflexão profunda e desapaixonada sobre estes aspetos, refletindo sobre todo o nosso percurso e sobre a sociedade que erigimos. A questão que se impõe é: estamos a construir um País próspero, solidário, com igualdades de oportunidades partilhadas por todos os seus filhos, onde as pessoas conseguem realizar os seus propósitos de vida? Ou será que as pessoas estão a desacreditar e a perder a esperança em Cabo Verde?

No próximo dia 05 de julho, comemoramos o 48º aniversário da independência de Cabo Verde. Sempre ouvimos dizer que, a independência valeu a pena e que, desde 05 de julho de 1975, o País fez um percurso notável. Acho que a independência vale sempre a pena, porque representa a liberdade, a não subjugação, a possibilidade e o direito de os cabo-verdianos escreverem a sua própria história e conduzirem o seu próprio destino. Entretanto, confesso-vos que, atualmente, não raras vezes, dou comigo a questionar se, efetivamente, tem sido notável o nosso percurso, ou se, pelo contrário, falhamos e continuamos a falhar. Já duvido, quando ouço dizer que até aqui fizemos bem e que, agora sim, temos de deixar de fazer mais do mesmo, acelerar o passo e fazer muito melhor, de modo a podermos vencer os novos desafios que se nos deparam. Estou aberto a quem se predispõe a dissipar-me essas dúvidas.

Enquanto isso não acontece, penso se desde a hora zero da República, construímos uma adequada visão estratégica sobre o Cabo Verde que desejamos a médio e longo prazos; se definimos de forma assertiva os objetivos e os eixos estratégicos de crescimento e de desenvolvimento; se em momentos oportunos, realizamos o adequado exercício de prospetiva estratégica e de antecipação de cenários / futuríveis, de modo a agir hoje para que o amanhã fosse aquilo que desejássemos; sobre que vantagens competitivas acoplamos à nossa excelente posição geoestratégica no Atlântico; ou se, pelo contrário, desperdiçamos as oportunidades e perdemos competitividade para os nossos irmãos e vizinhos da Costa Ocidental da África…!?

Dir-me-ão também, que somos reconhecidos e elogiados a nível internacional, uma referência de democracia no mundo, um exemplo de boa governação, com excelentes indicadores económicos e sociais, ou seja, que Cabo Verde é um caso de sucesso. E decido revistar Daron Acemoglu e James A. Robinson, sobre “PORQUE FALHAM AS NACÕES – As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza” e Steven Levitsky e Daniel Ziblan sobre “COMO MORREM AS DEMOCRACIAS”.

Entretanto, continuo a pensar se, durante o nosso percurso, realizamos as reformas estruturais que emperram o nosso processo de crescimento e desenvolvimento; se conseguimos a transformação estrutural da nossa economia, de base agrária para uma economia de base industrial e de serviços; se criamos fatores de competitividade; se garantimos a segurança alimentar e nutricional da população; se construímos um setor privado forte, competitivo, gerador de riquezas e de empregos e uma administração pública profissional, que serve os cidadãos e as empresas, através da prestação de serviços de qualidade.

Pergunto, por que é que, ainda existem elevadas assimetrias e desequilíbrios regionais e ainda não conseguimos resolver de forma estrutural a situação das ligações aéreas e marítimas entre as ilhas e, em pleno séc. XXI, temos compatriotas a perderem a vida em terra e no mar, por falta de um sistema de evacuação eficiente entre as ilhas…!?

Tenho refletido muito sobre se o nosso sistema de ensino e aprendizagem dá respostas aos desafios do futuro e do mundo em que vivemos; se o nosso sistema de saúde garante cuidados primários, confiança e segurança aos utentes; e por que razão, volvidos quase meio século sobre a nossa independência, ainda milhares de cabo-verdianos tem de recorrer a evacuações médicas e procurar por sistemas de saúde de Países estrangeiros, para poderem tratar de doenças diversas…!?

Mas mais: penso ainda, por que razão a insegurança grassa pelas ruas, comunidades, bairros e cidades do nosso País e os noticiários são recheados de casos de violência doméstica, de violência com base no género, de violência contra as mulheres, de violência contra menores, de feminicídio, de consumo excessivo do álcool e de irresponsabilidade parental…!? Questões socialmente sensíveis, que do meu ponto de vista, requer especiais atenções da sociedade.

Quando verifico que milhares de jovens que desejam sair do País, pergunto, por que razão, ainda não conseguimos edificar um sistema de acesso ao mercado de trabalho, que privilegia o mérito, a competência e a excelência e temos uma economia estribada em baixos salários? Se estamos, efetivamente, a conseguir debelar a pobreza e as desigualdades sociais e a melhorar a qualidade de vida dos cabo-verdianos…!? Se temos uma classe média forte e independente do Estado…!? Por que razão temos uma sociedade cada vez mais partidarizada, onde a crispação política tende a assumir contornos preocupantes e o cartão de militante é quase Cartão Nacional de Identificação (CNI)? E se, de facto, os cidadãos sentem-se livres em Cabo Verde?

“Se queres conhecer o passado, examina o presente que é o resultado; se queres conhecer o futuro, examina o presente que é a causa.” Esta é uma sábia frase atribuída a Confúcio e que, no presente, com olhos postos no futuro, me leva ainda a questionar se estamos a preparar o País para o advento desse “admirável mundo novo”, parafraseando Aldous Huxley, incerto, turbulento, disruptivo, digital, da inteligência artificial, da guerra cibernética, do cibercrime e do desafio climático/ambiental?
Dir-me-ão, por último, que o nosso percurso como Estado independente é ainda curto, apenas 48 anos, muito na vida de um homem, mas pouco na vida de um povo e que não podemos pretender ter resolvido todos os nossos problemas.

Contudo, a meu ver, precisamos de introduzir mudanças profundas na nossa sociedade, algumas com caráter de urgência, e fazer algumas ruturas. Acho que Cabo Verde precisa urgentemente de um Novo Pacto Social, de uma Nova Agenda Económica, com foco no crescimento sustentável, na melhoria da produtividade global dos fatores, no acesso a empregos decentes e produtivos e ao rendimento.
Como diria alguém, não podemos continuar a fazer as mesmas coisas e esperar que os resultados sejam diferentes. Sob pena de continuarmos com discursos magníficos em momentos solenes, a massagear o nosso ego com elogios que recebemos da comunidade internacional e, como o Poeta, a “fingir completamente, que chegamos a fingir que é dor, a dor que deveras sentimos”.

]Acredito que podemos alcançar o tão almejado desenvolvimento e bem-estar geral e que Cabo Verde possa oferecer condições e oportunidades para que as pessoas possam realizar-se, ter condições de alcançar os seus propósitos de vida e, diferentemente da criança referida no início do texto, possam ir de férias, viajando para fora cá dentro, ou ir de férias no estrangeiro e que, os milhares de cabo-verdianos que vivem no estrangeiro venham sempre de férias, visitar o torrão natal.

Partilhe esta notícia

Comentários

  • Este artigo ainda não tem comentário. Seja o primeiro a comentar!

Comentar

Caracteres restantes: 500

O privilégio de realizar comentários neste espaço está limitado a leitores registados e a assinantes do Santiago Magazine.
Santiago Magazine reserva-se ao direito de apagar os comentários que não cumpram as regras de moderação.