Discurso do candidato do MpD à presidência da AM de Santa Catarina: onde está o problema?
Ponto de Vista

Discurso do candidato do MpD à presidência da AM de Santa Catarina: onde está o problema?

Para responder esta questão, vou transcrever uma história sobre um Rei que teve um sonho e queria que alguém lhe ajudasse a interpreta-lo.

Havia um Rei que teve um sonho e ficou muito inquieto. Por isso, mandou chamar um sábio para interpretar o sonho. Ao chegar o sábio, o Rei contou o sonho e o sábio lhe disse: senhor, este sonho significa que todos os seus parentes morrerão e apenas o senhor viverá.

O Rei ficou indignado com a interpretação do sábio e ordenou que lhe dessem 100 chicotadas e o colocassem na prisão. Imediatamente, o Rei pediu que chamassem outro sábio para ajuda-lo na interpretação. O segundo sábio falou ao Rei: senhor, através desse sonho temos a revelação de que o senhor viverá mais do que todos os seus parentes.

O Rei muito feliz, e pediu que ele fosse presenteado com 200 moedas de ouro. Inquieto, um dos seus servos ficou a pensar porque é que a recompensa foi diferente se ambos falaram a mesma coisa!

Moral da história! O problema não está "no que se fala", mas sim, "na maneira como se fala".

O candidato do MpD à presidência da Assembleia Municipal de Santa Catarina, afirmou num discurso proferido em Ribeira da Barca, que os "emigrantes não têm espaço em Santa Catarina" para o exercício de representação política.   https://www.facebook.com/evandro.correia.33/videos/3559179207480455

Esta afirmação, que de resto caiu como uma bomba e está a gerar uma onda de contestação e indignação junto dos nossos emigrantes espalhados pelos 04 cantos do mundo, levanta, desde logo, uma questão: trata-se de saber se o problema está no que ele falou ou na maneira como ele falou.

Certamente, alguns apoiantes do candidato dirão que o discurso foi mal interpretado; que não era aquilo que ele queria dizer; que ele não pensa assim em relação aos emigrantes etc.

A esses apoiantes, eu digo que em política não basta saber "o que falar"; é preciso saber "como falar".

Na minha opinião, o problema está tanto no que ele falou, como na maneira de falar".   Partindo do princípio que um candidato deve preparar (sempre) o que vai falar, e que fala (sempre) daquilo em que acredita, sou obrigado a concluir que o candidato do MpD acredita que "os emigrantes não têm espaço em Santa Catarina". Ora, pensar que os emigrantes não têm espaço em Santa Catarina, é de facto, um problema!

O problema está também na maneira como ele falou! Podia ter preparado o seu discurso em relação aos emigrantes de uma forma diferente, e evitar esta onda de contestação e indignação. Não preparou!

Vimos no início deste texto, a história de um Rei que ficou indignado com a interpretação do sábio (devido à maneira como ele falou) e ordenou que lhe dessem 100 chicotadas e o colocassem na prisão.

Creio que é o mesmo que está a acontecer com o autor do discurso, devido à maneira como ele falou.

Tem sido recorrente, pelo menos desde 2016, a construção de uma narrativa baseada na ideia de que só quem vive o tempo todo em Assomada, conhece e está preparado para governar Santa Catarina.

Basta ouvirmos o debate "Autárquicas 2016" entre os candidatos à presidência da Câmara Municipal, Beto Alves (MpD) e Alcídio Tavares (PAICV).   http://www.rtc.cv/autarquicas2016/index.php?paginas=9&id_cod=3322Frases Durante o debate, são proferidas considerações tais como: "fiz tudo em Santa Catarina; trabalhei em Santa Catarina; fiz todos os meus investimentos em Santa Catarina; o senhor veio de Santo Antão não sabemos porquê; o senhor não esteve em Santa Catarina, passou em 2008 e agora está a passar de novo; o senhor esteve durante muito tempo fora de Santa Catarina, tem alguma dificuldade em conhecer o Concelho".  

Estas considerações (desprovidas de sentido) são estratégias, por um lado, para condicionar a ação dos adversários e reforçar a ideia de que só quem vive no Concelho, conhece e reúne todas as condições para governar Santa Catarina. Por outro, servem para desviar a atenção, e levar o foco da discussão para outro campo, nomeadamente, para o campo pessoal. Efetivamente, não houve nenhum autarca (inclusive o candidato do MpD ) que viveu o tempo todo em Santa Catrina.

No debate "Autárquicas 2020 em Santa Catarina"

http://www.rtc.cv/autarquicas2020/index.php?paginas=9&id_cod=14801 o candidato do MpD recorreu (novamente) a estratégias para condicionar a ação dos adversários; reforçar a ideia de que só quem vive no concelho conhece e reúne as condições para governar Santa Catarina; desviar a atenção, e levar o foco da discussão para o campo pessoal, através de afirmações como: "passei todo o tempo em Assomada; não desloquei de Assomada para nenhum lado; estive durante todo esse tempo, não desloquei para nenhum sitio; sempre em Santa Catarina; sempre na cidade de Assomada a dar a minha contribuição para o desenvolvimento de Santa Catarina; os senhores estão aqui de passagem; uns da Praia; outros do Sal; não estão conectados à realidade do concelho, não conhecem o concelho".

Para recentrar o debate, foi preciso lembrar o candidato do MpD que "Santa Catarina é de todos os santa-catarinenses independentemente do local onde estão a residir e que todos são convidados a dar o seu contributo para o desenvolvimento do concelho" e acusá-lo de ter ideias "xenófobas".

De facto, quem ouviu os referidos debates e o discurso proferido em Ribeira da Barca, apercebe-se que os candidatos do MpD querem passar a ideia de que só quem vive o tempo todo em Assomada, tem legitimidade para governar Santa Catarina.

É neste contexto que deve ser entendido e interpretado o discurso do candidato do MpD à presidência da Assembleia Municipal.

Dizer que os emigrantes "não têm espaço em Santa Catarina" para o exercício de representação política (no contexto e da forma como foi dito) é de facto um problema gravíssimo, na medida em que só vem reforçar a ideia de só quem vive (ninguém vive) o tempo todo em Assomada, tem legitimidade para governar Santa Catarina.

Para terminar, recorro a esta citação para dizer que de facto, "Santa Catarina é de todos os santa-catarinenses independentemente do local onde estão a residir e que todos são convidados a dar o seu contributo para o desenvolvimento do concelho".

Os emigrantes não têm espaço em Santa Catarina?  

No dia 25 de Outubro, os santa-catarinenses (sobretudo os familiares, amigos e conhecidos dos emigrantes) terão a oportunidade para responder esta questão.

Jorge Barbosa

Politólogo

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